Todos são iguais, mas os de farda são mais iguais que os outros

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O governo decidiu que o tom do debate sobre reforma da previdência seria a igualdade: todos pagariam sua parte para cobrir o rombo nas contas públicas. Para sustentar a retórica, garantiu no mês passado que uma economia robusta viria até mesmo na previdência dos militares, apesar de todos os generais que ocupam o Planalto. Quem acreditou se decepcionou essa semana, com a apresentação da reforma.

As críticas não se restringiram a petistas desvairados, que falariam mal de qualquer texto. João Amoedo reclamou do projeto. Alexandre Schwartsman, um dos mais destacados críticos da irresponsabilidade dilmista, também torceu o nariz. O mesmo para economistas como Pedro Nery e Carlos Góes, defensores públicos da reforma previdenciária desde os tempos de Temer.

Os reformistas não gostaram porque a reforma dos militares é, do início ao fim, expressão daquilo que tanto criticam: corporações usando o Estado para atender a seus interesses. Capitão e generais apresentaram um texto que, em suma, combina restrições previdenciárias com um substantivo aumento do gasto com pessoal militar. Como resultado, os civis bancarão uma fatia desproporcionalmente maior da economia gerada pelas reformas.

O texto apresentado pelo governo tem duas partes. A primeira é como esperado, com uma série de restrições no acesso a benefícios previdenciários, aumentos de idade mínima, tempo de contribuição e alíquotas. Mesmo esta parte propõe para os militares uma economia em 10 anos inferior à exigida para o resto da população.

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Segundo cálculos da consultoria LCA com base em números do Ministério da Economia, a poupança anual média da reforma previdenciária nos próximos 10 anos será igual a 35,9% do déficit para trabalhadores do setor privado e 37,7% para servidores civis, conforme o texto apresentado no mês passado; esse número cai para 22% para os militares, caso se considere uma economia de 97 milhões de reais após 10 anos.

Mesmo considerando apenas a parte do projeto que restringe o acesso a benefícios previdenciários (o resto propõe gastar mais), os militares contribuiriam, proporcionalmente ao déficit, com cerca de 60% do que se exige do resto da população.

E ainda há um adendo importantíssimo: uma segunda parte do projeto, chamada de “reestruturação das Forças Armadas” estabelece aumentos de gastos que fariam a economia em 10 anos cair para 10,45 bilhões de reais – o impacto anual médio seria igual a 2,4% do déficit.

Ou seja, o impacto final da reforma exige que os civis façam um sacrifício 15 vezes maior do que o exigido aos militares, comparando a economia anual média de ambas as categorias após 10 anos de reforma com seu déficit previdenciário atual.

Talvez existam demandas legítimas das Forças Armadas, como defendem os generais do governo. Mas será que elas justificam uma contribuição tão menor no rol de sacrifícios que se exige do brasileiro? E, afinal, por que isso está sendo discutido junto com a reforma previdenciária.

Paulo Guedes enche o peito para dizer que aumentos de gastos só devem ser feitos quando acompanham avaliações de impacto. E qual avaliação de impacto acompanha o aumento de gasto com pessoal que a caserna vende como “reestruturação”? Nada. Querem aumentar o pagamento de uns sem justificativa técnica, enquanto propõem cortes a todo o resto. Não é justo.

Escrevi elogios públicos ao governo após o primeiro texto da reforma. O que se propõe para os civis está em consonância com o discurso do governo sobre igualdade de sacrifícios e corte de privilégios. O que se propõe para os militares, não.

Fica a decepção com o igualitarismo seletivo que tanto lembra a clássica frase de “A Revolução dos Bichos”, livro de George Orwell: “todos são iguais, mas alguns são mais iguais do que os outros”. Os de farda, no caso, são mais iguais do que os outros.

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Importante: As opiniões contidas neste texto são do autor do blog e não necessariamente refletem a opinião do TucanoWeb.

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