Você Não Estava Aqui

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O diretor inglês Ken Loach sempre foi muito crítico do capitalismo e de suas engrenagens de exploração da classe trabalhadora. Durante muito tempo esse tipo de crítica foi considerada salutar, mesmo dentro de países capitalistas. Hoje, que o capitalismo já se mostra caduco e nocivo ao extremo, sem que nada apareça para o substituir, qualquer esboço de crítica é considerada obra de comunista. Como regredimos tanto?

O fato é que Loach não arreda pé de sua visão de mundo e de colocá-la em seus filmes. E nesta reta final de sua carreira (a não ser que ele imite o português Manoel de Oliveira e filme até os 103 anos), o veterano de 83 anos continua realizando filmes em que mostra a crueldade do sistema capitalista e sua máquina de demolir pessoas.

Em “Você Não Estava Aqui”, atualmente em cartaz nos cinemas, o cineasta ataca a onda de serviços sem estabilidade como Uber, Rappi e quetais, ao mostrar um casal tradicional que procura fechar as contas trabalhando nesses serviços. Ele como entregador em uma dessas companhias que prometem liberdade de horários e não fornecem direito algum ao trabalhador. Ela como cuidadora de idosos e doentes.

Como agravantes na vida do casal, ainda precisam lidar com o filho adolescente rebelde (quase um pleonasmo) e a filha mais jovem, de 11 anos, que dá menos trabalho, mas ainda não tem idade para garantir sua independência e tem problemas para dormir, provavelmente pela instabilidade do lar.

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Uma das características de alguns dos filmes mais engajados desse diretor de carreira irregular está a filmagem em locações no norte da Inglaterra ou na Escócia. Seja em Glasgow, Manchester ou Newcastle, caso de “Você Não Estava Aqui”, é sempre complicado entender tudo o que os personagens falam para quem não está habituado a ouvir o inglês britânico. É possível, em revistas e jornais ingleses, ver os críticos londrinos pedindo legendas nos filmes de Loach, pela dificuldade de se entender o sotaque carregado do norte do país.

Pode parecer preconceito. Afinal, apesar de carregado e por vezes com sílabas e fonemas comidos pela pronúncia, o que dificulta a compreensão de tudo que dizem, pelo menos até que nos acostumemos aos diálogos, não são sotaques tão impenetráveis assim para quem tem inglês fluente. Mas o que se pode esperar do país que disse sim ao Brexit? Há mentes progressistas aos montes por lá, como é o caso de Ken Loach e vários outros artistas que se posicionaram contra a xenofobia. Mas há também o oposto, pessoas que desejam que se fale em todo o Reino Unido o inglês do centro de Londres.

Loach nem sempre filma personagens politizados. Isso acontece em filmes como “Ventos da Liberdade” (2006) ou o belíssimo “Jimmy’s Hall” (2014), um de seus melhores longas. Geralmente filma alienados e/ou pobres que, pelo sofrimento e pela perda do poder aquisitivo da classe média decadente, aprendem a consciência de classes para, a partir daí, tornarem-se politizados. É o caso de, por exemplo, “Eu, Daniel Blake” (2016). Por vezes nem aprendem, só sofrem. É o caso de “Você Não Estava Aqui”.

Passada a fase panfletária de filmes como “Terra e Liberdade” (1995) e “Pão e Rosas” (1999), Loach finalmente encontrou uma via crítica salutar em tempos de neoliberalismo e cinismo dos economistas do mundo todo. Cai vez ou outra no exagero da comiseração, mas não ultrapassa o limite da chantagem emocional.

Como dizia Inácio Araujo a respeito de um outro filme, “Você Não Estava Aqui” representa um pouco do espírito de recusa que ainda sobrou no mundo do cinema.

* Sérgio Alpendre é crítico e professor de cinema



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