Polêmico plano da XP de deixar São Paulo é má notícia para a cidade

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Os 2.700 funcionários da XP foram surpreendidos por um e-mail incomum no último dia 11. Anexo à mensagem, um “e-book”, um livro digital, apre- sentava a eles a ideia da “Villa XP” (na grafia italiana, como um condomínio nouveau riche). É o projeto de uma nova sede “futurista” nos arredores da capital paulista — atualmente, a empresa fica em um arranha-céu espelhado em frente ao shopping JK Iguatemi, no Itaim Bibi. “Esqueça a rotina caótica de uma grande cidade como São Paulo”, provoca o texto. Em seguida, ele descreve cenas produzidas pela desigualdade social acachapante. “Chegar na Villa XP é fácil, pois está próxima de aeroportos, e o acesso rodoviário também é possível desde São Paulo através de rodovias de excelente qualidade. Também temos nosso próprio heliponto.” Para dar asas ao devaneio, o manifesto prevê a rotina no local: “Visitar a Villa XP se tornou uma atração. Recebemos milhares de pessoas mensalmente no Tour XP (…). A primeira parada é uma sala de cinema 4D, em forma de domo (…). O tour termina na XP Store, onde você pode aproveitar a chance de comprar itens exclusivos, desde o coletrader (o colete da marca) até o best-seller Na Raça (que conta a história do fundador, Guilherme Benchimol). Antes de ir embora, não deixe de bater uma foto na emblemática logo da XP, esculpida ao lado da loja, pois desse ângulo é possível capturar ao fundo todo o complexo Villa XP”.

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<span class="hidden">–</span>Leo Martins/Veja SP

Mas voltemos à realidade. Ainda que o livro digital se classifique como uma “obra de ficção”, a XP admite que a sede no interior e um “home office permanente” — para aqueles que puderem trabalhar de casa, é claro — são mesmo seus planos e sua visão para o futuro. Informa, também, que já iniciou conversas com grandes grifes de arquitetura para desenhar a Villa. Fontes do alto escalão contam que a sede campestre “aos moldes da Apple” é um sonho antigo dos fundadores. “Existe um ideal de que todos pertençam a uma comunidade, a uma bolha, onde se vistam com o mesmo colete e ajam de modo parecido”, diz um ex-diretor. (A foto abaixo, tirada durante o IPO — oferta inicial de ações na bolsa — da empresa em Nova York, no ano passado, resume visualmente a ideia.)

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<span class="hidden">–</span>Tiago Ribeiro/Divulgação

A XP não quis dar entrevista, mas enviou uma nota à Veja SP. “A Villa XP ainda é um projeto em discussão e, por essa razão, (a empresa) considera precipitada qualquer opinião em torno do empreendimento. A Villa XP não será um novo escritório para o qual os 2.700 colaboradores se deslocarão diariamente, mas um espaço de uso pontual para encontro com equipes, líderes e clientes e até para convivência pessoal e familiar dos funcionários. Por essa razão, não se vislumbra congestionamentos ou dependência excessiva do automóvel. Ainda assim, a XP Inc. oferecerá toda a estrutura necessária para aqueles que precisarem ir para a Villa XP, principalmente para os profissionais de serviços essenciais como limpeza e manutenção, que poderão ser moradores da cidade onde será instalada a Villa XP. A empresa usará todas as experiências conhecidas — boas e ruins — para desenvolver um empreendimento adequado à realidade local, considerando questões relacionadas a infraestrutura, sustentabilidade e meio ambiente. Por fim, a XP Inc. esclarece que manterá sua atual sede com um propósito de escritório-conceito”, diz o texto.

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<span class="hidden">–</span>Dados gráfico: JLL/Veja SP

 

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Para a empresa, a mudança significaria uma economia de custos. Enquanto o metro quadrado de um escritório de alto padrão na Avenida Juscelino Kubitschek vale em média 100 reais, no entorno de São Paulo, como Alphaville, o aluguel cai para 57 reais. (A XP aluga seis andares, em um total de 12.145 metros quadrados, do condomínio considerado o mais caro da região.) A mão de obra também é mais barata fora da capital. Outra economia significativa poderia vir da isenção ou da redução de impostos. Estima-se que a XP recolha por volta de 200 milhões de reais de imposto sobre serviços (ISS) anualmente aos cofres municipais, cuja alíquota para instituições financeiras é de 5%. O valor corresponde a toda despesa anual da Secretaria Municipal de Esportes. “Uma cidade da Grande São Paulo ou do interior pode propor cobrar a metade disso, o que já ajudaria significativamente seu orçamento municipal”, afirma Alexandre Motonaga, especialista em tributação da Fundação Getulio Vargas. Não é um tipo de negociação incomum entre governantes e marcas que gozem de certo prestígio. Mas benesses dadas a empresas com muito dinheiro podem causar revolta mundo afora: no ano passado, a Amazon precisou desistir de uma nova sede em Nova York após a população se opor aos incentivos de 3 bilhões de dólares que as autoridades locais tinham oferecido à companhia.

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<span class="hidden">–</span>Leo Martins/Veja SP

Com 90.000 habitantes e um aeroporto novinho em folha, São Roque seria um exemplo de candidata a abrigar empresas do porte da XP. “Temos qualidade de vida, acessos, locomoção e o Aeroporto Executivo Catarina”, afirma o prefeito Cláudio Góes (PSDB). A cidade, que possui um orça- mento de 300 milhões de reais, foi amplamente atingida pela crise do coronavírus e estima uma queda de 15% nas receitas em 2020. Na capital paulista, onde as empresas do conglomerado “farialimer” movimentam 5% da economia municipal, a perda de receita por causa do coronavírus está estimada em pelo menos 3,6 bilhões de reais (5% do orçamento de 2020). O montante equivale à despesa anual da Secretaria Municipal de Mobilidade e Transportes, uma das maiores da metrópole. Outro destino que entraria no leilão é Sorocaba, com 679.000 habitantes. Nos últimos dois anos, 21 empresas da região metropolitana pegaram a Rodovia Castello Branco e desembarcaram na cidade. Em 2019, o município criou uma lei que oferece uma série de benefícios às companhias que se instalarem por lá. Além da redução de 100% do IPTU por até doze anos, há diminuição de ISS para 2% e isenção de tributos para licenciamento das obras. “Mais que isenções de impostos, a tramitação para a abertura das empresas conta bastante. Tem cidades onde isso demora. Aqui em Sorocaba temos um caminho super-rápido”, afirma Fernando Oliveira, secretário de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Turismo. Mesmo lugares mais distantes da capital estão na briga. “São José do Rio Preto, Barretos, Franca, Presidente Prudente e Araçatuba poderão ser opções no futuro, quando a concessão dos aeroportos sair”, diz Flávio Amary, secretário estadual de Habitação. “Há dez ou quinze anos, movimentos migratórios apontavam para São José dos Campos e Litoral Sul. Hoje isso praticamente zerou”, explica, referindo-se às práticas de isenções fiscais que ocorrem há décadas, não apenas em tempos de pandemia.

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<span class="hidden">–</span>Divulgação/Divulgação

Especialistas em urbanismo, no entanto, criticam a possível debandada de companhias de serviços. “Quando uma empresa como a XP ameaça se mudar para o interior, está impondo a São Paulo um desafio que não foi vivido por nenhuma cidade global”, diz o arquiteto e urbanista Vinicius Andrade, professor da Escola da Cidade. “A capital, que deixou de viver do ICMS para depender do ISS a partir dos anos 80, se tornou uma cidade terciária (baseada em serviços). E, antes de cumprir esse papel na totalidade, já começa a sofrer a decadência. Vai perder para o interior potente, rico. Seria difícil arrumar uma estratégia de sobrevivência.”

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A XP é a ponta de lança de um movimento mais amplo, desencadeado durante a quarentena, que ameaça provocar abalos sísmicos em regiões como Itaim Bibi, Vila Olímpia e Nova Faria Lima. Além da companhia, outras empresas de destaque da economia paulistana (como Google, Facebook, Twitter e Nubank), se não estão de malas prontas para uma “villa”, anunciaram que vão estender o home office até o fim do ano (ou mesmo por tempo indeterminado), o que fará despencar o fluxo de pessoas nesses bairros.

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<span class="hidden">–</span>Divulgação/Divulgação

Nos escritórios mais modernos da cidade, metade dos inquilinos nem sequer tem uma data definida para a volta, segundo pesquisa da consultoria imobiliária Jonas, Lang & Lasalle (JLL), que gerencia 1 milhão de metros quadrados em sessenta edifícios comerciais de alto padrão de São Paulo. “Mesmo nas empresas que retornarem às sedes, uma parte dos funcionários precisará fazer home office, para que seja possível o distanciamento entre as mesas”, diz Fábio Martins, diretor de gerenciamento de propriedades da JLL. A onda do trabalho remoto, somada à recessão econômica, deve deixar vagos 107.000 metros quadrados de escritório de alto padrão da cidade até o fim do ano — além daqueles que já estão vazios. Ao todo, a desocupação saltaria de 20,8% para 23%, de acordo com a consultoria. “Entre os nossos clientes, todos estão reavaliando suas áreas de escritório”, afirma Monica Lee, diretora do segmento de escritórios da JLL. O fenômeno deve impactar no preço dos aluguéis, o que ainda não aconteceu por serem contratos de longo prazo.

No imponente Pátio Victor Malzoni, na Avenida Faria Lima, o Google colocou seus 1.000 funcionários em trabalho remoto por tempo indefinido. Algumas equipes foram avisadas que voltarão ao escritório apenas no fim do ano que vem, e a empresa só deverá ocupar 100% dos pisos que aluga no edifício (quatro em uma torre, três em outra) após o surgimento de uma vacina para o novo coronavírus. No número 4.221 da mesma avenida, em outro arranha-céu espelhado, o Twitter também autorizou os funcionários a optar pelo home office — até quando desejarem. O trabalho remoto permanente tinha a simpatia das lideranças mesmo antes da pandemia. Jack Dorsey, o fundador, afirmou que pretende viajar mais e comparecer menos à sede de São Francisco (EUA) nos próximos anos. Em 2019, o executivo fez um tour pelos escritórios globais da marca. No passeio, ele mandou uma mensagem simbólica: fez visitas à casa de funcionários que já trabalham em regime de home office nos EUA (no Brasil, a equipe de 100 pessoas ainda não tem nenhum “remoto”, como eles são chamados internamente).

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<span class="hidden">–</span>Fernando Moraes/Veja SP

A onda do home office estendido atinge outros gigantes da tecnologia (como o Facebook), concorrentes da XP (como o Nubank) e até startups importantes do ecossistema de inovação paulistano (como a Zee.Dog). Os grandes bancos, que hoje possuem 230.000 funcionários trabalhando de casa em todo o país, estudam tornar a medida permanente para parte das equipes. “Será que isso vai funcionar? Muitas das conversas corporativas dão resultado melhor face a face. A falta de interação física poderá levar a um caminho inverso ao da inovação”, explica Ciro Biderman, professor de economia e administração pública da FGV. A instituição, por sinal, já esticou as aulas remotas até o fim do ano. “Vou me mudar para a praia e dar as aulas de lá. Se acontecer qualquer alteração, volto para São Paulo”, conta.

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Os prédios esvaziados provocariam um descompasso perigoso nos bairros empresariais. Se os planos do governo e da prefeitura não desandarem, os restaurantes, bares, manicures e outros comércios desses locais serão autorizados a reabrir nas próximas semanas. Dependentes dos clientes de crachá, porém, eles preveem uma queda significativa nas receitas — enquanto os custos de manter o funcionamento reaparecerão. “O pior cenário é esse ‘limbo’ da ausência de funcionários. Se uma empresa como a XP quer ir embora do bairro, que vá rapidamente. Assim outra marca pode alugar o espaço”, diz Renato Rezemini, 55, proprietário de dois restaurantes ao lado do São Paulo Corporate Towers, onde fica o conglomerado financeiro. Naquele quadrilátero (entre a Avenida Juscelino Kubitschek, a Faria Lima, a Rua Funchal e a Avenida dos Bandeirantes), pelo menos seis restaurantes já fecharam as portas. “Se as coisas seguirem como estão, o número deve chegar a trinta nos próximos dois meses”, afirma o empresário. A Camargo Corrêa, dona do edifício, lembra que ele ainda mantém 100% de ocupação.

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O projeto da Villa XP traz à tona polêmicas ocorridas em outras grandes cidades globais nos últimos anos. A mais notória talvez seja a da nova sede da Apple, nos EUA, marca que inspira a empresa brasileira. O Apple Park, um colossal edifício de 5 bilhões de dólares cujo formato lembra um disco voador, foi inaugurado nos subúrbios de Cupertino em 2017. Reconhecido pela capacidade de inventar o futuro, o gigante da tecnologia foi criticado por seguir um modelo de cidade típico dos anos 1950, quando a busca por QGs corporativos afastados tornou o país altamente dependente do automóvel. “A sede (da Apple) é retrógrada, olha apenas para o próprio umbigo e despreza as cidades em geral”, disse um editorial da revista Wired. O artigo destacava que 90% dos funcionários não moravam nas redondezas e dependeriam de carro. Vale lembrar que a atual sede da XP é servida por uma estação de trem, diversas linhas de ônibus e uma ciclofaixa. A mudança do Google para a pequena Mountain View, em 2003, também fez com que aumentassem o trânsito nos acessos à cidade e o custo de vida para a população local.

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O Apple Park, na Califórnia: isolado do entorno, o projeto foi classificado como “retrógrado” e um “desprezo à cidade”Steve Proehl/Getty Images

Não é novidade empresas e parte da elite buscarem refúgios distantes, pagando menos impostos. Mas experiências anteriores, como Alphaville, Portal do Morumbi e Barra da Tijuca, não foram capazes de criar a vida e a diversidade de uma Avenida Paulista. Ou do necessitado, mas muito conectado, centro de São Paulo, onde um investimento assim seria realmente inovador.

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Publicado em VEJA SÃO PAULO de 1 de julho de 2020, edição nº 2693.  

 

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