Pesquisa mostra que 33% dos recrutadores eliminariam candidatos por conta de mentiras no currículo

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RIO  — No conto “O homem que sabia javanês”, o escritor Lima Barreto narra a história do malandro Castelo que, embora não entendesse patavinas do idioma, com muita lábia e confiança, conseguiu o emprego de professor de javanês de um influente barão.

A história, apesar de ter sido publicada há mais de 100 anos, é tão atual quanto as mentiras constantemente contadas nos currículos, entrevistas e no trabalho. As mais comuns, segundo a consultora Silvina Ramal, sócia da ID Projetos Educacionais, são referentes a fluência de idiomas (como Castelo), certificados e diplomas, capacidade técnica em determinada área, resultados em empregos anteriores e questões comportamentais.

— Também é rotineiro ver pessoas que garantem falsamente ter experiência na área e há aqueles que aumentam o valor do último salário ou que escondem a real razão da demissão. O endereço costuma ser outro item que provoca deturpações — acrescenta a presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos RJ (ABRH-RJ), Lucia Madeira.

Algumas inverdades e omissões são perdoáveis e têm conserto. Por exemplo, dizer que sabe um programa de computador e fazer um curso para se aperfeiçoar antes de começar o trabalho.

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A questão é que mentira, já diz o ditado, “tem perna curta”. Uma hora alguém vai descobrir e isso pode não só resultar em demissão como queimar o filme do profissional no mercado.

De acordo com o Índice de Confiança da empresa de recrutamento Robert Half, 33% dos recrutadores eliminariam candidatos por conta de mentiras no currículo.

— Caso o candidato tenha sido contratado e durante o processo exagerou no conhecimento do idioma ou experiência em determinado programa, a consequência dependerá do grau de tolerância do empregador. Mas, sem dúvida, haverá o constrangimento e quebra de confiança, que pode culminar em desligamento — afirma Fernando Mantovani, diretor-geral da Robert Half.

Lucia reforça que, entre as qualificações de um profissional, a honestidade é um valor requisitado pelas organizações.

— A mentira é vista como trapaça. Hoje, por exemplo, vivemos um momento em que o desemprego permanece alto e essa pressão por uma vaga de trabalho pode levar alguém a pensar que falsear o currículo talvez o favoreça. Porém, mesmo que não seja descoberto na entrevista, cedo ou tarde isso poderá ocorrer. E, provavelmente, a pessoa será desligada.

Pego no pulo

A frequência das mentiras fez com que os recrutadores também se tornassem mais sagazes. Silvina conta que, há 20 anos, contratou um gerente comercial que dizia ter graduação e pós-graduação em universidade de primeira linha. O convívio, porém, mostrou o contrário.

— Ele foi demitido por desempenho, mas um tempo depois de sua saída, descobrimos que todas as informações falsas. A partir daí passamos a ter mais cuidado e pedir mais comprovações.

Fora as mentiras comuns e que são fáceis de serem checadas, como referências e certificados, os recrutadores têm ao seu dispor uma série de ferramentas para pegar os mentirosos em flagrante. A mesma pergunta feita de maneira diferente para ver se o candidato se contradiz, conversar no idioma que ele diz ser fluente e conhecer o mercado são algumas.

— Podem ser testes escritos sobre conhecimentos específicos, dinâmicas de grupo sobre questões comportamentais ou até perguntas específicas em entrevistas. Conversar com ex-empregadores ou levantar antecedentes por empresas especializadas também são ferramentas uteis — destaca Silvina, que faz uma ponderação:

— Pode ser que os chefes nunca saibam das mentiras que alguém disse no processo seletivo. Se esse for o caso, que sorte. Se vale a pena correr esse risco ou construir uma carreira com esse artifício, aí é uma decisão pessoal.

E, mesmo que o candidato seja um Castelo nato em sua lábia, há outras formas de descobrir, como a linguagem não verbal.

 

Sinais não verbais como voz e postura podem indicar a lorota

A psicóloga Monica Portella é pesquisadora da área cognitiva comportamental e autora do livro “Como Identificar a Mentira – Sinais não verbais da dissimulação”. Segundo ela, o comportamento não verbal é muito mais influente do que a maioria das pessoas admite.

— Mentimos mais facilmente com as palavras do que com os gestos, posturas e expressões faciais. Além disso, as pessoas costumam estar mais preocupadas com o que dizem, do que com aspectos sutis do seu comportamento não verbal.

Entre os sinais não verbais que podem indicar uma mentira, diz, estão as pausas nas respostas, o tom mais agudo da voz, erros na fala como gaguejar e trocar palavras ou letras, assim como demorar a responder uma pergunta, levantar os ombros em sinal de incerteza ou mudanças na postura. Outro exemplo ao omitir a verdade são os movimentos de auto manipulação, como esfregar as mãos, coçar o nariz, encobrir a boca com a mão, passar a mão pelo cabelo e coçar o queixo.

Entretanto, Monica destaca que, embora esses sinais podem ajudar a identificar uma mentira, é preciso avaliar o contexto. Nem todo mundo que coça o nariz ou fala agudo está de lorota. Numa entrevista de emprego, por exemplo, a ansiedade e desconforto naturais também podem levar a pessoa a gaguejar e mudar a postura, por exemplo.

— Nenhum comportamento isoladamente indica com toda a segurança que uma pessoa está mentindo. A análise do comportamento deve ser realizada levando-se em consideração vários comportamentos não verbais.

 

 

ANÁLISE, por Mauro Felix: Coordenador dos cursos de graduação na área de gestão da Celso Lisboa Escola de Negócios

 

“A mentira era um recurso para que nossos ancestrais”

Pesquisadores comprovaram que nossos ancestrais já mentiam quando não conseguiam alcançar seus objetivos por meio da força física, ou seja, sempre que não alcançavam a satisfação de suas necessidades através da brutalidade, recorriam as técnicas de manipulação e trapaça para satisfazerem suas vontades. A mentira então, era um recurso importante para que nossos ancestrais se protegessem de ameaças externas.

Essa característica se perpetuou em nossa espécie. Mas o grande problema está quando a mentira passa a ser um passaporte para o sucesso na sociedade, na vida em família e principalmente nas relações de trabalho e se torna o principal recurso para resolver os problemas.

Como o homem também aprende por observação, ao se deparar com resultados e conquistas de outros advindas pela mentira, ele vai incorporando e perpetuando essa prática, tornando-a como natural nas relações de trabalho.

No entanto, a mentira, destrói aquilo que é mais importante para a vida em sociedade: a confiança. Quando descoberta, e isso é questão de tempo, os danos são irreversíveis e aquilo que antes era sucesso passa a ser uma derrota irreparável.

Portanto, concluo que a mentira é algo que devemos trabalhar ao máximo para minimizá-la nas relações interpessoais, pois apesar de termos conquistas com elas, até mesmo em muitos dos casos, elas não são sustentáveis.



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