Para a Vale, negócios estão em “segundo plano” após Brumadinho

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Conferências com jornalistas e analistas após as divulgações de resultados são oportunidades para companhias listadas em bolsa reforçarem suas fortalezas e minimizarem suas fraquezas. A depender da conferência da mineradora Vale nesta quinta-feira, portanto, os bons resultados financeiros estão “em segundo plano” para a companhia. Essa foi a mensagem repetida reiteradas vezes pelo diretor financeiro da mineradora, Luciano Siani.

O rompimento da barragem em Brumadinho (MG), que deixou até o momento 214 mortos e 91 desaparecidos, não consta no balanço de 2018 divulgado pela empresa na quarta-feira, uma vez que a tragédia aconteceu em 25 de janeiro deste ano. Contudo, foi o principal — e quase o único — assunto na apresentação dos resultados.

“Pedimos a compreensão de vocês, porque os negócios vão ficar em segundo plano por algum tempo”, disse Siani. A Vale tem 16,55 bilhões de reais bloqueados pela Justiça para ajudar nos esforços de reparação. Só com indenizações, a empresa estima que gastará entre 1 e 2 bilhões de reais.

Brumadinho não é o único problema na cabeça da mineradora neste momento: desde o rompimento, outras barragens da empresa vêm sendo questionadas. Até agora, quatro já foram paralisadas, todas em Minas Gerais. Além da mina do Feijão e dos complexos Vargem Grande e Fábrica, em Brumadinho, estão paralisadas as operações da mina de Brucutu (em São Gonçalo do Rio Abaixo), de Timbopeba (em Ouro Preto) e da Alegria (em Mariana).

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As barragens foram paralisadas com base em relatórios prévios de uma comissão de especialistas que a Vale contratou para analisar suas barragens, e também por pedidos da Justiça. A empresa afirma que, em 31 de março, terá em mãos um relatório definitivo para atestar as condições dos empreendimentos.

Com as paralisações, a Vale afirma que deixam de ser produzidas 93 milhões de toneladas de minério. A empresa pode deixar de vender entre 50 e 75 milhões de toneladas em 2019, até 20% de seu total de vendas estimado para o período.

Destas, apenas Brucutu (que responde por 32% do total de produção paralisada) tem previsão de voltar em um prazo mais curto. Na mina do Feijão, em Brumadinho, há poucas chances de que as operações algum dia sejam retomadas.

A própria empresa admite que é impossível estimar as perdas financeiras neste momento. Os valores em indenizações, por exemplo, só tendem a crescer, com as novas barragens interrompidas exigindo deslocamento de moradores e fechamento de escolas. A proteção da fauna e da flora da região também é uma preocupação, uma vez que os rejeitos do rompimento da barragem em Brumadinho podem chegar às usinas de Retiro Baixo e Três Marias, no rio Paraopeba.

Com a diminuição da produção de minério no Sudeste, o plano é transportar minério de outros lugares, como Carajás (PA). Contudo, a Vale não planeja aumentar a produção nestes lugares imediatamente, segundo Siani, que afirmou que toda a companhia está focada nos esforços de reparação das áreas afetadas e prevenção de novas tragédias.

“Evidente que o restante da companhia precisa estar saudável, até para gerar os recursos que esse esforço de reparação requer”, disse. “Mas não estamos ainda no estágio de olhar para o conjunto da companhia e avaliar o que podemos fazer para aumentar a produção de valor. Esse momento chegará.”

Do céu ao inferno

Quando fechou o ano de 2018, a expectativa da Vale era apresentar os resultados desta quinta-feira em festa — e não em uma conferência em que cada analista, antes de fazer sua pergunta, prestava “condolências”.

Em 2018, o lucro da empresa cresceu 24,6%, em 6,8 bilhões de dólares (ou 25,65 bilhões de reais). A companhia vinha em um momento de particular ascensão: conforme mostrou a última edição de EXAME, no início de 2019 os executivos da Vale previam que fechariam o ano como a maior mineradora do planeta, graças, entre outros fatores ao aumento de produção e redução de custos pela entrada em operação de minas mais modernas.

Seu valor de mercado pouco antes do rompimento da barragem batia perto dos 77 bilhões de dólares, cerca de 23 bilhões a menos do que a segunda colocada, a anglo-australiana Rio Tinto, e 41 bilhões de dólares a menos do que a tradicional líder do setor, a BHP (sócia da Vale na Samarco). A diferença vinha encurtando.

Agora, o foco deixou de ser os resultados e passou a ser a prevenção de novas tragédias. Segundo a empresa, Brumadinho mudou não só o jeito como a Vale enxerga a segurança das barragens, mas os próprios processos de toda a indústria para avaliar os empreedimentos. Assim, as barragens paralisadas em Minas decorrem do fato de que a companhia e suas empresas de engenharia contratadas aumentaram os níveis de segurança, empregando uma nova metodologia, de acordo com a Vale.

Para evitar novas tragédias, outro movimento que deve se intensificar na indústria — sobretudo na Vale — é encontrar alternativas para o uso de barragens. Há três formas de fazer isso, sendo a principal delas o uso do chamado “processamento a seco”. A meta anterior da Vale era de que 70% da produção da companhia fosse feita a seco até 2023, mas Siani afirma que “certamente o desejo da companhia é acelerar esse processo”.

No fim do ano passado, a Vale comprou a empresa que desenvolve tecnologias de beneficiamento de minério New Steel, que, segundo a empresa, vai auxiliar na tecnologia de concentração a seco, outro método para usar menos as barragens.

Após o anúncio dos resultados, por volta das 13h, as ações caíam 0,5%. Depois de ter perdido 70 bilhões de reais nos dias posteriores à tragédia, a Vale já recuperou 40 bilhões de reais em valor de mercado, com uma valorização de 20% em dois meses.

Informações mais detalhadas sobre os impactos da tragédia devem vir somente após o fechamento dos resultados do primeiro trimestre. Para o mercado, deve contar mais o desempenho operacional e de mercado da empresa do que os desdobramentos humanos e sociais do rompimento. Ainda assim, Brumadinho deve continuar dando o tom das próximas conferências da Vale.



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