‘Os nacionalistas querem a Catalunha só para eles, como a direita quer a Espanha só para ela’, diz Pedro Sánchez

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MADRI – O primeiro-ministro espanhol,
Pedro Sánchez
, em plena campanha para as eleições gerais no próximo dia 28, dá uma pausa de meia hora entre comícios para receber jornalistas de O GLOBO, Clarín (Argentina) e El Universal (México) na sede do Partido Socialista (PSOE), em Madri. Sánchez evita tecer comentários em relação ao governo de Jair Bolsonaro, mas sobre a Venezuela deixa claro que não apoiará uma hipotética intervenção militar para tirar Nicolás Maduro do Palácio de Miraflores. O premier afirma que, diferentemente dos Estados Unidos, “na Espanha e na Europa todas as opções não estão sobre a mesa”.

O rei foi à posse do presidente mexicano, Andrés Manuel López Obrador. Para a de Jair Bolsonaro, foi a presidente do Congresso. Para a Espanha, o Brasil é menos importante do que outros países latino-americanos?

Não. De maneira alguma. Temos uma extraordinária relação com o Brasil, temos interesses e investimentos no Brasil, e queremos mantê-los. A presidente do Congresso representa a terceira instituição do país. Não pode parecer pouco. É suficientemente representativa da vontade que expressa a democracia espanhola por manter as melhores relações com o Brasil.

Mas com que olhos vê o governo de Bolsonaro?

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Não tenho informações de primeira mão. Espero que Brasil seja um fator de estabilidade do continente, da comunidade latino-americana, que é tão importante, e espero ter a melhor das relações.

Poderia mencionar algo nestes cem dias de governo de Jair Bolsonaro que o senhor avalie positivamente?

Insisto que não tenho informação para poder avaliar as medidas de Bolsonaro.

O Brasil é primeira economia da América Latina. A informação sobre a atualidade no Brasil merece a sua atenção?

Sem dúvida. Infelizmente não pude ir ao Brasil nestes dez meses de governo, porque estava em época eleitoral aí. Mas estive em dez ocasiões na Ibero-América. No próximo mandato, se tenho a honra de ser primeiro-ministro, irei ao Brasil em visita oficial.

Qual é o papel do Brasil na sua política internacional e o que poderia ser feito para aumentar os laços bilaterais políticos e comerciais?

Continuar nesta linha de cooperação e investimento recíproca, e de entendimento além do econômico, no campo cultural e social. É aí onde vamos nos situar.

Apoia a entrada do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)?

Sim. É um clube no qual a comunidade ibero-americana deve estar muito presente.

O presidente do México, López Obrador, em carta, instou o rei da Espanha a reconhecer e pedir desculpas pelos abusos cometidos durante a colonização. O que o senhor, como chefe de governo, acha desta demanda?

Na democracia e nas relações diplomáticas, o fundo e as formas são muito importantes. Fazer pública uma carta ao rei não considero a melhor das formas. Tenho que mostrar uma certa contrariedade por este fato. Olhar com olhos contemporâneos acontecimentos de 500 anos atrás não acho que seja o mais oportuno.

Mas o senhor acha que a Espanha deveria fazer um ato público de contrição pelo que aconteceu durante a colonização?

Houve determinados momentos nos quais a Espanha expressou seu parecer sobre esta questão.

Há uma espécie de data de validade para os erros do passado?

Não. O que quis dizer é que prefiro reivindicar e construir a partir dos valores que definam as sociedades mexicana e espanhola contemporânea.

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Pedro Sánchez: “a democracia não é um cara ou coroa”, diz premier espanhol Foto: Eva Ercolanese

O Papa Francisco criticou o governo espanhol por manter retida a embarcação de resgate de imigrantes da ONG Proactiva Open Arms, que opera no Mediterrâneo. Houve uma mudança na política migratória?

Não houve tal mudança. A questão da Open Arms é conseqüencia de países que fecharam seus portos. E, portanto, os tripulantes e os resgatados não estão seguros para ir da Líbia até a Espanha. Se houvesse portos abertos em lugares mais próximos haveria maior segurança. Nós cumprimos com a lei de tráfego marítimo. O Papa, antes de fazer esse tipo de avaliação, deveria conhecer melhor a realidade dos países. A realidade da Espanha é que nos encarregamos (dos imigrantes) e não deixamos que ninguém morra nem no Estreito de Gibraltar nem no Mar del Alborán (onde costumam chegar botes infláveis repletos de imigrantes vindos da costa norte do Marrocos). Temos empresas públicas que resgatam essas pessoas.

O Papa Francisco também disse que não virá à Espanha enquanto não houver paz. Muitos interpretaram esta afirmação como uma alusão ao conflito Catalão…

Eu não interpretei por esta via.

Como interpretou?

Não sei. A última interpretação que teria seria essa.

Mas como interpretou?

Não pensei nada. Me surpreendeu. Mas este é um país que receberá com a máxima gratidão a presença do Papa.

Entrando então no tema catalão… O senhor defende uma reforma constitucional. Em uma hipotética reforma, o senhor incluiria a possibilidade de realização de um referendo de autodeterminação?

Não. O que eu tenho que fazer como chefe do governo é facilitar o diálogo entre as duas partes da Catalunha, o bloco nacionalista e o não nacionalista. Desde a moção de censura (ao ex-presidente Mariano Rajoy, que levou Sánchez ao Palácio da Moncloa há dez meses) criamos um novo espaço na Espanha e na Catalunha, que não é o do enfrentamento. É o de avançar para garantir a convivência.

O referendo não poderia ser uma solução política?

Você acha que o referendo na Escócia, ou o do Brexit, no Reino Unido, garantiram a unidade?

Poderia, quem sabe, definir regras diferentes?

Felizmente, a democracia não é um “cara ou coroa”. Tem muito mais opções. Por isso eu defendo a reforma constitucional, porque (para esta reforma) se vota por um acordo e não por uma ruptura. De qualquer forma, a solução para a Catalunha virá dos catalães. A parte nacionalista tem que reconhecer a parte não nacionalista. Na realidade, o independentismo catalão faz o mesmo que a direita espanhola: os nacionalistas querem a Catalunha só para eles, da mesma forma que a direita quer a Espanha só para ela.

Mas haverá alguma mudança de estratégia em relação à Catalunha?

Não somos um governo de confrontação. Não consideramos a política como um instrumento para encravar problemas. A política é um remédio para curar. Não é para mexer nas feridas.

Mudando de assunto para a Venezuela, a Espanha teve um papel importante na formação do Grupo de Contato, constituído por países europeus e latino-americanos para reconhecer Juan Guaidó como presidente interino. Nicolás Maduro, no entanto, continua no poder. Considera que o Grupo de Contato fracassou ou ainda pode funcionar? De que maneira?

A solução é que o povo venezuelano eleja democraticamente seu destino e seu futuro. Não queremos nem mudar nem pôr governos. Sem dúvida alguma, vamos rechaçar qualquer intervenção militar.

Os Estados Unidos advertiram que “todas as opções estão sobre a mesa”. O senhor acredita que os Estados Unidos vão dar este passo?

Eu não sei, mas o que eu digo é que todas as opções não estão sobre a mesa para a Espanha e para a Europa.

Saltando para o Reino Unido, o Brexit, quando acontecer, terá um lado positivo?

Para mim é uma má notícia que vá embora da União Europeia. Mas não podemos ficar paralisados por este processo que parece não ter fim. Espero que o Parlamento britânico assuma sua responsabilidade e dê sinal verde ao único acordo viável que é o que fizemos com o governo britânico. Representará oportunidades para o processo de integração europeu.

As pesquisas mostram que dificilmente o senhor terá maioria suficiente para governar. Que tipo de aliança o senhor não cogita?

Aspiramos falar com todos, mas governar com nossas próprias forças como fizemos nestes últimos dez meses. Não coloquei barreiras a ninguém.

O senhor não colocaria uma barreira ao Vox?

Evidentemente, não temos nada a ver com Vox. Vox parece novidade, mas nos 40 anos de história da democracia do nosso país, infelizmente, a extrema-direita sempre existiu.

Mas que tenha um partido é diferente, não?

Exatamente. E não só é diferente como está radicalizando o discurso do PP e do Cidadãos. Em vez de combater com argumentos as alegações da extrema direita, ambos abraçam o que VOX diz sem nenhum tipo de constrangimento. Questionam a lei do aborto, a lei da violência de gênero… Dizem que os ricos estão discriminados e deveriam pagar o mesmo que os pobres. Ou seja, questionam a progressividade do nosso sistema fiscal. A ultradireita diz que o franquismo não foi uma ditadura, que a ditadura é a do feminismo. É um erro, porque este país sempre foi amigo do futuro, aqui as pessoas sempre votaram pelo futuro, nunca pelo retrocesso.

Votar no PP também é votar pelo futuro?

Houve momentos em que foram precisos impulsos novos, regeneradores, e se a sociedade votou (no PP) foi porque representava isso em aquele momento. O que não representa o futuro é questionar a lei de violência de gênero ou querer voltar a lei de aborto de 1984.

A Espanha fez vários avanços no campo da igualdade. O que poderia aplicar-se na América Latina?

A América Latina teve presidentes mulheres. É algo não tivemos na Espanha e tomara que tenhamos no futuro. Não sou ninguém para dar lições à América Latina. Notei compromisso com a igualdade de gênero na sociedade latino-americana. A reflexão que faço é que o feminismo não é patrimônio de nenhuma ideologia. O erro é definir seu projeto político contra 50% da sociedade, que é mulher. Isso é o que está fazendo a direita. Eu sempre digo: quem quer expulsar a mulher da política, acabará sendo expulso da política pela mulher.

*Com Francisco de Zárate, do Clarín, e Luis Méndez, do El Universal



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