Domingos Oliveira: um cronista audiovisual da rotina e dos amores

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Domingos Oliveira tinha a habilidade de dizer verdades profundas com o máximo de informalidade. Essa característica é especialmente marcante nos trabalhos em que os atores/personagens expressam de maneira franca questões próprias de determinadas faixas etárias — liderados por “Confissões de adolescente”, montagem de grande sucesso assinada por Domingos a partir dos diários de sua filha, Maria Mariana — e em outros que provocam identificação imediata no público ao abordarem cirandas afetivas — casos de “Amores” (1998) e “Separações” (2002) — que remetem ao cinema de François Truffaut e ao de Woody Allen.

As amizades tiveram lugar absoluto na obra de Domingos. Ricardo Kosovski, Maria Ribeiro, Maitê Proença, Clarice Niskier, Clarisse Derzié, Dedina Bernardelli e, claro, a esposa, Priscilla Rozenbaum (responsável por excelente desempenho em “Carreiras”, de 2005, premiado no Festival de Gramado), entre tantos outros, foram presenças frequentes em produções de Domingos. Não se pode deixar de destacar sua contracena com os amigos Aderbal Freire-Filho e Paulo José no filme “Juventude” (2008).

Domingos também conduziu atrizes lendárias do teatro em espetáculos importantes — Henriette Morineau em “Ensina-me a viver”, de Colin Higgins; Tônia Carrero em “A volta por cima”, texto de sua autoria em parceria com Lenita Plonczynski; Marília Pêra em “Adorável Júlia”, de Somerset Maugham e Marc-Gilbert Sauvajon; Dina Sfat em “Irresistível aventura”, reunião de peças curtas de Federico García Lorca, Artur Azevedo, Tennessee Williams e Anton Tchekhov; e Ida Gomes em “Proibido amar”, de Neil Simon. Dirigiu Fernanda Montenegro em “Assunto de família”, texto de Domingos conhecido ainda pelo título “Do fundo do lado escuro”. Muito tempo depois da montagem, a atriz participou da versão cinematográfica de Domingos para essa peça, intitulada “Infância” (2014).

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Impressionava a capacidade de Domingos na conciliação entre as atividades como autor, diretor e, ocasionalmente, ator, além do trânsito entre diferentes campos artísticos. No cinema, já começou surpreendendo com “Todas as mulheres do mundo” (1966), com Leila Diniz, com quem foi casado, e Paulo José. O filme é lembrado até hoje como um dos mais emblemáticos do cinema brasileiro. Seguiu adiante com “Edu, coração de ouro” (1968) e “A culpa” (1971).

Em dado momento, se afastou da produção cinematográfica e se dedicou principalmente ao teatro, área em que vinha se desenvolvendo desde a primeira metade da década de 1960, quando se lançou como dramaturgo em “Somos Todos do Jardim da Infância”.

Aproveita a criação teatral na volta ao cinema, com “Amores”, e passa a defender um cinema de baixíssimo custo. Suas produções de guerrilha, que se tornam constantes ao longo dos anos 2000, renderam realizações bastante inspiradas — além das citadas “Amores” e “Separações”, vale mencionar “BR 716” (2016), trabalho de estrutura anárquica que sugere, em alguma medida, influência de John Cassavetes.

Consagrado no Festival de Gramado com o Kikito de melhor filme, “BR 716” traz à tona a efervescência de décadas passadas e confirma o brilho genuíno de Domingos.

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Domingos Oliveira no set de ‘Barata Ribeiro 716’, seu último filme, com o ator Caio Blat Foto: Marcos Ramos / Agência O Globo

Quando completou 80 anos, em 2016, Domingos fez uma festa de três dias. Na época, comentou, em entrevista ao GLOBO:

— A pior parte da vida são o princípio e o fim. A mocidade e a velhice. Na mocidade você despende muita energia para encontrar o seu lugar no mundo e não tem tempo de aproveitar a vida. Na velhice, o corpo vai embora, e tampouco dá para aproveitar direito. O melhor é o meio. Você já entendeu mais ou menos as coisas, não faz xixi na cama, não tem tantas culpas, e a vida fica uma delícia.

Domingos morreu na tarde deste sábado, aos 82 anos. Ele teve uma baixa de pressão em casa, seguida por intensa falta de ar. De acordo com familiares, uma ambulância foi acionada, mas não houve tempo suficiente para que o problema fosse contornado pelos médicos.

Segundo a amiga e atriz Dedina Bernardelli,
Domingos deixou praticamente pronta a série “Mulheres de 50”, que vai ao ar no Canal Brasil
ainda este ano. Ela terá Cacá Mourthé, Priscilla Rozenbaum, Clarice Niskier e a própria Dedina, que fizeram a peça “Confissões de mulheres de 30”, nos papéis principais.

— Domingos sempre foi movido por histórias femininas. Ele preferia olhar para o que ainda não tinha sido feito. Era um visionário — diz ela.



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