Ao suspender a nomeação de Alexandre Ramagem como diretor-geral da Polícia Federal, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes evocou o episódio da nomeação bloqueada do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como ministro da Casa Civil do governo de Dilma Rousseff.
Em março de 2016, já em meio ao debate sobre impeachment, Gilmar Mendes suspendeu a nomeação de Lula alegando desvio de finalidade.
A tese era que o objetivo da nomeação seria garantir foro privilegiado a Lula e obstruir investigações da Lava Jato. Isso seria reforçado pelo vazamento ilegal de um áudio, pelo então juiz Sergio Moro, no qual Dilma falava para Lula estar em posse do papel da nomeação imediatamente.
O conceito foi retomado hoje por Moraes com a ideia de que a nomeação de Ramagem na PF configuraria desvio de finalidade, violando princípios constitucionais:
“Nesse contexto, ainda que em sede de cognição inicial, analisando os fatos narrados, verifico a probabilidade do direito alegado, pois, em tese, apresenta-se viável a ocorrência de desvio de finalidade do ato presidencial de nomeação do Diretor da Polícia Federal, em inobservância aos princípios constitucionais da impessoalidade, da moralidade e do interesse público”, escreveu na decisão.
O magistrado, inclusive, cita a medida cautelar em mandado de segurança 34.070, que é a decisão de Gilmar Mendes, como precedente para suspender a nomeação de Ramagem.
A advogada constitucionalista Vera Chemim explica que em ambos os casos, o STF está usando como base um dispositivo legal que define quando um agente público está lesando o patrimônio público por meio de desvio de finalidade.
“As nomeações não são por conta da sua eficiência, mas porque querem atender a outros interesses de natureza pessoal. Isso afronta o interesse público e os princípios constitucionais”, diz ela.
Outro caso aconteceu durante o governo de Michel Temer em janeiro de 2018, quando a deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ) teve a posse para o Ministério do Trabalho barrada com base no princípio da moralidade, por ela ter sido condenada por irregularidades trabalhistas.
O bloqueio, feito pela Justiça Federal, foi mantido pela ministra Cármen Lúcia em liminar e nunca chegou ao plenário do STF, assim como o caso Lula.
Histórico
Moraes atendeu um pedido do PDT, que impetrou um mandado de segurança na corte contra a nomeação, alegando “desvio de finalidade”. Segundo a sigla, as declarações do ex-ministro da Justiça Sergio Moro sobre o presidente da República tentar interferir politicamente na PF demonstram isso.
O mesmo “desvio de finalidade” foi argumentado por Mendes no caso Lula ao também atender a um pedido de mandado de segurança, na ocasião impetrado pelo PPS há quatro anos:
“O STF consolidou jurisprudência no sentido de que a renúncia a cargos públicos que conferem prerrogativa de foro, com o velado objetivo de escapar ao julgamento em iminência, configura desvio de finalidade”, escreveu na ocasião.
Em 2019, após a Folha de S.Paulo revelar conversas de Lula que colocariam em xeque a tese de que sua nomeação tinha como objetivo principal obstruir as investigações da Lava Jato, Mendes defendeu sua decisão de proibir o ex-presidente de assumir o cargo.
“Hoje temos uma visão mais completa do que estava se passando, mas as informações disponíveis na época permitiam concluir que havia um viés de fraude na nomeação, um desvio de finalidade, e foi esse o sentido da decisão”.
O cenário político das duas decisões, no entanto, é bem distinto e, dessa vez, menos homogêneo como foi com Lula e Dilma, como cita Thiago Vidal, gerente de análise política da Prospectiva.
“Quando Mendes suspendeu a nomeação de Lula na Casa Civil, havia um amplo apoio do Legislativo e do Judiciário à decisão e contrário ao Executivo”, relembra. “Mas, a demissão de Moro criou um cenário bastante peculiar que dividiu o poder Executivo e Judiciário. Agora, o Judiciário está com Moro e o Legislativo está com o governo, principalmente com essa aproximação de Bolsonaro com o Centrão”.
O especialista avalia que a decisão do STF, apesar de juridicamente embasada, vai abrir um precedente político que pode ser preocupante: “Fica claro que os órgãos de controle vão reagir a qualquer tentativa de nomeação semelhante, porque o judiciário está com eles, mesmo que indiretamente”.
Thiago Turbay, advogado criminalista, vê que “a atuação preventiva do STF poderá provocar uma fratura institucional, que deve ser levada em conta”. No entanto, diz que “parece haver boas razões para arguir a justificação dessa nomeação, se está coligada a interesses pessoais”.
Para ele, um bom termômetro sobre as consequências da decisão de Moraes será “acompanhar as investigações contra o presidente e seus filhos em curso na Polícia Federal para saber se sofrerão influência”.
Leia na íntegra a decisão de Alexandre de Moraes e a decisão de Gilmar Mendes
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