A divulgação do PIB do segundo trimestre mostrou, como esperado, uma contração sem precedentes de 9,7% frente ao trimestre inicial do ano. Se o número choca, ao menos se mostrou menos intenso do que em muitos países latino americanos (-14,1% para o Chile, -17,2% para México, -27,2% para o Peru) e mesmo se comparando aos desenvolvidos (-12,1% para a Zona do Euro). A queda ficou próxima dos EUA, que recuou 9,5% no período. Sem dúvida, contaram para esse desempenho vultosos estímulos monetários, creditícios e fiscais introduzidos pelo Banco Central e governo.
A retração do investimento foi menor do que a imaginada, refletindo um desempenho relativo melhor do setor de construção civil, menos afetado pelo distanciamento e beneficiado pelo ambiente de taxas de juros extraordinariamente baixas e aumento do crédito habitacional. Também continuaram ajudando o agronegócio e a indústria extrativa (minério e petróleo), impulsionando as exportações. Contudo, o consumo das famílias mostrou queda mais intensa do que o esperado, refletindo tanto as limitações de mobilidade como a forte alta do desemprego, elevando a poupança precaucional. Com isso, encerramos o primeiro semestre do ano com um nível de PIB que recuou para o mesmo patamar de 2009.
A recuperação da economia já começou, com melhora da produção industrial e do comércio de bens, notadamente nos segmentos de supermercados, móveis e eletrodomésticos e material de construção. Mas há um descompasso preocupante, o nível ainda muito deprimido do consumo de serviços, que tem por natureza característica presencial. Isso envolve desde o empregado doméstico aos funcionários de shopping centers, empregados dos setores de bares e restaurantes, turismo, educação e até mesmo saúde. Principal setor da economia brasileira, as atividades de serviços têm liderado as tristes estatísticas de elevação do desemprego, tanto de vagas formais como, sobretudo, informais.
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Não teremos condição de manter os estímulos fiscais – notadamente o auxílio emergencial para a baixa renda – a partir de 2021, frente à forte elevação da dívida bruta e à necessidade de retomarmos a responsabilidade fiscal e uma trajetória de endividamento público sustentável, garantindo um horizonte de juros baixos e taxa de câmbio competitiva.
Para tanto, teremos de retomar a agenda legislativa que garanta a solvência fiscal e que aumente a competitividade da economia, notadamente as reformas tributária e administrativa, modernização de marcos regulatórios e privatizações e concessões em infraestrutura. Com isso, após a queda do PIB de 5,3% em 2020, poderemos crescer no próximo ano (+2,1%). Mas o caminho será longo: só recuperaremos os níveis de PIB experimentados ao final de 2019 em 2023; no caso do desemprego, estimamos que só voltaremos ao nível pré Covid-19 em meados de 2024. E, para tanto, não há atalhos: não podemos nos desviar do rumo das reformas estruturais e do compromisso com o teto de gastos para o setor público, sem os quais não manteremos taxas de juros baixas e a confiança para elevarmos investimentos, emprego e consumo.
*Carlos Kawall é diretor do Asa Investiments e ex-secretário do Tesouro Nacional
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