No dia 19 de abril, ocorreu o que foi
alardeado como o debate do século
, mas que, na verdade, retomava um debate do século passado. O psicólogo Jordan Peterson defendia o capitalismo. O filósofo Slavoj Zizek, a partir de Marx, pedia restrições ao mercado. Ora, discutir se o capitalismo nos faz felizes, ou se as alternativas de Marx têm melhores chances, é quase tão velho quanto a própria burguesia.
Sob as divergências em convicções antigas, havia porém concordância acerca do século XXI: ambos atacam o que Peterson chama de neo-marxismo pós-moderno e o que Zizek chama de esquerda liberal, mas que são coisas parecidas. Criticam pensadores como Michel Foucault e os movimentos identitários ou culturais das minorias. Peterson porque seriam marxistas. Zizek porque não seriam.
O que houve de novo entre o fim do século XX e o XXI é mal visto pelos dois. Para Peterson, porque isso reproduz a divisão marxista entre opressores e oprimidos, embora não pela luta de classes, mas entre brancos e negros ou heterossexuais e homossexuais. Para Zizek, pois diz respeito a resistências periféricas ao poder, a uma micropolítica moralizante que não muda a sociedade, e ele prefere a macro-política que disputa o poder central. Os dois condenam o politicamente correto.
Independente disso, a diferença entre eles é bem nítida. Peterson considera que o capitalismo é o mais eficaz sistema de enriquecimento populacional da história. Zizek aponta a falácia de sua liberdade e como a ideologia nos faz menos capazes de perseguir desejos singulares, pela necessidade financeira de sustento básico. Não são talvez brilhantes, mas expõem tais ideias com interesse e agilidade.
Sua diferença aparece nos personagens que inventaram para si. Peterson seria o sistema: terno, gravata e sapatos; cabelo aprumado, gestos contidos; fala calma. Zizek seria contestação: camisa despojada, tênis, calça que não alcança a meia ao sentar; nariz fungando; mão mexendo no rosto; fala frenética. Os dois dominam a cena, são acostumados com a internet. Ironizam-se. Têm humor. Posições.
Nenhum, contudo, defendeu dogmaticamente suas posições no debate. Peterson apoia o capitalismo como Churchill com a democracia: o pior regime à exceção de todos os outros. Zizek filia-se menos a Marx do que a Hegel e critica o governo de Stálin. Os dois acham que felicidade não é um objetivo que se alcança, é um efeito colateral que, como a graça, abate-se sobre nós enquanto vivemos.
O melhor modo de marcar a diferença entre Peterson e Zizek seria pelos termos do filósofo político Leo Strauss: um deseja conservar o capitalismo, pois acha que a mudança seria para o pior; o outro deseja alterar, pois acha que podemos criar algo melhor – o que é curioso em alguém que se diz pessimista. Um se identifica com a direita; o outro, com a esquerda. Os dois conversaram. É possível.
Perguntado, ao fim, o que as pessoas teriam ganho com aquele debate, o marxista afirmou: não classificar tudo de que discordamos como fascismo. O liberal disse: que é possível a comunicação entre pontos de vista diferentes. Talvez marxismo e liberalismo não tenham a autoridade de antigamente. Mas, se essas falas finais tiverem sentido, o debate pode ter sido mesmo bom para o nosso século.
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Pedro Duarte é professor de Filosofia da PUC-Rio