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Quando é que essa Previdência daí vai quebrar? Os especialistas há anos preveem que não dá pra continuar como está. Isto torna a pergunta natural: quando é que vem a tal quebra que tantos dizem inevitável? É extremamente comum. Escutei essa pergunta no início da semana, em entrevista a Heródoto Barbeiro no Jornal da Record News.
Apesar de entendê-la, e não menosprezar os interessados na resposta, acho que o tempo verbal utilizado na pergunta não faz sentido.
A conversa fica muito mais interessante se, ao invés de começarmos a resposta com números, abrirmos o raciocínio com uma pergunta sobre a pergunta. Qual o critério para definir se a Previdência está quebrada? O absurdo, creio.
Como não há um significado para o ato que “quebrar”, me parece razoável supor que cada um o define a partir de um critério diferente para o absurdo – o “insensato, contrário ou repugnante à razão”, conforme o Dicionário Aurélio. Quebrar seria deixar um desequilíbrio financeiro chegar a um estágio absurdo.
Acredito que a maioria das pessoas adota o que permito chamar aqui de critério Márcio Braga. Imaginam que a Previdência estará quebrada quando o Ministério da Economia (ou já será Fazenda de novo, até lá?) convocar uma coletiva semelhante à do homônimo ex-presidente do Flamengo, declarando aos jornalistas: “Acabou o dinheiro!”, diria o ministro com dramaticidade digna da Argentina de 2001 ou da Grécia de 2010.
Com relação especificamente à Previdência, um marco do absurdo frequentemente citado é a revisão de direitos adquiridos. Os governos Dilma, Temer e Bolsonaro alertaram para a possibilidade de cortes futuros no benefício de quem já se aposentou, caso a reforma não seja aprovada. Aconteceu em países europeus na última virada de décadas.
Como o dia do calote ainda não chegou, as pessoas se perguntam: quando é que a Previdência vai quebrar?
O problema que vejo no critério Márcio Braga, com seus tons gregos, é a leniência. Achar que a previdência precisa ser judicializada e dar calote para quebrar exige uma expectativa muito baixa para o Brasil.
A revisão de direitos adquiridos seria uma declaração de falência da democracia brasileira, não só da economia. O Judiciário precisaria ditar, porque o Executivo não conseguiu governar e o Legislativo foi incapaz de legislar.
Políticos são eleitos para resolver problemas coletivos. Quando incapazes até de formular um orçamento sustentável, não entregam o mínimo do que a sociedade espera.
Eu espero, do Brasil, mais do que uma democracia falida. Acho que o critério para o absurdo, para falarmos em “quebra”, não pode ser tão baixo. Voltando à pergunta de Heródoto – e tantos outros – sobre quando a Previdência brasileira vai quebrar: já quebrou.
Meu critério para o absurdo é diferente. Espero convencer o leitor de que também é melhor. Nesta seara, faço duas exigências para um estado de coisas absurdos
A primeira, mais básica, é a insustentabilidade financeira. Um descompasso persistente e crescente entre receitas e despesas. É uma condição necessária, mas não suficiente. Fosse este o caso, a maioria dos sistemas de Previdência do mundo estaria quebrado – cá entre nós, isso é mais ou menos verdade; só que, se todos estão quebrados, ninguém está quebrado.
A segunda condição seria um alto custo de curto prazo decorrente da insustentabilidade financeira. Isto é, o presente do país precisa ser fortemente prejudicado pelo desequilíbrio previdenciário.
Juntas, estas são as duas condições informais que já usamos para falar de empresas, famílias e governos quebrados. Deixar de honrar pagamentos não é necessário para quebrar, até porque o governo sempre pode fugir de calotes emitindo moeda.
Nesse caso, me parece muito claro que a Previdência brasileira já quebrou. E quebrou muito.
Os prejuízos de curto prazo causados pela insustentabilidade financeiras são inúmeros. Apenas entre os prejuízos diretos, estão:
Entre outras consequências que o leitor vê diariamente pelas ruas. E não tem cara de Previdência quebrada? O que é necessário, além disso?
Parlamentares e cidadãos precisam entender que parte fundamental do problema da Previdência é explicada pelo nosso atraso em encontrar uma solução política. Ainda nos anos 80 e 90, economistas como Francisco de Oliveira apontavam que o desequilíbrio era inevitável. O problema é que empurramos o problema com a barriga até hoje, deixando chegar na situação atual. O atraso da reforma é essencial para entender sua importância.
Caso alguém queira fazer uma pergunta no mesmo sentido, acho que há uma alternativa melhor. Ao invés de perguntar quando a Previdência vai quebrar, seria mais correto buscar previsões para a quebra da democracia, por causa da Previdência.
Afinal, quanto tempo a gente ainda aguenta até que se torne inviável uma reforma por via legislativa, cumprindo a proteção constitucional a quem já está aposentado?
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