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Enquanto parte do Bolsonorarismo comemorava a “revolução conservadora dos caminhoneiros”, este blog dizia que a greve dos caminhoneiros não tinha nada de revolucionária, mas era apenas utilitarista e corporativista. E não tinha mesmo. Prova disso é que, quando o governo Temer reduziu o preço do diesel, a greve cessou e as “demandas conservadoras revolucionárias” nunca vingaram.
Entre essas demandas constavam: “i) Cumprimento integral da lei do voto impresso em urnas eletrônicas, com apuração a cargo das Forças Armadas. Em caso de descumprimento, nos somaremos ao clamor popular por intervenção militar”, ii) Maior segurança na atividade e direito a porte de arma para legítima defesa; iii) Redução do preço final dos combustíveis nos mesmos níveis dos praticados pela Petrobrás na Bolívia. Conforme observou o economista e comentarista da Jovem Pan, Rodrigo Constantino, em entrevista para este blog no TucanoWeb (aqui): “ficou muito claro ali (referindo-se ao apoio à greve) que há uma direita jacobina, uma direita revolucionária com pautas legítimas, diga-se de passagem, a revolução Francesa também tinha [pautas legítimas]”.
Possivelmente, essa ala mais revolucionária enxergava ali uma forma de desestabilizar o governo Temer e reforçar um discurso anti-establishment durante as eleições de 2018 contra PMDB e PSDB, fortes adversários a serem batidos, além do PT, é claro. Ou talvez não tinham muita clareza dos objetivos e queriam apenas derrubar o ex-presidente Temer na esperança de se formar um arranjo institucional com representantes de base conservadora e popular. Do ponto de vista estratégico, sem entrar na questão ética, o apoio àquela barbárie funcionou e enfraqueceu o governo Temer, na medida em que retardou uma recuperação econômica (estima-se que a greve representou uma queda em torno de 1% no PIB).
Se de um lado a estratégia de enfraquecer o governo Temer pela instrumentalização da greve traria benefícios eleitorais para Bolsonaro, por outro, abria um caminho perigoso para Bolsonaro, caso eleito. E Bolsonaro foi eleito com um discurso conservador nos costumes e liberal na economia. Passou de oposição para governo, vendo-se, agora, obrigado a gerenciar interesses contraditórios – de um lado, a manutenção do liberalismo econômico pela não intervenção estatal, por outro, a chantagem classista dos caminhoneiros. E nessa queda de braço, Bolsonaro optou por ceder à pressão daqueles que seus apoiadores mais revolucionários outrora alimentaram.
Na sexta-feira, Bolsonaro, aconselhado pelo Gabinete de Segurança Institucional (GSI), barra um reajuste no preço do diesel a fim de evitar uma nova greve dos caminhoneiros que teria custos políticos e econômicos enormes para o país. Uma nova greve poderia trazer menos crescimento econômico e menor arrecadação, numa situação fiscal extremamente delicada. Além disso, poderia desgastar o governo para a aprovação da reforma da previdência.
Por outro lado, o freio no reajuste também trouxe consequências. O valor de mercado da Petrobras despencou – a empresa perdeu R$32 bilhões em um dia – e a bolsa como um todo caiu quase 2% na sexta feira (12). Esses movimentos no mercado financeiro não representam apenas punição aos especuladores, mas um sinal claro de que investidores estão confiando menos no desempenho da economia brasileira. Para se ter uma ideia, o Ibovespa (melhor antecipador de expectativas) está hoje praticamente no mesmo patamar do dia que Bolsonaro assumiu (92.875 em 12 de abril contra 91.012 em 02 de janeiro). De outro modo, toda a euforia trazida por Paulo Guedes foi devolvida, em parte, pela desconfiança do mercado em relação ao liberalismo econômico de Bolsonaro.
Essa desconfiança não decorreu apenas da interferência no aumento do preço do diesel, mas também do discurso de Bolsonaro. O presidente falou: “Não vou praticar a política que fizeram no passado, mas quero os números da Petrobrás”. Diante dessa fala, a comparação com a política intervencionista de preço de Dilma Roussef foi imediata. Como bem resumiu Carlos Andreazza, em seu blog na Jovem Pan, “para não ser Temer, Bolsonaro foi Dilma – e acabou sendo Temer” (aqui).
Em defesa do presidente, seus apoiadores disseram que Bolsonaro foi pragmático a fim de evitar um mal maior. A questão é que de pragmatismo em pragmatismo, de concessão em concessão, o liberalismo econômico vai ficando de lado. Foi assim com o leite, com a banana e tomara que não seja com a Previdência.
O ponto central é que o mercado sempre desconfiou do liberalismo econômico de Bolsonaro, pelo seu histórico de votação na Câmara e pelo seu discurso nacionalista, tangibilizado pelo seu fetiche no nióbio. É claro que a colocação de Paulo Guedes e sua equipe no Ministério da Economia arrefeceu essa desconfiança. No entanto, episódios como a intervenção de preço na Petrobras trazem à tona novamente a desconfiança em relação ao liberalismo de Bolsonaro.
Bolsonaro precisa entender que o liberalismo econômico não ocorre somente por discursos, mas por ações concretas contra grupos chantagistas que utilizam o Estado como um grande balcão de negócios para se apoderar direta ou indiretamente do seu quinhão. Caso Bolsonaro queira comprar essa dura briga contra o patrimonialismo tupiniquim – um dos principais entraves para o nosso desenvolvimento econômico e social – terá de entender que o liberalismo é o maior antídoto para isso.
É claro que avançar com uma agenda liberal, frente aos interesses corporativistas e fisiológicos brasileiros, é tarefa que exige muita inteligência e habilidade de um governante. Mas antes disso, Bolsonaro terá que se convencer de que o liberalismo não é apenas um fetiche do mercado financeiro, mas o melhor remédio para a redução da pobreza e da corrupção estatal. Caso contrário, Paulo Guedes e sua equipe serão apenas objetos de decoração em seu governo, e nós pagaremos um preço alto por isso.
Alan Ghani é economista, PhD em Finanças e professor de pós graduação.
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