A convivência durante 100% do tempo e a total mudança de rotina têm feito com que pais e mães colecionem perrengues e lembranças emocionantes com os filhos. Pais de primeira viagem, o casal Fernanda Marçal Ferreira e Bruno Ferreira sentiu isso de imediato. O filho, Bernardo, nasceu em casa, na quarentena. “O anúncio da disseminação da doença só reforçou nosso desejo do parto domiciliar”, diz Fernanda, enfermeira obstétrica. Bernardo nasceu no chuveiro com o auxílio do pai. “Tínhamos montado a piscina, com o tripé e a câmera para registrar, mas ele chegou quando e onde quis”, relata a mãe, que só ficou sabendo se era Bernardo ou Helena dez minutos depois. “Estávamos exaustos, deitados com o bebê no colo, nem pensamos em conferir.” Agora, o casal, Bernardo e o cãozinho Spooky se viram sozinhos em casa. Bruno fica encarregado dos afazeres domésticos e das compras. “Como amamento, ele tem dado banho para ficar mais perto do bebê.” Segundo a mãe, a parte emocional é a que mais pesa. “Faz muita falta ter nossos pais e irmãs ajudando”, confessa Fernanda, que realiza videochamadas diárias.
Já na casa de Giovana, de 2 anos, a família toda entra na bagunça. “Ela acorda às 7 e não para um segundo”, conta a mãe, Simone Sobhie, de 51 anos. Andar de bicicleta, correr no quintal, ajudar a cozinhar estão entre as brincadeiras da menina. No início do ano, Giovana começou as aulas de balé, que foram suspensas. “Agora ela faz apresentações na sala para a gente aplaudir”, orgulha-se a mãe.
Espoletas também são os filhos de Laryssa Conceição, de 24 anos. Anthonny Guilherme, de 5 anos, e Lorena, de 2, não param um segundo no pequeno cômodo que dividem em Paraisópolis. “Eles ficam o tempo inteiro pulando na cama e, por isso, todos os dias eu os levo por alguns minutos para correr numa área aberta”, explica a mãe, que perdeu o emprego em um restaurante que fechou por causa da pandemia. Solteira, ela se juntou a um projeto social de voluntariado. “Distribuo marmitas e revezo para tomar conta das outras crianças da rua.” Laryssa sente falta da escola dos filhos. Diz que tenta ajudar com algumas tarefas que enviaram para casa, mas nem sempre consegue. “Além de ter a mais nova querendo brincar, não é toda lição que eu consigo acompanhar.” Com o fechamento da escola, também ficou suspenso o início do tratamento com a fonoaudióloga, indicado pela professora ao garoto. “Outro dia, veio uma TV fazer matéria e ele não quis aparecer, com vergonha de as pessoas não conseguirem entender o que ele fala. Cortou meu coração.”
A mãe de Matteo, Esther Halfon, de 38 anos, também tem passado perrengues com a escola a distância. O menino de 5 anos não para quieto durante a aula. “Eu o acompanho e ele começa a fazer gracinhas com a professora e comigo.” Em um desses momentos, começou a filmá-la sem paciência e mostrou para os colegas. “Ele também faz piadinhas com os exercícios da aula na frente de todo mundo”, conta a mãe, que tem narrado algumas das estripulias em sua rede social. Numa delas, ao ser questionado sobre qual seria o dinossauro mais pesado, Matteo anuncia que está saindo para fazer cocô. “Eu admiro muito o trabalho dos professores, porque quase caio no choro”, revela Esther, que é veterinária e sai duas vezes na semana para trabalhar. Ainda que tenha desafios, ela afirma que vai manter o filho no ensino em casa o máximo que puder. “O Vittório, o caçula de 3 anos, tem cardiopatia e, enquanto não houver uma vacina ou tratamento claro, todos os cuidados de distanciamento e higienização serão mantidos.”
Na casa de Flávia Fornaciari Dórea e Rodrigo Dórea, a primeira preocupação foi com a suspensão dos passeios que costumavam fazer. Eles são pais de Pedro, de 6 anos, e das trigêmeas de 4 anos Laura, Helena e Luisa. “A gente achava, no início da quarentena, que iria estudar, ler um monte de livros, as crianças pintariam com guache e, na verdade, ninguém faz isso no dia a dia”, diz Flávia, que é advogada e passou a fazer home office. “Não tem como evitar as canetinhas, papéis, Legos e brinquedos espalhados. Nós tentamos fazer o máximo, mas nem sempre funciona”, diz a mãe, sobre ficar com quatro crianças em casa. De acordo com ela, Pedro foi o primeiro a sentir o baque do isolamento. “Ele perguntava bastante sobre o fim da pandemia e quando voltaria ao colégio. A gente não mente nem coloca data, porque ele vai lembrar e cobrar.” Mesmo dentro de casa, as atividades têm ajudado a família a formar memórias. Os próprios filhos tiveram interesse em participar da cozinha, pôr a mesa para as refeições e colocar a roupa na máquina de lavar, por exemplo. “Já teve briga para me ajudar a fazer o almoço. É um jeito de ficar junto”, conta Flávia.
A psicóloga Denise Pará, coordenadora do setor de gerenciamento de stress da Unifesp, faz uma ponderação aos pais que andam de cabelo em pé. “Neste momento, é importante fazer o possível, não querer ser o superpai ou a supermãe”, explica. “De repente, todo mundo teve de voltar para casa, e o convívio familiar também requer habilidades e paciência”, lembra ela. Programações que incluam todos ajudam nessas horas. No lar de Claudia Crespin e Albertina Cabral, ambas de 46 anos e casadas há vinte, uma atividade pensada para reunir a família virou negócio. As duas têm as gêmeas Milena e Bianca, de 9 anos. A ideia era fazer um petit-four para a Albertina. “Quando experimentamos o biscoito, comecei a chorar”, afirma Claudia. “Era o mesmo sabor do doce que a minha mãe fazia”, conta. O quarteto decidiu presentear os amigos, que encomendaram mais e espalharam a novidade. “Abrimos uma conta no Instagram (@assaborosaschefinhas) e vendemos por lá há um mês”, diz Claudia. Na parte da manhã, enquanto as meninas participam das aulas on-line, o casal prepara a cozinha e a logística de entrega para os pedidos. Depois, a duplinha entra em cena. Bianca fica responsável por montar as cestas e ajudar na produção. Milena é a cozinheira. São quatro tipos de produto, entre cookies (o sucesso) e os petits-fours, doces e salgados. “Elas vão dormir por volta das 8 da noite, o que se manteve na rotina”, diz Albertina. Além das entregas, elas organizam brincadeiras como acampar na sala e maratonar filmes, que antes era restrito aos fins de semana. “Abrimos também um tempinho a mais nos aparelhos eletrônicos”, explica Claudia. A diversão, no entanto, tem sido a nova empreitada.
Os desafios continuam com a turma mais velha: os adolescentes. “É uma fase de transformação, mudam o corpo, os interesses, a forma de pensar, o que já causa uma angústia natural”, justifica o médico hebiatra Maurício de Souza Lima. Na casa de Marcelo e Carla Colapietro e das filhas Mariana, 15, e Beatriz e Fernanda, 12, os primeiros dias de quarentena foram tumultuados. O local virou escola e escritório, e o barulho precisou ser contido. “Foi uma adaptação para todos, eu precisava de mais silêncio para as reuniões e, com conversa, a gente conseguiu se organizar”, conta o pai. Para os mais velhos, é possível abrir o diálogo e planejar a rotina, que inclui afazeres domésticos. “Negocie o que menos lhes desagrada ou estabeleça rodízio. Não parece, mas essas atividades ajudam a combater o tédio”, explica Lima. Carla também criou projetos manuais para as meninas, com artesanato. “Queremos montar uma casinha com sucata.”
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A interação tem sido mais constante e saudável na família da advogada Patrícia Frizzo. Ela e o marido, Diogenes Gonçalves Neto, fizeram uma série de combinados com Pedro, de 14 anos, Gabriela, de 12, e Luca, de 11. Um deles é o café da manhã com todos à mesa, vestidos e prontos para entrar nas aulas on-line. O almoço é por conta de Patrícia, mas a mesa fica com a garotada. No fim do dia, tem o momento para conversar com os amigos. Para ficarem juntos, os pais vêm apostando no churrasco nos fins de semana. “Antes, cada um tinha os próprios compromissos fora de casa”, diz a advogada. Os filhos participam do revezamento de limpeza dos banheiros.
Na família Sartori, quem puxa a lista dos afazeres domésticos é a irmã mais velha, Luísa, de 23 anos, estudante de medicina. A casa ainda tem Pedro, de 21, também na escola de medicina, e as gêmeas Bruna e Julia, de 16, e os pais, João Paulo e Marair, médicos. “Tem sempre um sistemão de rodízio. O Pedro vê uma receita na internet, a Bruna faz o melhor brigadeiro e eu dou apoio moral porque não sei cozinhar”, diz Julia. Além da cozinha, a sala virou ponto de encontro para filmes em família. O maior desafio, segundo Marair, foi arrumar espaço para todo mundo estudar de forma adequada. A ansiedade mesmo se dá com a incerteza do vestibular, já que as caçulas passam boa parte do dia se dedicando a ele. “Até agora a gente não sabe se vai ser ou não adiado, é uma preocupação presente”, afirma Marair. Com mais tempo juntos, a família se mantém unida, seja na cozinha, seja na sala discutindo o próximo filme a ser exibido.
Publicado em VEJA SÃO PAULO de 24 de junho de 2020, edição nº 2692.
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