Tenor Fernando Portari comemora 30 anos no precipício da ópera

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RIO — O fotógrafo sugere, e Fernando Portari topa na hora. Uma sessão de fotos no alto do Teatro Municipal, entre os tons de dourado e verde-água que dominam o prédio sob o sol invicto que brilhou antes das chuvas. Para isso, porém, é preciso o acompanhamento de um bombeiro, um homem grisalho que conhece Portari desde os anos 1990.

— Ele sempre foi assim. Gente boa, tranquilo e meio maluco — disse, minutos depois de Portari ter aproveitado as alturas para cantar na íntegra uma ária de Verdi que chamou atenção dos vizinhos do prédio.

Portari está satisfeito. Hoje, ele sobe ao palco do Municipal sem figurino, exatamente como começou, no papel de acendedor de lampiões numa “Manon Lescaut”, de Puccini, em 1989. Será em roupas civis que ele cantará árias e canções para comemorar os 30 anos de sua carreira — uma rara celebração, diga-se, na combalida ópera carioca. Será acompanhado ao piano pela regente Priscila Bonfim.

— A ideia partiu do (
assistente artístico da presidência do Municipal
) Marcos Menescal, que me disse, “vamos fazer, tem que comemorar”. E aí eu aceitei — diz ele, com um sorriso grato no rosto.

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Neto de italianos e portugueses, Portari traça sua história no teatro bem antes da “Manon”. Era para lá que seguia com o irmão e o pai, Pedro, que tinha a função de claque.

— Meu pai sempre foi cantor, e ele passou para nós essa paixão pela ópera — relembra ele. — Nós três cantávamos juntos, todo mundo tocava piano no mínimo por uma hora antes do jantar. Como
claqueur
, ele tinha que passar aquela energia quando a música parava, jogava aquela bomba: “Pou!”. Aprendi muito da ópera assim, na claque, perto da varanda que dava para a antiga sede do Cordão da Bola Preta. A ópera rolando, e o samba comendo do lado de fora, era um barato.

A primeira que viu foi um “Galo de ouro”, ópera russa de Rimsky-Korsákov, da qual se lembra pouco. Na memória, o que ficou era a sensação de queda iminente.

— Eu estava no balcão simples, na primeira fileira, e aí escureceu. Era aquele precipício, era fascinante aquele lugar suspenso no ar, flutuando. Essa foi a primeira impressão que eu tive de ópera: que era algo perigoso. Aquilo se seguiu por anos, mas não era mais importante que jogar bola na rua.

SUBSTITUTO DE PLÁCIDO

Portari diz que nunca planejou para si uma carreira; o chamado da música veio tarde. Largou a faculdade de Direito da Uerj e um estágio nas imediações do Municipal e foi se reencontrar com a música naquilo que chama de “um submundo de ópera
pocket
”, de quatro companhias que aconteciam no Rio. Acabou entrando no coro montado por Fernando Bicudo para sua companhia, a Ópera Brasil. E aí, vieram pequenos papéis em concertos de “O baile de máscaras”, “Sansão e Dalila” e “Manon Lescaut”, até que finalmente viria uma montagem de “Carmen”, em 1990. Coube a Portari ser o reserva de Plácido Domingo no papel de Don José.

— Eu ensaiei no lugar dele, porque ele chegaria depois. Plácido foi muito gentil. A montagem estreou no Rio, e depois em Manaus eu ia ter uma noite como protagonista. E eu colado no Plácido, achando que lá ele ia conseguir me ouvir. Teve a estreia no Rio, mas aí veio o Plano Collor, o confisco, e tudo em Manaus foi cancelado.

Do acendedor de lampiões da “Manon” até o “Condor” de Carlos Gomes, executado como concerto no mês passado, Portari experimentou alguns dos melhores papéis do repertório em italiano e francês. Cantou o Don Ottavio de “Don Giovanni”, de Mozart, os papéis principais de “ La traviata”, “Romeu e Julieta”, “La bohème” e “Rigoletto”, em que seu timbre lírico e fraseado elegante se permitem ressaltar. Requisitado na Europa em meio a isso, teve a glória de cantar um “Fausto”, de Gounod, em montagem de 2011 no Scala de Milão, ao lado da supersoprano russa Anna Netrebko. Voltar ao Municipal é se sentir em casa, mesmo com a dificuldade de continuidade por causa dos ventos políticos?

— Se eu chego aqui, vejo a Leila, que é a camareira-chefe, eu sei quando há algo diferente no olhar dela. Aí vejo que não tem o café da orquestra. Foi assim que no “Côndo”, no dia seguinte, eu trouxe o pó para o café para o pessoal. Mas é por isso, porque o núcleo duro, as pessoas que estão no meio, elas são as mesmas ao longo de 30 anos. Eu me sinto em casa porque conheço tudo isso por dentro.



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