Sob pressão dos EUA, Europa tenta forjar unidade para lidar com avanço da China

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LONDRES — O conselho arqueológico da Grécia rejeitou na semana passada o plano da Autoridade do Porto de Pireus, em Atenas, para construir em seu terreno um shopping center, uma doca flutuante para reparos de grandes navios e um hotel de luxo. A decisão era esperada por causa dos riscos de destruição de sítios históricos, mas o que chama a atenção é a dimensão do investimento em um país que dez anos atrás beirava a falência. No período, Pireus deixou de ser o 16º para se tornar o segundo porto de maior movimento da União Europeia (UE), graças ao aporte da estatal chinesa de logística Cosco, hoje dona de 67% do empreendimento. Foi assim que a China atracou em definitivo em um ponto estratégico do Mediterrâneo.

O dinheiro chinês foi essencial para a recuperação grega depois da crise de 2008, o que explica por que Atenas tende a ter mais boa vontade com o Império do Meio do que outros integrantes do bloco, às vésperas de uma nova reunião de cúpula China-UE, que acontece em Bruxelas na terça-feira, dia 9. Capitaneada por França e Alemanha, a UE tenta costurar uma posição única em relação à superpotência asiática, que é o segundo parceiro comercial do bloco, mas também passou a ser vista como rival econômica e geopolítica.

Em março, a Comissão Europeia chamou o país do presidente Xi Jinping de “rival sistêmico que promove modelos alternativos de governança” e “competidor econômico perseguindo a liderança tecnológica”. Foi a primeira vez desde o episódio da Praça da Paz Celestial, há 30 anos, que os europeus usaram expressões tão duras para se referir à China. A UE quer que Pequim se comprometa, no comunicado final do encontro, a abrir seu mercado para a Europa, como esta fez para o capital chinês, e com reformas do sistema de comércio que acabem com a concorrência desleal dos produtos chineses e o roubo de tecnologia.

Século da Ásia

Segundo um diplomata europeu que acompanha a China, Pequim vê a Europa como um ponto de equilíbrio para a sua estratégia no Ocidente, sobretudo depois da eleição de Donald Trump nos Estados Unidos. O americano abriu uma guerra comercial sem precedentes contra os chineses, e está em cruzada contra a ascensão do país como potência tecnológica global. Para o diplomata, a reação europeia ao avanço chinês pode ser uma resposta às cobranças de Trump.

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Uma reação articulada do Ocidente, por sua vez, está possivelmente ligada ao que está sendo chamado por especialistas de início do “século da Ásia”. Segundo uma estimativa recém-publicada pelo “Financial Times”, a partir de 2020 as economias asiáticas combinadas abrigarão metade da classe média mundial e responderão por mais de 50% do PIB global, medido por Paridade de Poder de Compra, que leva em consideração o poder aquisitivo da população. É uma situação parecida com a que havia antes da Revolução Industrial no Ocidente, quando a Ásia era o centro da economia global. Sozinha, a China já representa neste ano 19% do PIB mundial em PPP, quase três vezes os 7% de 2000. Sua economia já é duas vezes maior que a da Alemanha ou a do Japão.

Na Europa, a China não avançou só sobre a Grécia, mas também sobre outros países do Sul e do Leste, independentemente da orientação política de seus governos. No grupo conhecido como 16+1, 16 países da Europa Central e do Leste discutem com Pequim projetos de investimentos em infraestrutura de comércio e serviços da iniciativa “Um cinturão, uma rota”, um dos carros-chefes da política externa de Xi Jinping e uma versão turbinada para o século XXI da antiga Rota da Seda, que os chineses tentam vender para o resto do mundo.

pib-asia-desk Sob pressão dos EUA, Europa tenta forjar unidade para lidar com avanço da China

Participação da Ásia no PIB global
Em poder de paridade de compra (PPP), em dólar
*Definição de Ásia da Unctad
pib-asia-desk Sob pressão dos EUA, Europa tenta forjar unidade para lidar com avanço da China

Participação da Ásia
no PIB global
Em poder de paridade de compra (PPP), em dólar
*Definição de Ásia da Unctad

Há duas semanas, os governos francês e alemão se irritaram com um memorando de entendimento entre a Itália e a China, firmado por Xi em visita a Roma. O documento prevê investimentos chineses bilionários no setor de infraestrutura italiano. A Itália, por meio de seu governo de direita, é o primeiro país do G7, formado pelas sete maiores democracias capitalistas, a se comprometer com o programa de investimentos chinês. Na escala seguinte em Paris, no entanto, o presidente chinês não deixou de assinar outro pacote bilionário, incluindo a encomenda de 300 aviões da Airbus.

— Alguns países estão mais preocupados do que outros, e alguns querem mais e não menos investimentos chineses — disse o especialista Timothy Summers, do centro de estudos de Londres Chattam House.

Pequim defende a cooperação entre os países pelo desenvolvimento e pelo combate ao protecionismo, e repete o mantra do “pensamento de Xi” da necessidade de uma relação em que todos saiam ganhando, o ganha-ganha. Para os europeus, não é bem isso o que tem acontecido. De 2010 até 2016, o volume de investimentos estrangeiros diretos da China na UE saltou de €1,6 bilhão para um recorde de €36 bilhões, é verdade. Mas estatais chinesas marcaram posição em negócios estratégicos na Europa, enquanto o contrário não ocorreu. A ameaça de que a chinesa Huawei possa dominar o mercado mundial da quinta geração da telefonia móvel, a 5G, criou pânico no Ocidente, onde a companhia já é líder na maioria dos mercados.

No final do ano passado, a Alemanha endureceu suas regras para fusões e aquisições envolvendo empresas não europeias. Meses antes, vetou a aquisição da fabricante de ferramentas Leifeld por uma empresa chinesa. Em julho, um banco estatal alemão comprou uma fatia da 50Hertz para evitar que a elétrica chinesa State Grid abocanhasse a distribuidora. O caso emblemático foi a aquisição em 2016 pelo conglomerado chinês Midea da empresa Kuka, do setor de robótica, por nada menos que €4,5 bilhões.

Para o historiador Michael Burleigh, autor do livro “The best times, the worst times: a history of now” (A melhor época, a pior época: uma história do agora), a aproximação europeia da China continuará crescendo por pura falta de estratégia para lidar com Washington, que agora se concentra nos “Estados Unidos primeiro”. Não se sabe quem sairá vitorioso nessa queda de braço. Talvez o Ocidente tenha que evitar o enfrentamento e buscar um equilíbrio entre a parceria necessária e a concorrência inevitável com a China, que, segundo Burleigh, “não tem aliados, nem mesmo a Coreia do Norte”.



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