Inimaginável ver uma das maiores metrópoles do mundo, situada 760 metros acima do nível do mar, embaixo d’água. Por muito menos, grandes cidades do mundo já teriam estabelecido um gabinete de crise com prefeitos, vereadores, governadores, e equipe técnica em diálogo com o presidente e mobilizando forças locais e nacionais.
Assustador constatar que não é somente a cidade que está submersa, mas a mentalidade das lideranças públicas e privadas também estão mergulhadas em fossas abissais de negação do novo normal: a emergência climática. Chuvas centenárias ocorrem com frequência cada vez maior.
O desarranjo infra-estrutural que a maior e mais rica cidade do país exibe hoje requer atenção máxima e a compreensão de que o problema não tem divisas. Não é uma situação exclusiva dos municípios, ou dos estados da federação, ou apenas do Brasil. É planetária. E a histórica ineficiência do planejamento urbano nacional não castigará apenas as cidades costeiras, mas também cidades em planaltos ou no interior geográfico, como Belo Horizonte.
Tais eventos catastróficos promovem temas midiáticos que duram uma semana, e hoje falaremos muito de urbanismo. Vamos ver se falaremos depois, durante o Carnaval, ou se a pauta vai durar até as eleições municipais em outubro desse ano.
Nestas ocasiões costuma-se falar muito de investimentos, mas raramente de sistema, ou de cultura, e principalmente de engajamento, planos, metas e responsabilização.
Logo, em vez de cada administração municipal tentar uma revisão do Plano Diretor para chamar de sua, ela deveria enunciar as metas que pretenderia alcançar no período de sua gestão, e a imprensa, a sociedade civil, o legislativo e, principalmente, o Ministério Público deveriam acompanhar.
Sem efetividade dos Planos Diretores não avançamos. Sem responsabilização sobre os gestores, nada mudará. Observem que prefeitos são obedientes à responsabilidade fiscal, mas são completamente arruaceiros no cumprimento de planos urbanísticos e ambientais.
Para piorar, se apresentam como super-heróis, prometendo soluções inviáveis, mas nenhum deles consegue ter controle sobre bacias hidrográficas ou sobre o curso dos rios pois estes são fatos naturais que não aceitam divisas ou mandatos como limite para sua vazão. Logo prefeitos precisam estabelecer consórcios com outras cidades e devem pedir que governadores criem Autoridades Metropolitanas para ajudá-los a gerir aspectos que literalmente extravasam a abstração politica que entendemos como município.
Agora, o mais fácil, e paradoxalmente, o mais complicado, quase impossível: as grandes metrópoles precisam de uma Agenda Nacional Urbana. Não basta sermos signatários dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU, com burocratas e “onguistas” em tour global, se não aplicamos aqui o que dizemos lá fora. É relativamente simples pois implica na definição de orientações comuns para a reciclagem das cidades brasileiras, as mais antigas das Américas, quando não são também as mais bonitas e charmosas, preparando-as para a próxima década, onde o ano de 2030 definirá para todo o planeta o marco onde saberemos se vamos sobreviver ou não.
Sem tal pactuação, com necessária definição de recursos humanos e financeiros, nenhuma cidade conseguirá. Nem São Paulo. O governo federal não precisa intervir nas prefeituras, e nem deve, mas sem a aglutinação de objetivos, sem a comunicação clara de que trata-se de um desafio de todos, sem a sugestão de meios para a missão, não avançaremos pois prefeitos nunca tomarão medidas que possam ser entendidas como impopulares. Eles e elas precisam de um mínimo de coordenação federal.
O assunto parece ignorado como uma reforma emergencial: a urbana. O ambiente autofágico de Brasília faz crer aos seus integrantes que vivemos em algum éter chamado Brasil, nunca em cidades que sofrem, onde se paga com vida a cada chuva e deslizamento de terra.
Esta semana falaremos de urbanismo. Próximo das eleições falaremos de gestão.
Associar à gestão ao urbanismo como uma agenda urgente parece difícil de acontecer.
Precisamos de uma força-tarefa urbana para o país.
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