Retrospectiva – Como a cidade se transformou na última década

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Há dez anos, a cidade ficava às moscas em pleno Carnaval. Nos fins de semana, a avenida Paulista tinha trânsito intenso ao som de algum artista de rua solitário fazendo cover de Elvis Presley. Hoje, a capital recebe 14 milhões de foliões em cordões variados e transformou a avenida que é seu cartão-postal em um parque a céu aberto, com cerca de 30 000 passantes aos domingos.

Na mobilidade, outra revolução: os motoristas por aplicativos ganharam a praça e hoje são aproximadamente 150 000, enquanto os taxistas são 38 000 na cidade. Patinetes eram brinquedo do passado e foram alçadas a meio (sério) de transporte, totalizando cerca de 5 000 unidades na metrópole. A extensão das ciclovias pulou de 63 para 400 quilômetros, 534% a mais. ao cerca de 1 milhão de novos paulistanos (éramos 11,2 milhões em 2010 e saltamos para 12,2 milhões) entregamos uma cidade inicialmente mais segura — as taxas de homicídio caíram 50% até 2018 — mas que ainda se recusa a compartilhar o espaço urbano ao colocar barreiras na forma de vidros e muros no entorno de seus prédios. Nas páginas a seguir, uma viagem pela década que termina.

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Ciclovia da Avenida Faria Lima: aumento de ciclistasLeo Martins/Veja SP

Ciclovias do barulho

Os 400 quilômetros de ciclovias implantados por Fernando Haddad, de 2013 a 2016, deram o que falar. Seja pelas reclamações das faixas pintadas de vermelho na porta de prédios ou de comércios, seja pelo alto valor empregado no projeto, as pistas exclusivas, sob responsabilidade do então secretário de Transportes, Jilmar Tatto, foram a principal marca da gestão do petista. Apesar dos questionamentos, grande parte delas ganhou muito movimento de lá para cá. Na Faria Lima, por exemplo, um contador apontou em 2016 a passagem de 867 000 ciclistas. Em 2019, foram mais de 2 milhões, um aumento de 130%.

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Capa da Vejinha sobre valor exorbitante das obrasVeja SP/Veja SP

No ano passado, Haddad e Tatto viraram réus em processo de improbidade administrativa, movido pelo Ministério Público, que denunciou a falta de licitação nessa ciclovia. Eles negam irregularidades. A obra, de 12,4 quilômetros, custou 54,78 milhões de reais. A gestão seguinte, do PSDB, deixou o tema em banho-maria e neste mês prometeu reformar, até 2020, 310 quilômetros de ciclovias e construir mais 173 quilômetros de pistas.

A ira contra o Uber

Com a promessa de oferecer um transporte mais eficiente, com veículos de luxo e preços mais baixos que os do táxi, a americana Uber desembarcou por aqui em junho de 2014. Tão logo as corridas começaram a pipocar nos aplicativos dos passageiros, que recebiam balinha e água como cortesia, os taxistas, antigos donos do pedaço, protestaram (e brigaram).

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Reportagem sobre Natalício Bezerra, “eterno” presidente do sindicato dos taxistasVeja São Paulo/Veja SP

A gritaria durou dois anos, até a autorização definitiva dos apps, ocorrida por decreto do então prefeito Fernando Haddad. Para tentar aliviar a pressão, o petista criou a categoria dos táxis pretos.

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Protestos em vão: manifestação dos taxistas em 2015Fernando Moraes/Veja SP

Mas a resposta da empresa foi popularizar seu portfólio e lançar categorias mais baratas, quebrando de vez o velho monopólio dos carros brancos. Nos anos seguintes, a 99, o primeiro “unicórnio” brasileiro (a denominação é dada a companhias que atingem o valor de mercado superior a 1 bilhão de dólares), depois vendida a uma firma chinesa, e a espanhola Cabify completaram a tríade das empresas que mudaram a cara do transporte paulistano na década.

Mais que duas rodas

No início havia as bikes laranja patrocinadas pelo Banco Itaú (em 2012), depois vieram as vermelhas do Bradesco (2014) e por fim as amarelas (2018). Diferentemente das duas primeiras, que possuem estações fixas para a retirada e a entrega dos veículos, o modelo livre da Yellow espalhou bicicletas por ruas e calçadas da cidade. Estima-se que as empresas que atuam no mercado de compartilhamento de “magrelas” despejem entre 10 000 e 12 000 veículos pela metrópole, incluindo os novos modelos elétricos. Depois das bikes chegaram as patinetes elétricas (20% de toda a operação está na Faria Lima).

A primeira a operar foi a paulistana Scoo, em agosto de 2018, mas os veículos verdes ou amarelos da Grow é que ganharam as ruas. Ao passo que o modal criou situações que fizeram a prefeitura elaborar às pressas um decreto de regulamentação e impor limites, o negócio atraiu pessoas dispostas a ganhar dinheiro. Em setembro, a Vejinha contou a história de Daniel Pereira, um estudante de 18 anos que fatura 200 reais por dia como “caçador de patinetes” na região do Largo da Batata, em Pinheiros. A cada patinete recolhida e levada para um depósito, ele recebe 4 reais.

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Daniel Pereira, o estudante que recolhe patinetes no Largo da Batata e fatura 200 reais por dia: sua história (capa abaixo) foi contada em setembro de 2019Marcelo Justo/Veja SP

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Longo descaso

Não foi por falta de aviso que a prefeitura deixou de fazer as devidas manutenções em pontes e viadutos da metrópole. Bem antes da ruptura de uma viga na Marginal Pinheiros, em novembro do ano passado, que atrapalhou por longos quatro meses o tráfego no sentido Castello Branco, a gestão municipal foi alertada da situação muitas vezes caótica de setenta passagens.

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Viaduto na Marginal Pinheiros ruiu após viga se romper, em 2018: mais caro remediar do que fazer a prevençãoCarlos Nardi/WPP/Divulgação

O estudo, realizado pelo Sindicato Nacional das Empresas de Arquitetura e Engenharia Consultiva (Sinaenco), ocorreu dez anos depois de o Ministério Público determinar, sob pena de multa, a reforma de sete pontes e viadutos por ano. Como o acerto nunca foi cumprido, o órgão entrou na Justiça em 2014, e hoje a dívida ultrapassa 50 milhões de reais. Em 2019, a prefeitura realizou inspeções visuais em 126 pontes e viadutos e já gastou 38 milhões de reais em reformas emergenciais.

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<span class="hidden">–</span>Veja São Paulo/Veja SP

PAULISTA ABERTA 

 

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Público lota a Avenida Paulista fechada para carrosReinaldo Canato/Veja SP

Mais diversa…

A Paulista Aberta, que completou cinco anos em 2019, se consolidou como relevante opção de lazer para os paulistanos aos domingos e feriados, convidando milhares de pessoas a ocupar a avenida para curtir ou trabalhar. Não há dados oficiais sobre o volume de público, mas a prefeitura indica estimativa de 30 000 pessoas por domingo. Celso Reeks, membro do coletivo Artistas na Rua, calcula que cerca de cinquenta atrações — entre músicos, estátuas vivas, mágicos, artistas cênicos — e 170 artesãos atuem por ali ao longo do dia. A cantora Lilian Jardim, que está lá desde a abertura, já chegou a vender 100 CDs em um dia.

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Aula de dança em frente ao Conjunto Nacional ReinaldoReinaldo Canato/Veja SP

Com a exposição da rua, hoje também se apresenta em casas de show e no Circuito Sesc. Outro segmento que se beneficiou com a iniciativa foi o comércio, na rua e nos shoppings da região, segundo aponta o diretor- presidente da Associação Paulista Viva, Lívio Giosa. Para não dizer que tudo são flores, associações de moradores reclamam do barulho e de festas cada vez mais descontroladas no pedaço. Desde 2015 o Psiu registrou 36 reclamações na região aos domingos.

Resistência à mudança

Nem todo mundo ficou satisfeito

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<span class="hidden">–</span>Eliaria Andrade/Veja SP

José Serra, ex-prefeito, 2015

”Fui visitar um amigo que mora perto da Paulista. A avenida foi fechada pelo prefeito, para lazer. E fica vazia, obviamente. No entorno, congestionamentos monumentais.”

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A Advogada Célia Marcondes, criadora da Ecóleo, uma ONG que sensibiliza para o descarte consciente do óleo de cozinha usado.Leo Martins/Veja SP

Célia Marcondes, da Associação de Moradores, 2019

“A Paulista virou terra de ninguém. Falta controle, falta governo. Os moradores não conseguem sair de casa nem receber visitas por causa do barulho.”

… e mais cultural

A avenida mais simbólica da cidade também cresceu em relevância cultural. Espaços como a Japan House (2017; foto), o Instituto Moreira Salles (2017) e o Sesc Paulista (2018) chegaram ao pedaço com uma proposta uníssona de diálogo com a rua.

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<span class="hidden">–</span>Estevam Romero/Veja SP

Varandas, rooftops e locais de convivência viraram regra. Não por acaso, as casas registraram alguns de seus maiores públicos aos domingos, juntamente com a Paulista Aberta. Além disso, a gastronomia da área ganhou importância. Restaurantes como Aizomê, de Telma Shiraishi, Balaio, de Rodrigo Oliveira, e A Baianeira, de Manuelle Ferraz, se instalaram nos centros culturais de lá.

 

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CULTURA

Altos e baixos

Mesmo com a abertura de novos espaços, o período foi de instabilidade para os lugares de cultura da cidade. Casa do cinema paulistano, o Cine Belas Artes chegou a fechar no início da década e só reabriu porque o edifício foi tombado e patrocínios reconheceram o valor do local. As salas Gemini abaixaram as portas em 2010, sem retorno. Museus tradicionais da capital também sofreram sem manutenção. O Museu do Ipiranga foi interditado em 2013 para obras e só deve voltar a receber público em 2022. Já o da Língua Portuguesa, em parte consumido por um incêndio em 2015, foi restaurado e deve reabrir em 2020. Apesar de todos os problemas, ainda teve cultura pop na cidade.

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Incêndio destrói Museu da Língua Portuguesa, no histórico edifício Estação da Luz, no Bairro da Luz.Edson Lopes Junior/Veja SP

No Masp, a exposição sobre Tarsila do Amaral recebeu mais de 400 000 pessoas neste ano.

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A mostra sobre Frida Kahlo no Tomie Ohtake, em 2015, foi outro sucesso, vista por 600 000 visitantes.

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Filas gigantes: Obsessão Infinita, de Yayoi Kusama, levou mais de 500 000 pessoas ao Tomie OhtakeLucas Lima/Veja SP

 

RIBALTA PAULISTANA

A febre dos musicais

O mercado dos musicais, aquecido a partir dos anos 2000, atingiu o auge com grandes sucessos e levando um público jovem aos teatros. O Rei Leão, entre março de 2013 e dezembro de 2014, foi visto por 850 000 pessoas.

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Cena de O rei leão e capas da Vejinha, que antecipou a estreia do espetáculo e mostrou os novos talentos do gêneroJoão Caldas/Veja SP

 

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Capa da revista Veja São Paulo, edição 2314, de 27 de março de 2013.Veja São Paulo/Veja SP

Em 2016, Wicked contou com 340 000 espectadores em nove meses e alçou ao protagonismo as atrizes Fabi Bang e Myra Ruiz, com milhares de fãs. As reedições de Les Misérables (2017) e O Fantasma da Ópera (2018-2019) também fizeram bonito, com 345 000 e 800 000 pagantes, respectivamente.

Antes promissor, o ator Jarbas Homem de Mello consagrou-se com Cabaret (2011), Chaplin, o Musical (2015) e Cantando na Chuva (2017), produzidos por Claudia Raia, estrela habitual do gênero. A atriz e cantora Amanda Acosta é outro talento consolidado em Bibi, uma Vida em Musical e o recente As Cangaceiras, Guerreiras do Sertão.

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Novos palcos

Se a cidade perdeu teatros tradicionais, como o Imprensa e o Augusta, salas modernas, bem equipadas e localizadas em shopping centers, também para atender à demanda de musicais, despontaram no roteiro cultural na década.

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Interior do Teatro Santander no complexo empresarial WTorre Plaza, no Itaim Bibi, junto ao Shopping JK IguatemiAlexandre Battibugli/Veja SP

O Theatro NET, no Vila Olímpia, abriu as portas em 2014, seguido do Teatro Santander (foto), em 2016, no complexo do JK Iguatemi, e do Teatro Opus, no Villa-Lobos, um ano depois. Salas mais intimistas, como a do MorumbiShopping, o Teatro Unimed, em um conjunto da Alameda Santos, e o novíssimo Teatro D, no Hipermercado Extra do Itaim, também figuram entre as opções recentes.

Atrações múltiplas

O perfil das casas de espetáculos sofreu modificações. Passou a ser comum várias peças dividirem a mesma sala em dias e horários alternados. As unidades do Sesc mantiveram um público fiel com atrações fartas e ingressos acessíveis, e teatros, como o Eva Herz, o Tuca e o Porto Seguro, uniram apelo a programação de qualidade.

O adeus de Antunes

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<span class="hidden">–</span>Bob Sousa/Veja SP

Um dos grandes nomes do teatro brasileiro, o diretor paulistano Antunes Filho saiu de cena, aos 89 anos, em 2 de maio de 2019. Em plena atividade, ele atravessou a década com peças marcantes, como Policarpo Quaresma, Nossa Cidade, Toda Nudez Será Castigada, Blanche e Eu Estava em Minha Casa e Esperava que a Chuva Chegasse.

 

ARQUITETURA E URBANISMO

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O colorido Forma Itaim, do arquiteto espanhol Fermín Vázquez: caso raro em um mar de edifícios anódinosNelson Kon/Veja SP

Apetite por saciar

Dois retrofits que se arrastaram por mais de dez anos, o do Sesc Paulista e o do Sesc 24 de Maio, tornaram-se sucessos de público e crítica em mais uma década em que a arquitetura se resignou a um papel coadjuvante na metrópole. Enquanto minibairros nascidos do zero, com nomes bucólicos de Jardim, Parque e afins, fracassaram em deixar qualquer marca na metrópole, é uma boa notícia que, em tempos de crescimento populacional baixo, estejamos aprendendo a reinventar o que já está construído. Entre as edificações erguidas do zero, vale destacar o Instituto Moreira Salles, pela proeza de usos em um terreno tão exíguo e por levar olhos para a rua na sua praça-mirante, no 5º andar.

 

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O Instituto Moreira Salles, dos arquitetos Andrade MorettinPedro Vannucchi/ Instituto Moreira Salles/Veja SP

E o Santos Augusta, onde antes havia um estacionamento, tem a rara distinção de ser um edifício corporativo generoso com a calçada e com o mais anônimo dos pedestres. A incorporadora Idea!Zarvos continuou a ser exceção em evitar a linha de montagem, com projetos únicos de bons arquitetos.

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Olhos na rua: Pop XYZ, do escritório Triptyque, da Idea!ZarvosRaul Juste Lores/Veja SP

Já o poder público fracassou em dar sua contribuição. Mesmo a bilionária Copa legou um estádio isolado em Itaquera, sem preocupação com o entorno imediato, e monotrilhos ainda inconclusos. Projetos para Nova Luz, Parque Paraisópolis, Arco Tietê, Parque D. Pedro e Jockey Club mofam em algum escaninho municipal.

Ainda assim, em um movimento que já vinha com a Virada Cultural na década passada, os paulistanos estão usando mais e mais os espaços públicos, da Paulista, aos domingos, ao Minhocão e à Praça Roosevelt, além do multitudinário Carnaval de rua. Só falta arquitetura bem pensada para saciar essa fome de bons espaços que o morador da metrópole tem.

A mesquinhez e a cafonice sabotam até alguns dos melhores projetos da cidade: a antiga praça do condomínio Cetenco, que abriga Caixa Econômica e Tribunal Regional Federal na Avenida Paulista, foi fechada. Uma das áreas mais seguras de São Paulo ficou com cara de penitenciária.

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O fechamento-prisão na Avenida PaulistaRaul Juste Lores/Veja SP

 

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GASTRONOMIA

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Bares e restaurantes em PinheirosReinaldo Canato/Veja SP

Puro apetite Várias tendências movimentaram a cidade mais gulosa e mais gastronômica do país ao longo da última década. Quando falamos de uma metrópole como São Paulo, nada melhor do que começar por seu traçado urbano à mesa, por suas vias congestionadas pelo apetite. Nenhuma outra rua se destacou mais que a dos Pinheiros.

Tudo começou com a chegada do Le Jazz Brasserie, em 2009. Pelo 1,5 quilômetro, alinham – se muitos inquilinos, entre eles 3 Brasseurs, Cozinha 212, Bráz Elettrica, Boteco Paramount, Piccolo, La Guapa… O sucesso é tanto que se espalha pelas transversais.

Ainda no bairro de Pinheiros, houve a revitalização do Mercado Municipal, com a chegada de restaurantes de chefs. O primeiro a se instalar por lá foi a Comedoria Gonzales, em 2014. Vieram depois o Mocotó Café, a Napoli Centrale, a C6, as bancas de produtos regionais de biomas brasileiros…

Também entraram em evidência as hortas urbanas em regiões extremas, registradas em capa da Vejinha de março de 2018. Tanto a leste, cultivadas sob linhas de alta tensão para abastecer uma clientela vizinha e de feiras, quanto ao sul, no bairro rural de Parelheiros, cuja produção abastece restaurantes como o Arturito, de Paola Carosella.

Sobre as mesas dos mais variados tipos de estabelecimento apareceu, a partir de 2010, uma versão de peixe cru que não era sashimi. Falo do ceviche, um marinado de pescados num caldo de limão cuja paternidade é atribuída ao Peru.

Para satisfazerem um público assanhado por hambúrgueres, esses sanduíches romperam as fronteiras das lanchonetes e conquistaram espaço no cardápio de casas como a churrascaria Rubaiyat e o variado Teus. Uma carne caríssima, de origem japonesa e quase branca pelo marmoreio de gordura, virou objeto do desejo. Com o nome genérico de kobe beef e extraída do gado wagyu, desembarcou no Brasil em 2012.

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Cardápio do paulistano nos últimos dez anos: a multiplicação dos restaurantes na Rua dos Pinheiros, pratos em alta, como wagyu, trazido diretamente do Japão e a explosão do ceviche (abaixo)Ricardo Dangelo/Veja SP

 

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<span class="hidden">–</span>Jean Vidoulis/Veja SP

Brotaram em todos os cantos os bolos caseiros e nunca se consumiram tantos cafés especiais. A coquetelaria teve ascensão vertiginosa. Jamais se viram tantos e tão competentes bartenders, nem uma leva maior de drinques de alta qualidade, parte deles premiada internacionalmente.

Lançada em março de 2017, a Feira dos Campeões, que reúne endereços premiados e estrelados pela edição anual COMER & BEBER para vender pratos e bebidas por preços que não ferem a carteira, consagrou esse tipo de evento. Há que dar crédito à precursora do movimento, intitulada O Mercado, que teve edições de 2012 a 2015.

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Capa da revista Veja São Paulo sobre o que pensam os chefsVeja São Paulo/Veja SP

Foi também nesse período que se assistiu ao declínio dos rodízios de carne, segmento no qual restaram apenas algumas marcas de qualidade como a premiada NB Steak. Mais recentemente começaram a se multiplicar os endereços veganos, destinados a pessoas que não consomem nenhum produto de origem animal.

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<span class="hidden">–</span>Veja São Paulo/Veja SP

 

Algumas promessas não se cumpriram. São exemplo emblemático do fracasso as paletas mexicanas que causaram furor em 2014, sucesso instantâneo que derreteu antes mesmo de um verão seguinte. Praticamente desapareceram os food trucks, por não compensarem o alto investimento em um negócio de baixo retorno.

Foi também o período de maior ascensão profissional dos chefs, que se tornaram inclusive celebridades da TV. Ser cozinheiro virou a profissão da moda, e os cursos superiores de culinária se multiplicaram de maneira exponencial. Até a renomada escola francesa Le Cordon Bleu montou uma filial paulistana em 2018.

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Capa sobre a Feira dos CampeõesVeja São Paulo/Veja SP

Atenta a essa movimentação, VEJA SÃO PAULO realizou em 2011, de maneira inédita e pioneira, uma matéria de capa para saber o que pensam os chefs. Agora, é esperar a próxima década. Gastronomia sempre vai dar o que falar.

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Capa sobre o Mercado de PinheirosVeja São Paulo/Veja SP

EVENTOS

Folia e caos

Nos anos 2010, a cidade tornou-se um efervescente destino para o Carnaval.

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<span class="hidden">–</span>Veja São Paulo/Veja SP

Em 2015, 1,5 milhão de foliões tomaram as ruas e, em 2019, essa conta subiu para 14 milhões. A progressão não foi indolor: quebra-quebras e rastros de sujeira tumultuaram regiões, entre elas a Vila Madalena e o Largo da Batata.

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Trio-elétrico BregsNice, dos humoristas do programa cômico Hermes e Renato, no Largo da Batata, em PinheirosRicardo Matsukawa/Veja SP

Com o estrondoso aumento, a festa se espalhou por grandes avenidas da metrópole, caso da Luís Carlos Berrini, na Zona Sul, e da Tiradentes, no centro. Em 2020, todas as 32 subprefeituras da capital terão blocos para chamar de seus. São 960 cordões inscritos (60% mais que em 2019).

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Além da bola

A movimentação nos estádios paulistanos foi intensa. Eles se consolidaram como os principais palcos dos grandes shows, especialmente internacionais. A turnê recorde de público, do U2, em 2011, no Morumbi, reuniu 270 000 pessoas. Inaugurado em 2014, o Allianz Parque (foto) foi a arena que mais recebeu espetáculos no mundo em 2017, com dezessete deles ao longo do ano, somando 600 000 espectadores.

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Allianz Parque Arena PalmeirasAlexandre Battibugli/Veja SP

Outra estreia foi a Arena Corinthians, que sediou jogos da Copa em 2014 e foi cenário de uma tragédia durante sua construção. Em 2013, dois funcionários morreram em um acidente com um guindaste. A Portuguesa amarga uma grave crise que já resumiu a pó o conjunto de piscinas do Canindé. O Pacaembu teve outro destino: concedido à iniciativa privada, ganhará ares de centro comercial para conquistar novos frequentadores.

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E O SOCIAL?

(In)Segurança

As taxas de homicídio na capital paulista caíram pela metade, de 10,6 a cada 100 000 habitantes, em 2010, para 5,69, em 2018 (mais recente dado consolidado), mas isso não se refletiu na sensação de segurança do paulistano. No mesmo período, o número de carros blindados cresceu 60%, com 8 000 novos veículos protegidos circulando pelas ruas da cidade.

Saúde com filas

A década do paulistano foi marcada por epidemias e filas imensas nos postos de saúde. Em dez anos, a cidade passou por surtos de febre amarela e de sarampo, que era considerado erradicado no Brasil e voltou causando dezenove mortes na capital, segundo a Secretaria Municipal de Saúde.

Para tentar conter o avanço das doenças, o poder público realizou mutirões de vacinação que entupiram os postos, ao mesmo tempo em que teve de combater a desinformação promovida por grupos na internet que demonizavam o uso de vacinas.

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Contra febre amarela: vacinação em janeiro de 2018Alexandre Battibugli/Veja SP

 

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Entre as novidades, iniciativas como a do empresário Thomaz Srougi, criador da rede Dr. Consulta, um conjunto de 48 clínicas particulares voltadas às classes C e D, mudaram a forma como parte da população tem acesso à saúde. A rede se tornou uma alternativa aos serviços do SUS. Por cerca de 90 reais, o paciente pode receber atendimento para as mais de quarenta especialidades oferecidas pelo projeto. As primeiras unidades do Dr. Consulta foram abertas em 2011, em São Mateus e na comunidade de Heliópolis, e agora há opções também em regiões como Paulista e Rebouças.

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Capa da revista VEJA São Paulo edição 2400 de 19 de Novembro de 2014: “Doutores da Periferia”.Veja São Paulo/Veja SP

 

Educação parada

Professores da rede pública de ensino realizaram uma série de protestos em São Paulo exigindo salários melhores e o fim da violência nas escolas. Docentes passaram a temer episódios como os que ocorreram, por exemplo, na Escola Estadual Raul Brasil, em Suzano, onde dois jovens mataram oito pessoas, entre estudantes e funcionários do colégio, no começo de 2019.

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Alunos ocupam a Escola Estadual Fernão Dias Paes, em Pinheiros, contra o Plano de Reorganização das Escolas Estaduais do Governo do Estado de São PauloEdson Lopes Junior/Veja SP

Houve ainda greves de professores em universidades estaduais. Em dez anos, os docentes cruzaram os braços pelo menos duas vezes: em 2016 e 2018. A década também contou com uma ampla mobilização estudantil, que culminou na ocupação de 200 colégios e quarenta dias de manifestações em 2015.

CRACOLÂNDIA

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Objetos abandonados, após ação da PM, em 2017Eduardo Ogata/SECOM/Divulgação

Nada concreto

Os quatro prefeitos que atravessaram os anos 2010 prometeram ações para acabar de vez com a Cracolândia, a área mais degradada da cidade há quase três décadas.

Em 2011, Gilberto Kassab apresentou o projeto Nova Luz, que previa a requalificação urbana de 45 quadras e duas praças, com a criação de apartamentos e de emprego (enquanto minicracolândias se espalhavam pelo município). O programa foi considerado inviável por Fernando Haddad, que implantou em 2014 o De Braços Abertos.

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Programa Braços Abertos: muitas promessasFabio Arantes/SECOM/Divulgação

O projeto garantia o pagamento diário de 15 reais (além de moradia e alimentação) a usuários de drogas que trabalhassem na limpeza pública. Não foi considerado um sucesso, e foi descontinuado por João Doria. O tucano chegou a decretar o fim da Cracolândia, após uma operação da Polícia Militar, em 2017.

Na ocasião, ele criou o Programa Redenção e defendeu a internação compulsória de viciados. Esse último projeto, já sob o comando de Bruno Covas (e que ainda engatinha), perdeu o caráter linha-dura e ganhou pontos em comum com o de Haddad, como bolsas-trabalho para os dependentes.

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Capa da revista VEJA São Paulo Ed.2401 de 26 de Novembro de 2014: “Eu preciso de ajuda”.VEJA São Paulo/Veja SP

CONSUMO

Febre das feiras

 Eventos com pegada moderninha dedicados aos artesãos tornaram-se febre. Entre os mais importantes está a feira Jardim Secreto, que começou em 2013. Ela reúne interessados em artigos que vão de roupas a acessórios para o lar.

Desde 2016, fica na Praça Dom Orione, no Bixiga, onde recebe até 10 000 pessoas e 200 expositores. Também abriu uma casa e um galpão dedicado aos produtores.

Mercearia em alta

Repaginados, os mercadinhos de bairro ganharam versões ancoradas em grandes redes do varejo alimentício, entre eles o Carrefour, o Dia e o Grupo Pão de Açúcar (GPA), detentor também da marca Extra.

Desde 2010, pelo menos 500 novos estabelecimentos do tipo foram instalados na cidade. No caso do GPA, são lojas com até 300 metros quadrados e cerca de 3 500 produtos de sortimentos básicos — alimentação, limpeza, hortifrúti. Segundo os planos de expansão, o formato deve perdurar nos próximos anos.

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Novo luxo

A mudança no setor foi grande. Após escândalo de corrupção, a icônica Daslu fechou suas lojas e trocou de donos. A região da Oscar Freire perdeu nomes de peso, caso de Montblanc, Dior e Louis Vuitton. Em 2012, abriu as portas um forte concorrente para a via, o Shopping JK. Uma das novidades do centro de compras é a francesa Sephora, com produtos exclusivos do segmento de beleza que ainda não tinham aparecido por aqui. O de maior valor, um anti-idade da Guerlain (foto), está esgotado e custava 6 562 reais.

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Fast-fashion 2.0

Dominique Oliver, 35, é um dos nomes que despontaram ao inovar nos negócios de moda.

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<span class="hidden">–</span>Divulgação/Divulgação

CEO da Amaro, marca de fast-fashion com contornos high-tech lançada em 2012, inaugurou uma modalidade diferente de compra, as chamadas guide-shops: é possível provar as peças em lojas físicas (são sete na cidade), mas a compra só pode ser encerrada on-line. “Nos nossos provadores, dá para simular luz do dia e da noite”, diz.

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Publicado em VEJA SÃO PAULO de 1 de janeiro de 2020, edição nº 2667.



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