BRASÍLIA — A visita do presidente Jair Bolsonaro a Israel no início desta semana pode ter sido um passo em falso na política externa brasileira, na avaliação de parte da área diplomática e fontes das áreas econômica e de comércio exterior. Existe o temor de retaliações pelos países islâmicos, que afetariam o Brasil não apenas na esfera comercial, mas também em outras frentes, como nas licitações internacionais e em eleições em fóruns multilaterais das Nações Unidas.
O mal estar foi causado por uma série de fatores. Jair Bolsonaro anunciou a instalação de um escritório de negócios em Jerusalém e ainda confirmou que já está certa a transferência da embaixada brasileira para a cidade santa, disputada com os palestinos. O presidente também visitou o Muro das Lamentações em um local considerado pela ONU como território ocupado por israelenses, sem uma coordenação prévia com autoridades palestinas.
A situação ficou ainda pior quando o Hamas — movimento islâmico que controla a Faixa de Gaza e é considerado terrorista pelos Estados Unidos — lamentou, em um comunicado, a instalação do escritório em Jerusalém e a visita de Bolsonaro ao Muro das Lamentações. Em resposta ao Hamas, o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho mais velho do presidente da República, escreveu a seguinte resposta, retirada pouco depois da internet: “Quero que vocês se explodam!”
Segundo fontes graduadas da diplomacia brasileira, o Brasil rompeu a tradição diplomática do equilíbrio e do respeito às resoluções das Nações Unidas, inclusive do Conselho de Segurança. Uma das consequências poderá ser a perda da credibilidade e, por tabela, do status de “interlocutor confiável” e de país que sempre evitou dar guinadas que afetassem sua previsibilidade. Outra preocupação diz respeito à segurança nas embaixadas brasileiras nos países árabes.
Essas fontes disseram que as possíveis perdas para o Brasil seriam “imensuráveis”, mas relevantes. Teme-se vá vontade, por exemplo, quanto à participação de empresas brasileiras em licitações de obras promovidas pelos mais de 60 países islâmicos. Outro problema que poderia surgir seria o impedimento para que os brasileiros sejam eleitos, em 2021, para um mandato de dois anos como membro rotativo do Conselho de Segurança das Nações Unidas (2022 e 2023).
O apoio das nações islâmicas em pleitos de interesse brasileiro foi fundamental para eleições importantes para o Brasil nos últimos anos. São exemplos as vitórias de Roberto Azevêdo, como secretário-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), e José Graziano como diretor-geral da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO).
Feito o estrago, é hora de apaziguar os ânimos. Na tarde desta quarta-feira, Jair Bolsonaro mencionou sua visita a Israel e celebrou a assinatura de acordos em áreas como ciência e tecnologia, defesa, serviços aéreos e segurança. Ele aproveitou para citar os árabes.
“Antes de embarcar [para Israel], dissemos que temos uma relação próxima tanto com Israel quanto com países árabes”.
Também nesta quarta-feira, o embaixador da Palestina no Brasil, Ibrahim Alzeben, disse ter ouvido do secretário-geral do Itamaraty, Otávio Brandelli, que o governo brasileiro continua firme em manter os laços e a cooperação com os países árabes. Alzeben sugeriu que seja instalado um escritório de negócios na parte oriental de Jerusalém.
— O Brasil ficaria numa posição cômoda e equilibrada com os dois escritórios de negócios — disse o embaixador ao GLOBO.
Ele pediu, ainda, a Brandelli, que converse com o chanceler Ernesto Araújo para que o presidente da República receba os embaixadores islâmicos em uma reunião. A ideia é esclarecer as intenções do governo brasileiro ao se aproximar de Israel.
Já a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, vai se reunir, na próxima semana, com 51 embaixadores de países árabes, grandes compradores da produção brasileira de alimentos. Conforme a pasta, a intenção é fazer com que a cooperação comercial com esses países cresça e seja mais robusta.