Passar mais tempo em casa fez com que ela definitivamente virasse assunto. Repara-se mais em tudo, e o móvel sem utilidade que fica no meio do caminho ou aquele cômodo que não é usado não têm mais vez. A praticidade ganhou pontos com as novas necessidades (de área de descontaminação a um mínimo contato com a natureza), e a moradia começa a mudar. “A residência passou de lugar-dormitório para de permanência muito maior, e as pessoas estão falando mais sobre ela”, diz o arquiteto Arthur Casas. Segundo ele, ainda que não se saiba exatamente o que nos aguarda após a flexibilização do distanciamento social, há o debate sobre o que é essencial para o dia a dia, a busca pelo conforto e pelo convívio familiar de forma mais agregadora. O arquiteto Dado Castello Branco faz coro com Casas. “Fomos obrigados a voltar para casa, e a relação com ela está diferente: observamos o que funciona, o que não, por que não, o que é prático e, com isso, podemos rever nosso comportamento para aproveitá-la melhor”, afirma. Algumas dessas mudanças já se tornaram mais visíveis, como o olhar mais cuidadoso para o home office.
De imediato, aquele cantinho bonito e para uso esporádico agora é o de maior utilização. “Era normal ser um local de decoração, para ser lembrado em uma emergência de trabalho”, diz a arquiteta Fernanda Marques, que também se viu nessa situação ao mudar sua rotina de escritório para dentro de casa. “Na primeira semana, muita gente deve ter usado a mesa de refeição como um espaço multifuncional, mas, com o tempo, as pessoas tiveram problemas especialmente com a privacidade”, afirma Maurício Arruda, que encabeça o programa de TV Decora, da GNT, e recebeu uma enxurrada de mensagens sobre o assunto. Tido como um movimento que dificilmente voltará para trás, o home office se tornou item essencial e fez a Tegra Incorporadora, por exemplo, alterar seus lançamentos. “Temos dois empreendimentos que estavam para ser apresentados e conseguimos adaptar o modelo decorado para aumentar esse lugar”, conta Andrea Bellinazzi, diretora de inteligência de mercado da empresa. De acordo com ela, a partir de agora, todos os novos projetos partirão com esse requisito. O local de estudo para crianças e adolescentes, no quarto, também será pedido pelo público. “É o espaço de concentração deles separado da área de lazer e de entretenimento”, pontua Casas.
A reclusão e a impossibilidade de caminhar pelas ruas e parques fizeram os paulistanos que moram em apartamento repensar a finalidade do terraço, outra alteração sentida pelos profissionais. “Com áreas que chegavam a representar até 30% do tamanho do apartamento, era comum ouvir pedidos para integrar o terraço à sala e fechar o espaço com vidros, ampliando-o”, diz o arquiteto Rafael Zalc, especialista em apês pequenos. Tanto tempo em casa, os moradores sentiram a falta do contato com o externo. Os terraços devem surgir menos integrados com o ambiente social, com toques de verde, como hortas e plantas ornamentais, além de móveis para descanso, entre eles sofás, mesas e cadeiras. “O espaço fica similar a um jardim de inverno e passa a ser um local de relaxamento”, diz Castello Branco. Se o terraço se torna independente, o contrário acontece com a cozinha, ainda mais incorporada à área social da residência, tendência que se acentuou com a quarentena, de acordo com os profissionais. “Temos uma ligação muito forte com a comida e estamos cozinhando mais vezes, com a família ao redor”, explica Arruda. Para ele, o cômodo será muito mais equipado com eletrodomésticos e utensílios e estará sempre ativo. “Com mais tempo em casa, nós nos arriscamos em processos mais longos: um pão fermentando, a lentilha germinando. Vai funcionar 24 horas”, afirma.
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O espaço da cozinha também deve ser mais prático, com revestimentos de limpeza fácil e itens à mão. “Máquinas de lavar louça e trituradores podem ser aparelhos necessários”, diz Zalc. Tanto ele quanto Arruda apostam também nas hortas e composteiras, para repensar a quantidade de lixo produzido. Os dois ainda apontam uma nova zona surgindo para atender aqueles que descobriram a atividade física no lar. Sem a necessidade de uma demarcação específica, o local recebe aparelhos para as aulas e TV que exibirá os exercícios por streaming. “Em vez de ser necessário afastar a mesa de centro para fazer as atividades, já existirá esse pedaço reservado”, afirma Zalc. Há outra novidade que apareceu durante a pandemia e deve permanecer: a zona de higienização, logo na entrada. “Quem não tem espaço precisou improvisar mesmo”, diz Zalc. Pequenos móveis como sapateiras com bancos e cabideiros podem ajudar. “Nos novos projetos, esse pedido não fica mais de fora.”
Publicado em VEJA SÃO PAULO de 20 de maio de 2020, edição nº 2687
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