Reconstrução de Notre-Dame terá de considerar a acústica do local

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20190514045910_860_645 Reconstrução de Notre-Dame terá de considerar a acústica do local

Quando a icônica catedral de Notre-Dame, em Paris, pegou fogo no mês passado, as notícias de que o cientista Andrew Tallon usou a varredura a laser para criar mapas detalhados do interior e exterior da catedral trouxe esperança. A acústica da catedral — o modo como o som soa — também faz parte de sua herança cultural.

No entanto, dada a natureza efêmera do som, as características acústicas podem ser muito mais difíceis de preservar ou reproduzir do que as estruturais propriamente. Felizmente, um grupo de especialistas franceses fez medições detalhadas da “paisagem sonora” de Notre-Dame e outras catedrais nos últimos anos. Esses dados serão agora usados para ajudar os arquitetos a incorporarem a acústica aos planos de reconstrução.

A peculiaridade das reverberações

“Temos um retrato da acústica de dois anos atrás e um modelo de computador que pode reproduzir isso”, diz Brian FG Katz, diretor de pesquisa do Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS) da Universidade Sorbonne, em Paris. Ele trabalhou com Tallon no projeto de escaneamento a laser da catedral. “A idéia é que, se quiserem, por exemplo, alterar os materiais, seja possível dizer qual será o impacto na acústica. Não estamos tentando forçar a restaução de um jeito ou outro, mas devemos ser capazes de tomar uma decisão consciente a respeito do impacto acústico.”

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Katz ficou interessado em documentar e reconstruir digitalmente as paisagens sonoras dos espaços históricos há mais de uma década, depois que um colega lhe contou sobre o caso da Fogg Lecture Hall, da Universidade de Harvard. Esse colega, por sua vez, foi inspirado pelo professor de física Wallace Clement Sabine, considerado o pai da moderna acústica arquitetônica e encarregado de descobrir por que a acústica no local era tão terrível em 1895.

Sabine foi capaz de determinar que havia uma relação definitiva entre a qualidade da acústica da sala, o tamanho da câmara e a quantidade de superfícies de absorção presentes. Ele, então, criou a fórmula para calcular o tempo de reverberação do som — o fator crítico para medir a qualidade acústica de um espaço. A reverberação é o que acontece quando o som não consegue percorrer distâncias suficientes para produzir eco. Em vez disso, obtém-se um anel contínuo que gradualmente desaparece.

“A acústica da catedral é diferente da de outros espaços, com alto nível de reverberação e mistura, bem como pela geometria muito complexa”, diz Katz. Notre-Dame tem um tempo de reverberação de seis segundos para frequências médias. 

Longa reverberação e mistura indicam que as composições que exigem clareza em qualquer nota ou instrumento específico (até a voz humana) rapidamente se tornam turvas — um concerto ou sinfonia de Mozart, por exemplo, rapidamente desce à cacofonia. “Ouvem-se basicamente três notas, depois barulho e a última nota muito tempo depois”, explica. Cantos gregorianos e música de órgão, no entanto, funcionam muito bem nesse cenário. As reverberações e peculiaridades do espaço representam um desafio para obter medições precisas do perfil acústico do local.

Adicione alguns bits

A modelagem computacional é uma das ferramentas mais importantes do acústico moderno. O som difundido em um espaço de performance pode ser modelado como partículas de luz que saltam em torno do local — como uma bola de bilhar que cai para fora da mesa a depender de como foi atingida pelo taco. Os acústicos podem usar esses modelos para calcular a resposta ao impulso do som. O que é uma resposta impulsiva? Bata palmas dentro de uma igreja ou de uma sala de concertos vazia. Esse é o impulso e os reflexos sonoros ouvidos são a resposta do edifício.

Grave tanto o impulso quanto a resposta e, depois, compare o perfil acústico com uma gravação apenas do impulso de referência. Assim, pode-se ter um modelo das reverberações da sala. Uma vez determinado o campo sonoro de um espaço, é possível simular o som como ele apareceria no ambiente real — o equivalente acústico das técnicas de visualização. Um software específico pode ajudar os consultores a preverem e aperfeiçoarem o design de um espaço para atingir determinado desempenho, com base em vários parâmetros: tamanho e forma da sala, superfícies, materiais e outros recursos de design.

Isso é basicamente o que Katz e seus colegas fizeram para Notre-Dame ao capturar os detalhes da paisagem sonora única da catedral antes do incêndio. Eles montaram uma coleção de microfones 3D omnidirecionais com um microfone de cabeçote falso e alto-falantes estrategicamente posicionados como fontes de som. Isso permitiu que se criasse um mapa sonoro da acústica da catedral com um software de simulação numérica.

Alguns podem se surpreender ao saber que a equipe de Katz fez as medições usando equipamento comercial, em vez de hardware de laboratório. Katz descobriu que os microfones e amplificadores comerciais eram mais estáveis e tinham uma melhor relação sinal-ruído. “Eles se preocupam em ouvir, em vez de apenas ler dados”, diz. “No fim, estamos interessados em ouvir esses modelos.”

O modelo resultante permitiu que os especialistas criassem uma versão de realidade virtual da Notre-Dame com todos os parâmetros acústicos em vigor. Eles depois a usaram para desenvolver o projeto da Orquestra Fantasma, com uma gravação em microfone especial de uma apresentação de “La Vierge” em homenagem ao 850º aniversário da catedral, em 2012.

“Ao alimentar as gravações com as posições apropriadas de fonte no modelo, pudemos recriar a performance acústica desse concerto. Assim, o ouvinte pode se movimentar dentro da catedral para explorar e experimentar a acústica complexa do espaço”, conta. “Dessa forma, pode-se perceber como ela muda à medida que o indivíduo se move.” Há trechos de vídeos em 360° no YouTube: aqui e aqui — lembre-se de usar bons fones de ouvido.

E como Notre-Dame estará fechada pelos próximos cinco anos durante sua reconstrução, a plataforma de concertos virtuais da Orquestra Fantasma é uma saída para quem quer, de alguma forma, desfrutar dos concertos ao vivo que aconteciam lá dentro. 



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