É bem provável que nos últimos dias você tenha ouvido falar muito sobre o Parler, a rede social banida da App Store, da Google Play e dos servidores da Amazon Web Services por ter uma política de moderação de conteúdo leniente com discurso de ódio e incitação à violência e que foi usada por extremistas para planejar a invasão ao Capitólio. Mas é possível que saiba muito pouco sobre a história da companhia e de seu CEO, John Matze.
Em seu perfil no LinkedIn, Matze se descreve como um “engenheiro de software que comanda uma startup de mídia social”. Formado em Ciências da Computação pela Universidade de Denver, no estado do Colorado, Estados Unidos, ele traz no currículo passagens por várias empresas, mas uma em especial chama atenção pela relevância que viria a ter em sua trajetória: a Amazon.
De abril a junho de 2017, Matze diz ter trabalhado na equipe de EBS Snapshot da Amazon Web Services, desenvolvendo uma API para o Elastic Cloud Compute (EC2), um serviço que disponibiliza capacidade computacional em nuvem. Em seu portfólio profissional, ele diz ter sido responsável por alterações no código que afetaram diretamente mais de 10 mil usuários por segundo.
O próprio Matze chama atenção para o fato de sua passagem na empresa ter sido breve. “Saí após três meses. Lugar errado, Seattle”, ressaltou o engenheiro de software, referindo-se à cidade mais populosa do estado de Washington. De fato, sua vida já havia começado a tomar novos rumos a mais de mil quilômetros dali, em Las Vegas, no estado de Nevada.
Laços (matrimoniais) com a Rússia
Foi na cidade desértica e famosa por seus cassinos que, de acordo com o especialista em desinformação e host do TEDxTalks Dave Troy, ele conheceu e iniciou um relacionamento com Alina Mukhutdinova, em 2016. Natural de Kazan, na Rússia, Mukhutdinova estava em uma “road trip” de duas semanas pelos Estados Unidos quando conheceu John Matze.
Em novembro de 2017, o casal viajou para a cidade natal de Mukhutdinova. Lá, os dois se casaram no mês seguinte, sob os olhares de Gulnara Mukhutdinova, mãe de Alina e funcionária do governo russo. Após viajarem pela Rússia e pela Europa, os dois retornaram aos Estados Unidos em 2018.
Em algumas publicações no Parler, Matze fazia questão de ressaltar sua admiração pela pátria da esposa. Em uma das ocasiões, ele criticou um post feito pelo perfil da Casa Branca no Instagram em 2020, relembrando a vitória americana sobre a Alemanha de Adolf Hitler durante a Segunda Guerra Mundial.
“A Casa Branca celebrou o dia da vitória sobre a Alemanha nazista afirmando que somente a América e a Grã-Bretanha venceram a guerra… Aparentemente a publicação online deixou muitos na Rússia com raiva e gerou mais de 48 mil comentários denunciando os Estados Unidos. Um em cada três russos morreu lutando contra os nazis, não devemos esquecer suas contribuições”, comentou Matze.
Ainda em sua série de tuítes sobre o Parler, Dave Troy afirmou que a companhia pertencia a John Matze e à outra empresa, chamada NDMASCENDANT LLC. De acordo com o especialista em desinformação, a NDMASCENDANT tinha ligações com a Greenberg Traurig, antiga firma de advocacia de Rudolph Giuliani, ex-prefeito de Nova York.
Giuliani é um dos advogados pessoais de Trump desde o chamado “Escândalo Trump-Ucrânia”, que revelou a pressão do presidente americano sobre as autoridades daquele país para investigar Joe Biden, então candidato do Partido Democrata à presidência.
Curiosamente, em outubro de 2018, quando o Parler começava a ganhar tração na web, Giuliani esteve na Armênia a convite do empresário Ara Abramyan, segundo a ProPublica. Ao veículo, ele disse ter feito a viagem como “cidadão privado”, mas Abramyan, que reside na Rússia, afirmou durante entrevista a um programa de TV armênio que esperava que o ex-prefeito nova-iorquino levasse uma mensagem sua a Trump.
Ainda de acordo com a reportagem, a viagem teria sido organizada pela companhia TriGlobal Strategic Ventures, da qual fazem parte Abramyan e um ex-ministro do governo russo.
O surgimento do Parler
Em janeiro de 2018, Matze fundou o Parler em parceria com o programador Jared Thomson, também formado em Ciência da Computação pela Universidade de Denver. Sediada em Nevada, a rede social se autointitulava uma plataforma alternativa ao Twitter, com foco em privacidade e liberdade de expressão.
Ao que parece, Thomson não integra mais os quadros do Parler. De acordo com a página da empresa no LinkedIn, o cargo de CTO, que era ocupado por ele, pertence atualmente ao também programador Alexander Blair.
O Parler só começou a ampliar sua base de usuários em dezembro daquele ano, com ajuda de ativistas e figuras públicas alinhadas ao conservadorismo, como a autora e comentarista política Candace Owens. Em um tuíte publicado no dia 10 do referido mês, ela comemorou o crescimento da plataforma.
“Uau. Todo mundo acabou de descobrir o novo Twitter. Só quero dizer que EU FUI A PRIMEIRA CONSERVADORA A ENTRAR”, tuitou a autora. Owens, que é crítica ao movimento Black Lives Matter, comparou a migração dos usuários para o Parler às “underground railroads”, uma rede secreta de rotas usadas por negros para fugir para estados livres durante a época da escravidão.
Invasão conservadora
Até o final de junho de 2020, o Parler abrigava cerca de 1,8 milhões de usuários, de acordo com o The Washington Post. Porém, a situação mudou depois que o Twitter notificou uma publicação do presidente Donald Trump, por violar seus termos de uso pela quinta vez. Em resposta, o senador republicano Ted Cruz divulgou um vídeo anunciando sua ida para o Parler no dia 25 de julho, e convocou seus seguidores a fazer o mesmo.
Em cerca de uma semana, a rede de John Matze ganhou um milhão de novos usuários, entre eles o coordenador de campanha de Trump, Brad Parscale, a porta-voz da Casa Branca, Kayleigh McEnany, e um dos filhos do presidente, Eric Trump.
No dia 3 de novembro, data das eleições nos Estados Unidos, o Parler foi baixado por 980 mil pessoas, de acordo com dados do Sensor Tower. Cinco dias depois, Matze divulgou em seu perfil na rede social que ela havia recebido mais dois milhões de novos usuários.
“Finalmente! As coisas estão se acalmando um pouco no Parler. Estas novas contas nos pegaram de surpresa… Quer dizer, esperávamos mais ou menos um milhão de pessoas hoje… Mas dois? Vocês são loucos”, publicou o CEO da plataforma.
‘Siga o dinheiro’
O Parler começou a chamar muita atenção após sua rápida ascensão, inclusive pelo apelo midiático e político de alguns de seus “garotos-propaganda”. Logo vieram também os questionamentos sobre como a rede social se sustentava financeiramente.
Algumas personalidades conhecidas por seu alinhamento conservador chegaram a divulgar investimentos financeiros feitos na plataforma. Entre eles, o comentarista político Dan Bongino, filiado ao Partido Republicano, e o investidor de criptomoedas Jeffrey Wernick.
“O Parler e eu compartilhamos os mesmos valores. Somos resolutos em nosso compromisso com a liberdade de expressão e o mercado de ideias. Esperamos que você participe desta luta contra os tiranos da tecnologia abrindo uma conta no Parler”, publicou Bongino em seu site pessoal.
Porém, nem só de investimentos pontuais feitos por celebridades e dos patrocínios que elas trazem vive uma plataforma que já abrigava mais de 5 milhões de usuários ativos mensais. Foi então que o The Wall Street Journal revelou o grande nome por trás do Parler: Rebekah Mercer.
‘Investidores com bolsos fundos’
De acordo com o WSJ, fontes próximas a Matze confirmaram o envolvimento de Rebekah Mercer com a rede social pró-conservadorismo. Ela e outros “investidores com bolsos fundos”, como descreve o veículo, são os apoiadores financeiros de Matze na empreitada.
Rebekah é filha do milionário Robert Mercer, um dos principais investidores da firma de consultoria política britânica Cambridge Analytica. A companhia ficou conhecida mundialmente por coletar dados pessoais de 87 milhões de usuários do Facebook e usar a informação para beneficiar as campanhas de Donald Trump e do senador texano Ted Cruz nas eleições de 2016. Em 2018, a empresa entrou com pedido de falência.
Em uma postagem no Parler feita após a reportagem do WSJ, ela confirmou não só seu envolvimento financeiro com a rede social, como também a participação em seu desenvolvimento. “John e eu criamos o Parler para servir como uma plataforma neutra para a liberdade de expressão, como nossos fundadores pretendiam”, publicou Mercer, citando os chamados Pais Fundadores dos Estados Unidos, líderes políticos históricos do país.
Matze respondeu à publicação elogiando e agradecendo a sua investidora. “Bekah é uma grande amiga, uma americana patriota e, o que é mais importante, comprometida com a visão de neutralidade e privacidade de dados do Parler. Somos gratos por seu apoio desde 2018 e sua crença nos fundadores nos permitiu alcançar este patamar. #transparencia”, comentou o CEO do Parler.
O futuro do Parler (e de John Matze)
Com a suspensão de sua hospedagem no Amazon Web Services, o Parler saiu do ar em definitivo. Em entrevista à Reuters, Matze confessou que a rede social pode até ser encerrada permanentemente, mas que não desistiu de tentar. “Sou um otimista. Pode levar dias ou semanas, mas o Parler vai retornar, e quando isso acontecer, seremos ainda mais fortes”, declarou.
De acordo com o especialista em desinformação Dave Troy, a tarefa não será fácil. Para ele, nenhum provedor de hospedagem americano irá aceitar acolher a plataforma, por risco de ser acusado de sedição (crime contra a segurança de um país).
Caso Matze opte por levar o Parler para servidores estrangeiros, a exemplo da Rússia, há a possibilidade de que o CEO seja considerado um traidor da nação. E ainda que isso não ocorra, ele terá que estabelecer um política de moderação de conteúdo que atenda aos termos de serviço da App Store e da Google Play, caso queira que o app retorne às lojas oficiais.
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