Pulsares: os faróis do vasto oceano cósmico

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Pulsares: os faróis do vasto oceano cósmico
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Assim como os faróis guiaram os antigos navegantes em suas aventuras marítimas, ao nos lançarmos pelo imenso oceano cósmico, nossas melhores referências para orientar essa viagem pelo espaço, são os pulsares.

O pulsar é uma estrela de nêutrons, extremamente compacta, que possui uma rotação elevada, produzindo um campo magnético excepcionalmente intenso e que gera um fluxo de radiação emitida a partir de seus pólos magnéticos. Quando esses pólos não coincidem com o eixo de rotação do pulsar, o fluxo de radiação gira e pode ser percebido como um farol cósmico, gerando intensos pulsos de radiação. 

[ Ilustração do efeito de “farol” produzido por um pulsar – Créditos: Michael Kramer ]

Interessante notar que esses fascinantes objetos astronômicos eram desconhecidos da humanidade até 1967, quando a estudante Jocelyn Bell, encontrou estranhos pulsos de rádio vindos de uma região do céu entre as estrelas Vega e Altair. Sem conhecer a natureza do objeto que metia aquele impulso, Bell e seu professor chamaram o fenômeno de LGM, uma abreviação para Little Green Men, que significa “homenzinhos verdes”. A brincadeira fazia referência a uma das possibilidades especuladas na época, de que aquele sinal seria uma tentativa de comunicação de uma civilização alienígena avançada. 

Jocelyn Bell não sabia, mas ela tinha acabado de descobrir uma estrela de nêutrons, um objeto que já havia sido teorizado por astrofísicos décadas antes e que ajudaria a humanidade em sua busca incansável pela compreensão do Universo à nossa volta.

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[ Jocelyn Bell, em 1967, quando era estudante de pós-graduação e descobriu o primeiro pulsar – Créditos: Roger W Haworth ] 

A existência das estrelas de nêutrons foi inicialmente proposta por Walter Baade e Fritz Zwicky em 1934. Elas seriam estrelas super densas compostas principalmente de nêutrons e seriam os corpos resultantes de uma explosão de supernova. Quando estrelas com massa superior a 8 massas solares esgotam o combustível em seu núcleo, elas deixam de gerar a energia que contrabalanceia sua imensa gravidade. Assim, toda a massa da estrela colapsa, como se ela caísse sobre si mesma. A enorme pressão em seu interior faz com que os elétrons de seus átomos sejam comprimidos contra o núcleo até o ponto em que eles se fundem com os prótons formando nêutrons. 

A energia gerada nesse processo gera uma supernova, um dos mais poderosos eventos do Universo, uma explosão colossal que lança no espaço todas as camadas mais externas da estrela, restando apenas um núcleo denso e compacto, chamado de “estrela de nêutrons”. 

Em 1964, antes que qualquer estrela de nêutrons fosse observada, Lodewijk Woltjer propôs que quando colapsam, as estrelas conservam seu fluxo magnético e, como consequência, estrelas de nêutrons deveriam ter um campo magnético extremamente intenso. Pouco tempo depois, mas ainda antes da descoberta dos pulsares, o astrofísico italiano Franco Pacini, sugeriu que uma estrela de nêutrons em rotação com um campo magnético intenso, deveria emitir radiação.

Com o anúncio da descoberta de Jocelyn Bell, Thomas Gold apresentou um modelo de estrela de nêutrons em rotação similar ao de Pacini e argumentou que esse modelo poderia explicar os pulsos de radiação observados por Bell. Não eram homenzinhos verdes, não era a Rádio Interestelar FM transmitindo os maiores sucessos da Galáxia. Era um pulsar!

Vídeo: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/transcoded/b/b7/Pulsar_anim.ogv/Pulsar_anim.ogv.480p.vp9.webm  

[ Animação de um pulsar em rotação. A esfera no centro representa a estrela de nêutrons, as curvas ao seu redor, o campo magnético e os cones cor-de-rosa, os feixes de radiação – Créditos: Jm smits ]

A partir daquela descoberta, grande parte dos radiotelescópios da Terra passaram a procurar e descobrir outros pulsares em nossa galáxia. Esses objetos são tão densos que pulsares com massa 3 vezes maior que o Sol, ocupam apenas algumas dezenas de quilômetros. Seu campo magnético é tão intenso que pode ser trilhões de vezes maior que o do Sol. E giram tão rapidamente que podem completar centenas de voltas em torno de si em apenas um segundo. Pulsares são estranhos… mas são extremamente confiáveis. 

A frequência de emissão de um pulsar é tão regular que eles podem ser utilizados como relógios tão precisos quanto os relógios atômicos. A descoberta dos primeiros exoplanetas só ocorreu graças às variações observadas na frequência de um pulsar no início dos anos 90. 

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[ Pulsar no centro da Nebulosa do Caranguejo registrado pelo Telescópio de Raios-X Chandra (à esquerda) e pelo Telescópio Espacial Hubble (à direita) – Créditos: NASA/CXC/ASU/J.Hester et al.; NASA/HST/ASU/J.Hester et al ]

Os pulsares também são fundamentais para o estudo do meio interestelar. Os gases, a poeira e os elétrons livres dispersos no espaço entre as estrelas podem interagir com a radiação emitida pelos pulsares, provocando pequenos atrasos nas chegada dos pulsos em diferentes frequências do espectro. Esses atrasos podem ser observados e quantificados pelos cientistas, permitindo a medição da densidade do meio interestelar e a detecção de eventuais turbulências causadas por eventos cósmicos próximos. Essa técnica é valiosa para entender a estrutura e a dinâmica do meio interestelar em nossa galáxia e além.

Pulsares orbitando buracos negros também podem ser utilizados para medir a curvatura do espaço-tempo em regiões de intenso campo gravitacional. Seus pulsos seriam afetados pelo efeito de lente gravitacional do buraco negro, o que permite aos cientistas estudar a gravidade naquele local com grande precisão. Os pulsares oferecem uma maneira única de investigar as propriedades dos buracos negros e testar as predições da Teoria da Relatividade Geral de Einstein em condições extremas de gravidade.

Mas pulsares também são um excelente GPS espacial. Os sinais periódicos de raios-X emitidos pelos pulsares podem ser utilizados para localizar uma espaçonave navegando pelo espaço profundo. Assim como no GPS, esse sistema de navegação pelo Cosmos compararia os sinais recebidos com um banco de dados de frequência e localização dos pulsares permitindo uma localização com precisão de 5 km em viagens a trilhões de quilômetros de distância. 

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[ Patch da Missão NICER/SEXTANT que enviou para a Estação Espacial Internacional um experimento para testar as capacidades de um sistema de navegação espacial baseado em pulsares – Créditos: NASA ]

Às vezes, a Ciência é capaz de produzir histórias tão bonitas e fascinantes que são dignas de um poema épico. Os pulsares, que lá no início foram comparados aos farois marítimos graças aos seus feixes giratórios de radiação, agora podem nos ajudar a guiar nossos navegantes espaciais em suas aventuras pelo vasto oceano cósmico. 

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