Brasília — A eventual indicação pelo presidente Jair Bolsonaro do subprocurador-geral da República Antonio Carlos Simões Martins Soares — tido como desconhecido e sem respaldo de colegas — para o cargo de procurador-geral da República pode motivar uma rebelião interna de procuradores, afirmaram à Reuters nesta segunda-feira, 19, dois experientes quadros do Ministério Público Federal (MPF).
Nos últimos dias, o nome de Soares tornou-se um dos principais na bolsa de apostas para o cadeira de sucessor de Raquel Dodge, que fica no cargo até 17 de setembro.
O subprocurador foi um dos cotados que estiveram com o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente. Segundo a assessoria de imprensa do senador, Flávio recebeu-o e repassou suas impressões — assim como a de outros cotados — para que Bolsonaro decida. A assessoria negou que Flávio tenha apadrinhado a indicação — conforme noticiado por veículos de imprensa.
A possível escolha de Soares é vista, segundo dois procuradores que falaram reservadamente, como até pior do que a do subprocurador Augusto Aras, que dias atrás chegou a ser tratado como favorito na disputa. Isso porque, não bastasse ser um nome de fora da lista tríplice feita pela categoria (a exemplo de Aras), ele é visto como um desconhecido dentro da cúpula do órgão, sem participar de conselhos e órgãos, e opinar sobre assuntos que estão na ordem do dia para a carreira, como é o caso da execução da pena após condenação em segunda instância.
A avaliação, dizem as fontes, é que ele cuidou apenas dos processos em seu gabinete e também de demandas pessoais, como questões referentes a vantagens financeiras da própria carreira.
“Ele não vai ser bem recebido não”, disse um importante quadro do MPF, ao afirmar que a sensação interna é de “perplexidade” e confirmar a possibilidade de “rebelião”. Para ele, como exemplo do que poderia ser na prática a rebelião, Soares “não montaria ou teria uma dificuldade imensa” de montar uma equipe para chefiar à Procuradoria-Geral da República.
Bolsonaro tem dito que pretende escolher um procurador-geral da República que seja alinhado com os interesses do seu governo e que não atrapalhe o desenvolvimento do país.
Reportagem recente da Reuters mostrou que, apesar de o indicado pelo presidente para procurador-geral ter o aval para escolher relevantes cargos na estrutura do MPF, não conta com total liberdade para mudar os rumos da atuação independente da carreira, o que na prática impede um alinhamento completo aos ditames do governo.
Os procuradores destacam ainda que a situação do MPF — que, pela Constituição, tem independência funcional e garantias que o blindam de influências externas — é bem diferente das disputas que o presidente tem travado nos últimos dias com a Polícia Federal, a Receita Federal e o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). Ele já anunciou mudanças ou reclamou de ações feitas por esses três órgãos de governo.
“As pessoas às vezes ocupam postos importantes e se acham sobrenaturais, poderosíssimas, com a propensão para controlar tudo. Isso pode valer para PF, Receita e Coaf, mas não tem como fazer isso com procuradores da República”, disse outro experiente procurador.
Esse procurador deu um exemplo para explicar seu argumento: o procurador-geral não tem poder para impedir que um colega da primeira instância em Mato Grosso não vá à Justiça para barrar uma causa que esteja prejudicando índios com base na lei.
“Quem venha com propósitos controladores, vai entrar pelo cano. Isso é um delírio”, completou essa fonte, ao avaliar que no governo Fernando Henrique Cardoso o então procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, pode até não ter levado adiante investigações sobre integrantes do Executivo, mas procuradores da República que atuavam na primeira instância questionaram várias iniciativas daquela gestão na Justiça.
Propósitos pessoais
A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) também se manifestou sobre a escolha para o novo PGR. A entidade afirmou, por meio de nota, nesta segunda, que o próximo procurador-geral não deverá ser indicado pelo presidente por critério de “alinhamento” a ideais defendidos por ocupantes de outros Poderes ou por “propósitos pessoais”.
A entidade também ressaltou que membros do Ministério Público Federal que “não participaram do debate público e não receberam votação para estar na lista tríplice estariam buscando a nomeação por meio de conversas reservadas ocorridas na Presidência da República”. “Não sabemos, nós e a população brasileira, quais são seus planos, ideias e compromissos para comandar a instituição”.
“O PGR exerce, por óbvio, uma função de Estado e não de governo, não podendo ser indicado, por exemplo, em razão de ‘alinhamento’ com os projetos e ideias defendidos por aqueles que compõem quaisquer dos Poderes da República. Tampouco pode-se cogitar que a escolha do PGR possa servir a propósitos pessoais. Qualquer tentativa de interferência indevida tem impacto negativo no combate ao crime, à corrupção, e na garantia dos direitos fundamentais”, diz a entidade.
Segundo a ANPR, os “membros do Ministério Público Federal (MPF) possuem independência funcional, garantia imprescindível ao exercício de suas relevantes atribuições sem interferências externas”. “O tributo à independência e à autonomia do MPF se concretiza, também, com o respeito às escolhas da classe. Um PGR com legitimidade interna, que tenha exposto opiniões e ideias em público, é fundamental para o atingimento dos fins constitucionais da instituição e para os objetivos da República Federativa do Brasil”.
“Em maio e junho deste ano, a ANPR conduziu processo transparente por meio do qual 10 candidatos a PGR se submeteram a ampla avaliação pública, em seis debates abertos ocorridos em todo o país, quando puderam externar, com absoluta transparência ideias e projetos para conduzir esta que é uma das instituições mais importantes do país. Tudo devidamente acompanhado pela imprensa e pela sociedade”, afirmam.
A entidade voltou a defender a escolha de um dos nomes da lista tríplice para o cargo.
“Legitimidade, liderança e independência funcional são requisitos indispensáveis para aqueles que almejam ocupar o cargo de PGR. A lista tríplice, formada por votos de 82,5% da categoria em processo democrático e transparente, é mecanismo que garante um PGR independente, agregador e comprometido exclusivamente com a Constituição da República. Percebe-se que não há motivos transparentes para recusar, ao mesmo tempo, as três lideranças institucionais apresentadas na lista tríplice”, diz a ANPR.
Leia a nota
“Brasília (19/08/2019) – A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) vem a público expor o seguinte:
Os membros do Ministério Público Federal (MPF) possuem independência funcional, garantia imprescindível ao exercício de suas relevantes atribuições sem interferências externas. O tributo à independência e à autonomia do MPF se concretiza, também, com o respeito às escolhas da classe. Um PGR com legitimidade interna, que tenha exposto opiniões e ideias em público, é fundamental para o atingimento dos fins constitucionais da instituição e para os objetivos da República Federativa do Brasil.
Em maio e junho deste ano, a ANPR conduziu processo transparente por meio do qual 10 candidatos a PGR se submeteram a ampla avaliação pública, em seis debates abertos ocorridos em todo o país, quando puderam externar, com absoluta transparência, ideias e projetos para conduzir esta que é uma das instituições mais importantes do país. Tudo devidamente acompanhado pela imprensa e pela sociedade.
No fim desse processo, três candidatos foram incluídos na lista tríplice: Mário Bonsaglia, Luiza Frischeisen e Blal Dalloul, todos com longa folha de serviços prestados ao país e dotados das maiores qualidades, como o conhecimento jurídico, a grande capacidade de diálogo interno e externo, a ponderação e o compromisso com os valores institucionais. Ademais, a lista tríplice representa estabilidade institucional, o que favorece ambiente para que nosso país possa progredir em seu enorme potencial.
Nas últimas semanas, o noticiário nacional veicula que diversos membros do MPF, que não participaram do debate público e não receberam votação para estar na lista tríplice, estariam buscando a nomeação por meio de conversas reservadas ocorridas na Presidência da República. Não sabemos, nós e a população brasileira, quais são seus planos, ideias e compromissos para comandar a instituição.
O PGR exerce, por óbvio, uma função de Estado e não de governo, não podendo ser indicado, por exemplo, em razão de “alinhamento” com os projetos e ideias defendidos por aqueles que compõem quaisquer dos Poderes da República. Tampouco pode-se cogitar que a escolha do PGR possa servir a propósitos pessoais. Qualquer tentativa de interferência indevida tem impacto negativo no combate ao crime, à corrupção, e na garantia dos direitos fundamentais.
Legitimidade, liderança e independência funcional são requisitos indispensáveis para aqueles que almejam ocupar o cargo de PGR. A lista tríplice, formada por votos de 82,5% da categoria em processo democrático e transparente, é mecanismo que garante um PGR independente, agregador e comprometido exclusivamente com a Constituição da República. Percebe-se que não há motivos transparentes para recusar, ao mesmo tempo, as três lideranças institucionais apresentadas na lista tríplice.
A Associação Nacional dos Procuradores da República destaca que a classe está inteiramente mobilizada, em todo o país, para defender esses princípios fundamentais – previstos não em benefício da carreira, mas sim da atuação independente e republicana desta que é uma das instituições mais importantes do país.
Diretoria da Associação Nacional dos Procuradores da República”
(Com Reuters e Estadão Conteúdo)
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