A temporada de balanços do primeiro trimestre começou em abril com um alto nível de otimismo cercando o varejo. As boas expectativas incluíam o setor de supermercados, que pôde se manter aberto no mundo físico em meio à pandemia do novo coronavírus. O segmento também viu, em março, uma corrida aos supermercados para estocar comida antes do isolamento social, iniciado no fim daquele mês.
Mas este movimento não foi o suficiente para fazer com que os resultados do primeiro trimestre de Carrefour e Grupo Pão de Açúcar (GPA), as duas maiores redes supermercadistas do Brasil, ficassem alinhados com as projeções dos investidores, mais otimistas do que os resultados se mostraram em relação à lucratividade.
As empresas divulgaram seus balanços nesta semana. O Carrefour reportou faturamento de 14,4 bilhões de reais, alta de 12%. As vendas em março, quando a pandemia chegou ao Brasil, subiram mais de 20%. A empresa tem a frente de multivarejo, com os supermercados de mesmo nome, e o Atacadão. As vendas totais cresceram 9% no multivarejo e 13% no Atacadão.
Ainda assim, o lucro líquido ficou em 401 milhões de reais, 1,2% abaixo do mesmo período de 2019. A projeção do banco BTG Pactual era de 463 milhões de reais. A margem bruta ficou em 21,6%, ante 22,3% no primeiro trimestre de 2019.
“O crescimento das vendas reflete nossa capacidade de atender um aumento da demanda em março em todos os formatos e canais. Registramos uma rentabilidade muito resiliente, apesar de maiores custos, visando garantir a saúde e a segurança dos nossos colaboradores e clientes”, escreveu o presidente do Carrefour, Noël Prioux, em comunicado no balanço.
Já no GPA, o faturamento foi de 14,6 bilhões de reais, alta de 15% ante o mesmo período de 2019. Mas o GPA teve prejuízo de 65 milhões de reais, após ter tido lucro de 164 milhões no primeiro trimestre de 2019. A projeção dos analistas era de lucro. A margem bruta também caiu de 22% para 20%.
Um dos pontos que prejudicaram o balanço do GPA, segundo a própria empresa e os analistas, foram os custos de aqusição do grupo Éxito, comprado em novembro de 2019, e o maior custo e alavancagem da dívida. A empresa afirma que, se fossem descontados estes fatores, o lucro líquido ajustado teria sido de 65 milhões de reais.
Como no Carrefour, um destaque positivo foi o braço de atacado, o Assaí, cujas vendas brutas subiram 24% com abertura de 40 lojas nos últimos 24 meses. A margem bruta do Assaí caiu 0,3 ponto percentual, para 16%, mas menos do que a margem no multivarejo, que teve queda de 3,5 pontos, para 25%. As vendas no multivarejo, que inclui os supermercados das marcas Pão de Açúcar e Extra, também subiram menos, 6%.
“Era uma perda de margem que já vinha acontecendo no quatro trimestre, então eles começaram o ano com margem fraca e maior inflação alimentícia. Gradualmente a margem foi se recuperando, mas impactou o trimestre”, diz Antonio Castrucci, analista do Banco Plural que cobra o GPA.
As empresas dizem que também precisaram aumentar o estoque e renegociar contratos para atender à demanda na pandemia. Cada rede contratou 5.000 funcionários. O Grupo Carrefour Brasil terminou março com 698 lojas. O GPA fechou com 1.072 lojas. O GPA disse no balanço que “reafirma seu plano de expansão, conversão e reforma de lojas” mas que eventuais adiamentos podem ocorrer diante do coronavírus.
“A nossa estratégia de longo prazo não mudou, mas tivemos que fazer alguns ajustes em meio a esse cenário desafiador jamais observado”, afirmou o presidente do GPA, Peter Estermann, em teleconferência nesta quinta-feira, 14, para discutir os resultados trimestrais.
O resultado foi ruim?
A leitura dos analistas ouvidos pela EXAME é de que houve um otimismo excessivo com relação aos supermercados, o que, em vista dos resultados não tão animadores, fez as ações caírem. Desde o começo da semana, o Carrefour acumula baixa de 8,8% na B3. O GPA, de 9,2%.
Bruno Lima, analista de renda variável do Exame Research (casa de análise de investimentos da EXAME), afirma que é um momento de cautela no mercado e os investidores estão preferindo papéis com resultados mais certeiros, como empresas exportadoras e as varejistas com forte presença no e-commerce. É o que explica altas, por exemplo, de nomes como a varejista especializada em e-commerce B2W, controlada pelas Lojas Americanas e que foi a ação que mais subiu em abril na B3.
O papel do GPA, apesar do resultado desta semana, foi mantido na carteira recomendada de Lima. “Ainda estamos vendo com bons olhos o setor de supermercado. Talvez o mercado como um todo tenha esquecido um pouco essa discussão das margens, que já estava posta no começo do ano. Mas o operacional das duas redes [Carrefour e GPA] não foi ruim”, diz Lima. “E o que vemos é que o resultado do atacado foi muito bem, obrigada. O multivarejo teve mais desafios”, diz.
Além dos problemas históricos do multivarejo, como margens apertadas, os braços financeiros de Carrefour e GPA também sofrem uma desaceleração no fim de março diante da projeção de alta na inadimplência durante a pandemia — o mesmo fator que fez os grandes bancos brasileiros aumentarem os gastos com a expectativa de calote.
Para os próximos trimestres, a expectativa é que o setor se mantenha sólido. O fato de os produtos vendidos serem majoritariamente bens essenciais, como alimentos e produtos de limpeza, pesa nessa conta. Com o mundo em recessão, projeção de queda de mais de 6% na economia brasileira e uma taxa de desemprego que deve superar os atuais 12%, a tendência é que o consumo sofra retração. Ganham os produtos essenciais, que continuarão sendo adquiridos mesmo diante da crise.
O segundo trimestre em particular também deve mostrar tanto uma melhora nas margens que começaram o ano em baixa quanto na corrida aos mercados diante da pandemia. O isolamento social no Brasil começou majoritariamente no fim de março, de modo que os meses de abril e maio devem ter maior impacto do maior comportamento do consumidor neste período.
De acordo com dados da Associação Paulista dos Supermercados (Apas), a semana do dia 23 de março registrou alta de 10,9% nos supermercados; a semana seguinte, de 9,8%; depois, um avanço de 27,1% na primeira semana de abril. Essa corrida para abastecer a despensa pode ajudar nos resultados do segundo trimestre.
E-commerce ainda pequeno
Com metade da população brasileira em quarentena, investidores também esperavam os resultados do trimestre para verificar como havia se saído o e-commerce das redes supermercadistas em meio à pandemia. O segmento de alimentos e bebidas teve alta de 44% nas vendas online em março na comparação com 2019, segundo dados da empresa de inteligência Compre&Confie. Em abril — com resultados que ainda não aparecem no balanço das empresas, a alta foi de 295% na categoria.
É uma alta significativa, embora ainda saindo de uma base pequena. Em março deste ano, mesmo com o crescimento, o segmento de alimentos e bebidas respondeu por somente 1,5% da receita do e-commerce brasileiro, segundo a Compre&Confie. Há ainda desafios logísticos grandes, como a capacidade de entregar alimentos não perecíveis e os altos custos de frete — que, para produtos baratos como os alimentos, podem não compensar a compra online para o consumidor.
No GPA, o e-commerce do multivarejo cresceu 82% no primeiro trimestre, chegando a 3% do faturamento do multivarejo (e 7% na marca Pão de Açúcar). No trimestre, a empresa inaugurou dois novos centros de distribuição e os sites das marcas Pão de Açúcar e Extra mais que dobraram em acessos. O James Delivery, app de entrega de supermercados comprado pelo GPA no ano passado, foi de 19 cidades em março para 25 em maio, segundo a empresa. As vendas no primeiro trimestre cresceram oito vezes.
No Carrefour, que vende no e-commerce também produtos diversos (como eletrônicos), o braço de varejo alimentar online triplicou, para 84,8 milhões de reais em vendas totais. A empresa diz que recebeu, em um único dia de março, mais de 4.000 pedidos online, ante cerca de 1.600 em todo o primeiro trimestre de 2019.
A pandemia deve trazer aprendizados e crescimento para o setor no e-commerce, como mostra uma das reportagens de capa da EXAME em abril. “Existem desafios complexos na logística de venda online de alimentos, então não é rapidamente que vai virar a maior fonte de receita. Mas já são mais de 800 milhões de reais em vendas nessas redes. Não é pouca coisa e tende a crescer”, diz Lima, da Exame Research. Parte dos resultados desse movimento devem se mostrar nos próximos balanços, tanto no online quanto nas lojas físicas.
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