Parlamentares e convidados criticaram nesta quarta-feira (4), na Câmara dos Deputados, a postura do presidente Jair Bolsonaro e do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, diante do aumento das queimadas e do desmatamento na Amazônia brasileira.
A avaliação dos participantes de uma comissão geral que discutiu a preservação e a proteção da região é a de que o governo se porta com descaso pelo problema.
Uma das críticas veio do representante do Greenpeace Brasil, Marcio Astrini. Ele acusou o governo de desfazer políticas anteriores de preservação que deram certo.
“Todos os discursos do presidente da República são para dizer que os dados são falsos, os cientistas mentem, o satélite é comunista, as ONGs estão na Amazônia tacando fogo, os indígenas são responsáveis por uma área que não merecem.”
Nas palavras do deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), um dos parlamentares que sugeriram a sessão, Bolsonaro tem espalhado ódio e, no lugar da construção, tem optado pela destruição.
“Bolsonaro e Salles infelizmente parecem comprometidos com a destruição da Amazônia e a dizimação de povos indígenas, colocando em risco as exportações, a economia brasileira”, declarou.
Outro que sugeriu a comissão geral, o deputado Raul Henry (MDB-PE) considerou as queimadas um dos maiores desastres ambientais do Brasil e disse que elas têm “nome e sobrenome”.
“Chama-se Jair Bolsonaro, que, com suas declarações estapafúrdias e inconsequentes, incitou a atuação de grileiros que têm devastado a Amazônia. O presidente, depois do estrago feito, reconheceu que só tem queimada onde tem desmatamento. Quanto ao ministro do Meio Ambiente, esperávamos que procurasse amenizar esse desastre”, reclamou.
Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o número de queimadas na região passou de 10,4 mil em agosto de 2018 para 30,9 mil no mesmo mês de 2019. O recorde anterior foi em 2010, quando foram registrados 45 mil focos de incêndio na Amazônia brasileira.
Desmatamento
Na comissão geral, especialistas explicaram que os incêndios na região estão relacionados ao desmatamento, o que prejudica o equilíbrio climático do mundo e do Brasil.
Segundo o pesquisador Paulo Brando, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), uma única árvore grande derrubada na região pode deixar de bombear para a atmosfera de 300 a 500 litros de água que é retirada do solo, esticando a estação seca e aumentando os riscos de queimadas.
“Quando a gente reduz a capacidade desse sistema de bombear água para a atmosfera, a gente aumenta a temperatura”, concluiu.
Entre os motivos para manter a Amazônia de pé, Alessandro Molon citou o valor maior da região preservada do que arrasada. “A Amazônia não precisa ser desmatada para a expansão do agronegócio. O desmatamento gera desemprego. A preservação garante empregos de qualidade. O desmatamento afeta negativamente a produção”, comparou.
Em defesa dos produtores rurais, o assessor de Assuntos Socioambientais do Ministério da Agricultura, João Adrien Fernandes, disse que um problema a ser combatido na Amazônia é a ilegalidade fundiária.
“Nós temos hoje na Amazônia 60 milhões de hectares que estão entre terras devolutas, terras não destinadas, e nós precisamos urgentemente da sua regulamentação”, contabilizou. Os produtores, afirmou ele, estão preocupados em proteger para manter sua imagem.
Já o deputado General Peternelli (PSL-SP) disse que o debate deveria focar no que há de área preservada da Amazônia, em vez de destacar as queimadas. “Temos uma Amazônia com mais de 85% de sua área intocadas, biodiversidade preservada, cultura indígena”, ressaltou.
Planejamento
Representantes da região na comissão geral pediram mais presença do Estado na Amazônia. O presidente do PV no Pará, José Carlos Lima da Costa, defendeu o planejamento do território amazônico e a implantação de um programa de reflorestamento, a fim de gerar empregos na Amazônia, em parceria com Embrapa, ICMBio e organizações não governamentais.
Por sua vez, o secretário de Meio Ambiente do Amazonas, Eduardo Costa Taveira, disse que a hora é de o Brasil pensar o que quer da Amazônia, porque hoje um hectare de floresta derrubada vale mais do que um hectare em pé.
“Em quanto a região é remunerada pelos serviços que ela presta? Quanto que as populações responsáveis pela conservação da floresta recebem pelos serviços ambientais prestados? Manter a floresta em pé também é uma decisão econômica. Construir essa decisão é dar garantias à população, a 20 milhões de brasileiros que teriam melhoria da qualidade de vida”, afirmou.
Projeto de lei
A Câmara aprovou, na terça-feira (3), o Projeto de Lei 312/15, do deputado Rubens Bueno (Cidadania-PR), que cria a Política Nacional de Pagamento por Serviços Ambientais, destinada a ajudar produtores, indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais a conservar áreas de preservação. A proposta será enviada ao Senado.
Na avaliação do presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara, deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP), que também sugeriu o debate, falta ainda combater a impunidade.
Quem também pediu punição foi a presidente da Comissão Nacional de Direito Ambiental da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Marina Gadelha.
“Temos notícias de um dia do fogo. Esses fatos são reais? Se são reais, quem são os responsáveis? Essas pessoas precisam ser responsabilizadas, devem fazer a recomposição de áreas degradadas ou pagar indenização”, sugeriu.
Polícias e ministérios públicos, disse ela, devem iniciar a investigação. Marina Gadelha defendeu ainda o fortalecimento dos órgãos ambientais, com a capacitação de seus servidores.
Ao longo da sessão, diversos deputados destacaram também a importância da soberania brasileira neste momento e disseram que essa soberania passa pela proteção da Amazônia.
Carta
Durante a comissão geral, Dom Evaristo Spengler, bispo da Rede Eclesial Pan-Amazônica, entregou aos parlamentares, uma carta escrita pelos bispos da Amazônia brasileira, em preparação para o Sínodo da Amazônia, que ocorrerá em outubro em Roma.
“A Amazônia é um território em disputa por diferentes visões de mundo. Modos diferentes de tratar a economia. De um lado, povos tradicionais, indígenas, quilombolas e ribeirinhos. De outro lado, o agronegócio, as madeireiras, os mineradores. Esse modelo de confronto está em todos os lugares. Nós estamos do lado dos fracos”, afirmou Dom Evaristo.
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