Opinião: O que a diplomacia brasileira pode aprender com as comunidades árabes e judaica no Brasil

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No velho centro comercial do Rio do Janeiro há uma centenária tradição de convivência entre as comunidades árabe e judaica que tem lições importantes para a política externa brasileira no Oriente Médio nestes tempos de turbulências e polarizações em casa e no exterior.

As relações cordiais entre imigrantes sírios, libaneses e judeus de várias nacionalidades foi construída não só com base no interesse comum de promoção do comércio local, mas também em certas práticas de respeito mútuo e de autocontrole na expressão de opiniões políticas. Os lojistas idosos da rua da Alfândega gostam de contar histórias sobre como evitavam conflitos abstendo-se de demonstrações de alegria ou tristeza pelas vitórias e derrotas dos exércitos que lutavam as guerras no Oriente Médio. Jerusalém, as Colinas de Golã e o Sinai mudavam de mãos, mas ninguém levantava bandeiras, cantava hinos ou gritava slogans.

A percepção dos comerciantes árabes e judeus é que os valores da comunidade que formavam no Brasil eram mais importantes do que os ecos dos conflitos longínquos, por mais importantes que tais batalhas pudessem ser em suas vidas pessoais e visões de mundo. Muitos deles eram pessoas que haviam escapado de situações traumáticas de ditaduras, massacres e perseguições, de terem sido minorias discriminadas em regimes que iam do império otomano à Alemanha nazista. Sabiam que a política com frequência corteja a tragédia e que o véu da civilização é frágil, e uma vez rompido, difícil de ser novamente cerzido.

O comércio entre o Brasil e os países do Oriente Médio

O presidente Jair Bolsonaro viajou para Israel com o objetivo de consolidar a aproximação com o país e torná-lo parceiro preferencial na política externa brasileira para o Oriente Médio. O desejo agrada a base evangélica onde teve quase 70% dos votos e também se adequa à sua busca por um relacionamento especial com os Estados Unidos. Mas esbarra em uma série de obstáculos ligados aos interesses econômicos e políticos do Brasil na região.

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Mercosul e Israel assinaram acordo de livre comércio em 2010, mas o intercâmbio é pequeno em contraste com os países árabes e o Irã, que são importantes mercados para a carne brasileira. Em 2018 a soma das importações e exportações entre as brasileiros e israelenses foi de cerca de US$1,5 bilhão. O Brasil vendeu para Israel sobretudo carne, soja e suco de laranja e importou cloreto de potássio, fertilizantes e herbicidas.

Com as demais nações do Oriente Médio, o total foi de aproximadamente US$15 bilhões, concentrados nos negócios com Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Irã e Iraque. As exportações brasileiras foram de carnes, soja, milho e minério de ferro; as importações, de petróleo e combustíveis.

Bolsonaro havia anunciado a intenção de reconhecer Jerusalém como a capital de Israel e lá instalar a embaixada brasileira, seguindo o exemplo de Donald Trump – algo que foi imitado apenas pela Guatemala. A razão das objeções do resto do mundo é a disputa internacional pelo status da cidade, sagrada para judeus, cristãos e muçulmanos. A ONU nunca conseguiu definir quem tem a soberania sobre Jerusalém.

Ameaças de retaliação por parte da Liga Árabe e pressões do agronegócio levaram o presidente a recuar e declarar que haverá apenas um “escritório de negócios” na cidade – medida inusitada, pois essa instituição em geral só existe quando não há relações diplomáticas plenas, como no caso do Brasil e Taiwan. A representação terá funcionários de fora do Itamaraty e aparentemente se configura como um elo direto entre o Palácio do Planalto e a política doméstica israelense. É um arranjo confuso que corre o risco de provocar muitas disputas.

A Diplomacia do Brasil para os conflitos do Oriente Médio

A tradição diplomática do Brasil no Oriente Médio desde a década de 1940 tem sido a de defender a solução pacífica para os conflitos da região, dialogar com todos os principais atores políticos e apoiar tanto a criação de Israel quanto a de um Estado palestino. Militares brasileiros participaram de missões de paz no Canal de Suez e no Líbano, o Brasil ofereceu refúgio a milhares de sírios e centenas de palestinos e tentou mediar um acordo internacional para manter o programa nuclear do Irã restrito a usos pacíficos.

Os momentos de estabilidade serviram bem aos interesses do país, criando oportunidades para a expansão de negócios. As guerras trouxeram catástrofes humanitárias e prejuízos econômicos, como a perda do expressivo mercado do Iraque, que nas décadas de 1970-80 chegou a ser um dos maiores parceiros comerciais brasileiros.

O Brasil nem sempre manteve o equilíbrio nessas complexas relações diplomáticas. Na ditadura, o governo de Ernesto Geisel apoiou a controversa resolução da Assembleia Geral da ONU que considerava o movimento sionista israelense como racista, e que as Nações Unidas só a revogaram em 1991. Poucos presidentes brasileiros visitaram Israel – além de Bolsonaro, só Lula esteve no país. Os interesses junto aos árabes e iranianos com frequência fizeram o Brasil ser mais crítico às violações de direitos humanos cometidas pelos israelenses do que por aquelas de outros governos e movimentos políticos na região.

Há espaço para maior cooperação com Israel, que pode trazer benefícios para o Brasil em áreas diversas como comércio, investimentos, ciência e tecnologia, agricultura e educação. Contudo, esse movimento de aproximação deve ser feito com cautela, diante do difícil quadro geopolítico atual.

Desde a queda do império otomano na Primeira Guerra Mundial, o Oriente Médio não teve sequer uma década de paz. Os últimos anos estão entre os mais turbulentos da história moderna da região, com as revoltas da Primavera Árabe, as catástrofes humanitárias das guerras na Síria e no Iêmen, a ascensão e queda do Estado Islâmico e as tensões entre Irã e Arábia Saudita pela liderança regional. O conflito árabe-israelense persiste, ainda que em segundo plano diante das tensões recentes.

Cada um desses conflitos tem sua própria geometria de aliados e inimigos. Não há uma fórmula pré-definida para lidar com essa situação e o Brasil deve evitar os riscos de alianças rígidas que engessem a capacidade diplomática de responder a crises. Esses desafios requerem sensibilidade mais característica das estratégias de convivência da rua da Alfândega do que de uma cruzada ideológica junto ao Muro das Lamentações.

Maurício Santoro é doutor em Ciência pelo Iuperj, professor do Departamento de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.



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