Já virou chavão dizer que o coronavírus alterou drasticamente processos e acelerou mudanças em prol da digitalização de relações profissionais e, claro, humanas. E a mudança de cotidiano vem chegando aos bancos. Nesta segunda-feira, 4, o Banco Central (BC) anunciou o avanço dos processos para a regulamentação do open banking no país. Na prática, consiste em dar vazão e publicidade a dados bancários de clientes, que permitirá maior transparência e acesso da população a produtos e serviços bancários, como facilitará a realização de transferências e pagamentos. O Ministério da Economia destinou 45,5 milhões de reais para o Banco Central operacionalizar a instalação do sistema. Em voga desde a gestão de Ilan Goldfjain no comando da instituição, o BC acelerou a agenda de digitalização e combate à concentração bancária desde a posse de Roberto Campos Neto, no início de janeiro do ano passado. Agora, a instituição estima que a convenção esteja estabelecida até 30 de novembro deste ano, com implementação total do open banking até outubro de 2021 no país. Além de dar ao cidadão a “posse” de seus dados, o conceito permitirá que instituições bancárias tenham maior acesso a informações, como as de consumo e de adimplemento dos clientes, o que permitirá o maior acesso a ofertas de crédito e de financiamento, por exemplo. Mas os efeitos indiretos podem ser ainda mais positivos para a economia brasileira como um todo.
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Os cinco maiores bancos comerciais do país (Bradesco, Itaú, Santander, Caixa e Banco do Brasil) concentram 85% de todas as operações feitas no país. E a falta de concorrência é um dos principais motivos para a restrição ao crédito e para a cobrança de altas taxas de juros. “A regulamentação do open banking vai facilitar os empréstimos e colocar nosso país em um patamar diferente”, diz Carlos Thadeu de Freitas Gomes, ex-diretor do Banco Central. E, além de facilitar a obtenção de crédito e empréstimos de forma mais barata e rápida, a consolidação do sistema aberto de informações promete aumentar a tímida pressão das carteiras digitais e fintechs sobre as instituições bancárias. “O cliente poderá fazer transações sem passar pelo sistema bancário, o que vai facilitar muito as operações por parte daqueles que não têm contas nos bancos”, afirma o ex-diretor do BC. As instituições digitais poderão, por exemplo, ofertar crédito sem a necessidade de estar vinculadas a uma instituição bancária tradicional. Segundo pesquisa do Instituto Locomotiva, em agosto do ano passado, o Brasil tinha 45 milhões de desbancarizados, cujo acesso a operações e pagamentos será facilitado com a descentralização das operações pelos bancos. Isso permitirá que empresas de tecnologia ponham em prática sistemas de transações financeiras descentralizadas das instituições bancárias tradicionais.
O Banco Central argumenta que o open banking será uma arma para combater os altíssimos juros cobrados pelos bancos. O spread bancário brasileiro — a diferença entre as taxas cobradas pelos bancos para obter e conceder empréstimos — é o segundo mais altos do mundo, atrás apenas de Madagascar. A principal justificativa dos bancos para cobrar taxas tão altas é o índice de inadimplência, o que, com a maior transparência sobre os hábitos bancários dos brasileiros, pode cair por terra. E, dada a situação desesperadora para pessoas físicas e jurídicas por causa da pandemia, a concessão de crédito e empréstimos se tornou algo latente para a sobrevivência de muitos negócios e a manutenção da economia respirando. Apesar disso, 60% dos pequenos negócios que buscaram empréstimo desde a chegada da doença ao país tiveram os recursos negado pelos bancos, segundo uma pesquisa do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas, o Sebrae. Como apontam as políticas emergenciais do governo durante a pandemia, os pequenos e médios negócios e trabalhadores informais são os mais afetados pela paralisação das atividades. Com a regulamentação deste sistema de dados abertos, o acesso a produtos e a consolidação dos pagamentos pela internet permitirão que os empreendedores mantenham, mesmo que remotamente, seus negócios com muito mais facilidade.
Conforme a crise econômica se aprofunda no país — economistas consultados pelo BC preveem um tombo do PIB da ordem de 3,76% este ano —, a evolução do sistema bancário se mostra cada vez mais importante. Um exemplo: apesar das novas dificuldades impostas pela pandemia sobre a população, as taxas de juros subiram no país em março. Enquanto a taxa básica de juros, a Selic, está nos menores patamares já registrados na história, de acordo com levantamento da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade, a Anefac, todas as linhas de crédito para pessoas físicas e jurídicas pesquisadas pela instituição tiveram suas taxas de juros elevadas no mês. A associação aponta como fatores para que isso ocorra a “provável recessão econômica”, além do aumento do desemprego e da elevação risco de credito com queda da renda das famílias e quebra de empresas. “Tudo isto aumentou substancialmente o risco do crédito fazendo com que as instituições financeiras tivessem aumentado suas taxas de juros em um ambiente de provável elevação dos índices de inadimplência tanto das pessoas jurídicas bem como das pessoas físicas”, aponta o relatório.
Segundo o BC, a implementação será dividida em cinco etapas: 1) a instituição garantirá o acesso ao público a dados de instituições sobre canais de atendimento e produtos e serviços relacionados com contas de depósito à vista ou de poupança, contas de pagamento ou operações de crédito; 2) começará o compartilhamento entre instituições participantes de informações de cadastro de clientes e de representantes, bem como de dados de transações dos clientes acerca dos produtos e serviços; 3) a instituição planeja iniciar o compartilhamento do serviço de iniciação de transação de pagamento entre instituições participantes; 4) o serviço de encaminhamento de proposta de operação crédito entre instituição financeiras e correspondentes no País; 5) por fim, expandir o escopo de dados para abranger, entre outros, operações de câmbio, investimentos, seguros e previdência complementar aberta, tanto no que diz aos dados acessíveis ao público quanto aos dados de transações compartilhados entre instituições participantes. É um bom começo.
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