Genebra – A guerra comercial entre EUA e China pode render um aumento de mais de US$ 10,5 bilhões para as exportações brasileiras. Mas a situação também pode afetar a competitividade de certos setores de alimentação que usam a soja domesticamente como insumos. Isso é o que prevê a Organização das Nações Unidas (ONU), em um novo levantamento que tenta mapear quem ganharia e quem perderia com a tensão inédita entre Pequim e Washington.
A constatação é de que, longe de criar o resultado que o presidente Donald Trump espera, as barreiras apenas farão com que os bens chineses sejam trocados por bens de outros países. E não por produtos fabricados nos EUA, como a campanha da Casa Branca prometia.
De acordo com o estudo liderado pela Conferência da ONU para o Comércio e Desenvolvimento (Unctad), quem mais ganharia com a proliferação de tarifas nos EUA e China seriam os europeus, que têm um potencial de capturar US$ 70 bilhões nesse novo cenário. US$ 50 bilhões viriam do espaço que ocupariam no mercado americano substituindo os produtos chineses. O restante viria de um melhor acesso ao mercado chinês, desta vez substituindo os produtos americanos.
Os cálculos ainda mostram que Japão, México e Canadá teriam um aumento de exportações de US$ 20 bilhões. Ainda que os dados sejam pequenos diante do total do comércio global, a ONU aponta que, em certos países, os ganhos seriam importantes. No caso do México, a alta seria de US$ 27 bilhões, o que representaria 6% de todas as vendas do país.
As tensões começaram a se tornar realidade no início de 2018, quando a China e EUA impuseram um total de barreiras que atingiram US$ 50 bilhões de cada uma das duas economias. “A confrontação rapidamente escalou e, em setembro de 2018, os EUA impuseram 10% de tarifas cobrindo US$ 200 bilhões de importações chinesas”, indicou a agência. Pequim respondeu com uma retaliação contra produtos americanos no valor de US$ 60 bilhões.
As barreiras entrariam em vigor em janeiro de 2019. Mas foram adiadas para o dia 1 de março, na esperança de que haja um “acordo de paz” entre as duas potências.
De acordo com o estudo, 82% das exportações chinesas que serão alvo de tarifas serão substituídas por produtos vindos de outros países. Pequim irá manter apenas 12% desse total de US$ 250 bilhões. O que o levantamento mostra ainda é que apenas 6% do fluxo de produtos chineses será de fato substituído por produtos americanos.
Trump, ao longo de sua campanha presidencial, havia indicado a diferentes setores americanos de que sua política comercial teria como foco gerar empregos nos EUA e proteger setores que estavam sendo ameaçados pelos chineses. “As barreiras não irão beneficiar empresas americanas”, declarou a agência. Ironicamente, a China será em parte substituída por produtos mexicanos.
Algo similar ocorrerá no mercado chinês. Dos US$ 85 bilhões de produtos americanos afetados pelas tarifas de Pequim, 85% serão substituídos por bens de outros países. As empresas americanas conseguiriam se manter em apenas 10% dos casos, enquanto os bens chineses vão substituir a importação em apenas 5% do fluxo. De acordo com o estudo, tal constatação é “consistente” em diversos setores, entre eles o do máquinas, produtos de madeira e moveis, equipamentos de comunicação, produtos químicos e instrumentos de precisão.
“O efeito das tarifas entre EUA e China seria principalmente a de causar uma distorção”, explicou Pamela Coke-Hamilton, autora do estudo. “O comércio entre os dois países irá cair e será substituído por um comércio vindo de outros países”, completou.
Brasil
No caso do Brasil, o país seria a oitava economia a registrar maiores ganhos, com uma alta de US$ 10,5 bilhões nas exportações, o que representaria um aumento de 3,8% nas exportações nacionais. A estimativa é de que 80% desses ganhos viriam das tarifas que Donald Trump colocaria sobre os produtos chineses, permitindo que o Brasil ocupe uma certa fatia do mercado americano.
Com uma tarifa extra de 25%, o Brasil ganharia fatias importantes do mercado dos EUA até agora ocupado pelos chineses. Os principais setores seriam os de semimanufaturado e siderúrgicos, que, ao longo dos últimos 20 anos, perderam terreno para produtos asiáticos.
No setor de máquinas, por exemplo, a perspectiva é de um ganho de US$ 3 bilhões nas vendas aos EUA, além de US$ 1 bilhão no setor do aço. O Brasil ainda ganharia US$ 800 milhões em equipamentos de comunicação no mercado americano, além de outros US$ 800 milhões em instrumentos de precisão e US$ 570 milhões em móveis e produtos de madeira.
Juntos, esses setores representariam ganhos de US$ 8,5 bilhões, muito superiores ao que o Brasil poderia obter com a China, de pouco menos de US$ 2 bilhões. No caso do mercado de Pequim, os principais ganhos do Brasil viriam de um maior acesso para produtos químicos, no valor de US$ 800 milhões, além de acesso a produtos alimentícios no valor de US$ 350 milhões.
De fato, a ONU indica que o caso da soja é um exemplo de como o resultado da guerra comercial pode ser incerto, mesmo com ganhos.
Pequim, como retaliação às barreiras que passou a sofrer nos EUA, impôs tarifas extras sobre a soja americana. Hoje, segundo o estudo, os dois países praticamente têm o poder de definir os preços internacionais do produto. A China importa mais da metade da soja mundial, enquanto os americanos são os maiores produtores.
As novas tarifas, portanto, tiveram um impacto “substancial” no mercado mundial. “O Brasil, de repente, se transformou no maior fornecedor de soja para a China”, indicou.
Mas isso, por si só, não significaria um benefício ao Brasil. “Ainda que preços mais altos tenham sido comemorados pelos produtores brasileiros, nem todos estão felizes”, alertou a ONU. “Uma preocupação dos produtores de soja no Brasil é de que os preços mais elevados gerados pelas tarifas chinesas possam prejudicar a competitividade brasileira no longo prazo. Numa situação em que a magnitude e duração das tarifas não é clara, os produtores brasileiros estão relutantes em tomar decisões de investimentos que acabem sendo não rentáveis se as tarifas forem revogadas”, explicou.
“Além disso, empresas brasileiras operando no setor que usa a soja como insumo (animais) devem perder a competitividade por conta do aumento dos preços diante da maior demanda pela soja brasileira por parte de compradores chineses”, alertou.
Mais perdedores do que vencedores
De fato, a agência constata que existiriam mais perdedores que ganhadores e que, no geral, ainda que algumas economias ganhem com um aumento de exportações, o efeito global da guerra comercial seria negativo.
Um dos temores é de que as disputas tenham um impacto na já frágil economia global. “Uma desanexação econômica frequentemente é acompanhada por distúrbios nos preços de commodities, nos mercados financeiros e nas moedas, o que pode ter uma repercussão importante para os países em desenvolvimento”, disse. “Uma das preocupações principais é o risco de que as tensões comerciais possam se transformar em guerras cambiais, fazendo com que as dívidas em dólares sejam mais difíceis de ser honradas”, afirmou.
Outro risco é de que novos países se somem à onda protecionista e que as barreiras ganhem uma dimensão global. As economias mais fracas, portanto, seriam as mais atingidas.
Por fim, uma política de “olho por olho” entre os parceiros comerciais poderia causar um efeito dominó e implicar novos setores. Cadeias produtivas inteiras poderiam ser afetadas. Só no Leste Asiático, a guerra comercial entre China e EUA poderia gerar uma contração das exportações de US$ 160 bilhões.