A frase é reproduzida nos instantes iniciais do espetáculo e inspira a justificativa para o que será apresentado em seguida. Em referência às palavras de Belchior durante uma entrevista, uma voz afirma: “O trabalho do artista importa mais do que o significado particular da sua vida”. Consolidado praticamente como uma bandeira ao longo da trajetória do artista cearense, o discurso simples é o que aponta o norte de “Belchior: ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro — O musical”, em cartaz desde sexta-feira no Teatro João Caetano
(confira o roteiro de teatro atualizado)
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Produção dirigida por Pedro Camare, a peça-show não descortina, em detalhes, a biografia do artista que marcou a MPB (o disco “Alucinação”, de 1976, foi considerado uma revolução para o gênero musical) e, no fim de sua vida, passou quase dez anos recluso, sem paradeiro conhecido até 2017, quando morreu em decorrência de um infarto. Há um propósito nessa opção:
— Em determinado momento da carreira, ele ficou mais descontente com as consequências da fama e, por isso, foi desistindo da vida pública, em busca de paz. Claro que todo esse mistério é instigante. Mas isso também lança uma questão: por que contar a vida de um cara que quis preservar a própria vida? — ressalta o diretor, também autor da montagem ao lado de Cláudia Pinto.
O resultado da homenagem teatral é menos óbvio, portanto. Embalado por 15 canções de sucesso do compositor — como “Apenas um rapaz latino-americano”, “Sujeito de sorte”, “Como nossos pais” e “A palo seco” —, o texto se ancora em depoimentos e pensamentos eternizados por Belchior para narrar a jornada de um “cidadão comum”, personagem recorrente em suas letras. A ideia é destrinchar, de modo poético, as transformações de um jovem diante de determinadas convenções impostas pela realidade. O papel é defendido por Bruno Suzano, que divide o palco com Pablo Paleologo, intérprete dos números musicais em caracterização semelhante à imagem do retratado. Uma banda com seis músicos acompanha a dupla de atores.
![[Tags] xINFOCHPDPICT000032854261.jpg.pagespeed.ic.zjAF9couC7 Obra de Belchior inspira musical no teatro](https://ogimg.infoglobo.com.br/rioshow/23577532-6cb-b81/FT1086A/652/xmusical-belchior.jpeg.jpg.pagespeed.ic.MCvOM-X_5i.jpg)
— O cidadão comum representa Belchior em todas as suas formas. As músicas contam sua história. — reforça o diretor. — Tentamos repassar o momento em que ele se descobre artista. Há fatos interessantes aí. Quando era mais novo, assim que decidiu largar a vida num monastério, Belchior parou numa banca de jornal e se deparou com pessoas debochando imagens dos Beatles. Ali, começou a pensar que gostaria de ser como eles. Depois, já reconhecido pelo trabalho artístico, entendeu que, quanto mais famoso ficava, de certa forma, mais desconhecido se tornava. Por isso, voltou a se fechar, explicando que a pessoa do artista deveria importar menos do que sua obra.
Teatro João Caetano:
Praça Tiradentes s/nº, Centro — 2332-9257. Sex e sáb, às 19h. Dom, às 18h. R$ 40. 80 minutos. Não recomendado para menores de 12 anos. Até 28 de abril.