Os quatro restaurantes do térreo do Conjunto Nacional fecharam — três deles durante a quarentena. Outra vítima foi a loja especializada em produtos geeks da encrencada Livraria Cultura, que já tinha entregue dois espaços. Mais um lugar vago desde fevereiro é o que era ocupado pelo Cinearte, desde que a Petrobras decidiu não renovar o patrocínio do local. Pela cidade toda, a flexibilidade para inquilinos poderem pagar seus aluguéis, inclusive com descontos, e os diferentes fôlegos de caixa de um negócio para o outro são diferenciais enormes na recuperação.
Mas a ociosidade é bem mais duradoura no vasto primeiro andar do Conjunto, com quase 10 000 metros quadrados, e em parte considerável do segundo andar. O call center da antiga Contax ocupou 7 000 metros quadrados ali há alguns anos. A inauguração da filial paulistana da casa de shows Blue Note apontava para novos ares, com o uso do desperdiçado mirante sobre a Paulista com a Augusta (o espaço musical, felizmente, reabre no próximo dia 5). As novidades no entorno, porém, ainda são escassas.
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É certo que boa parte do varejo já estava se reinventando pré-pandemia, ampliando a oferta gastronômica, de serviços e de lazer, enquanto compete no comércio eletrônico. Mas a situação do Conjunto Nacional revela que uma das maiores joias da arquitetura moderna brasileira merece mais atenção.
Por muitos anos, a mídia elogiou a resiliência do Conjunto, sob os 34 anos do mandato da síndica Vilma Peramezza. Finanças em ordem, segurança, limpeza, manutenção. Ficavam em segundo plano a curadoria mambembe das exposições em seus corredores e as repetidas instalações “artísticas” feitas de sucata. Sem falar da abordagem pouco simpática dos seguranças com visitantes que quisessem tirar fotos nas áreas comuns (a administração deve ignorar o fato que até a Monalisa é clicada numa boa dentro do Louvre).
A saída da síndica foi tumultuada, com acusações de desvio de fundos, mas o desafio de ocupar o Conjunto é urgente.
Poucos lugares têm localização tão privilegiada e podem servir de exemplo da retomada pós-pandemia. Com várias estações de metrô à mão, ciclovia e boa oferta de ônibus, a Paulista é o mais próximo que São Paulo tem de área vibrante. O esvaziamento que se viu na Faria Lima e na Berini, da hora do almoço à noite, foi bem menos pronunciado na Paulista, onde existem mais de 1 500 apartamentos, de diversos tamanhos, em muitos residenciais dos anos 1950 e 1960 (algo ainda escasso na Faria Lima). O mix de repartições públicas, centros culturais, faculdades, cinemas e bancos (como Safra e Daycoval) faz com que ela não seja tão dependente de um único setor econômico.
Obra-prima do arquiteto David Libeskind: térreo em relação umbilical com a calçada
Mas o que o Conjunto tem, mais que qualquer outro complexo multiúso, é uma relação umbilical com a calçada. A obra-prima do arquiteto David Libeskind para o incorporador e hoteleiro José Tjurs (desenhada em 1954, quando Libeskind tinha apenas 26 anos) soube oferecer um térreo nada afastado dos pedestres e usar a proteção do primeiro andar como uma marquise generosa sobre a calçada. Sem guarita, muralha ou outros obstáculos, mantém uma circulação convidativa. A entrada e saída de veículos foi despachada, estrategicamente, para as ruas secundárias (alamedas Santos e Padre João Manuel). Apartamentos e escritórios de vários tamanhos, além dos usos variados, fazem daquele quarteirão um lugar permanentemente frequentado de segunda a domingo, de manhã à noite, seguro, na fórmula que a Faria Lima ainda não conseguiu emular.
O que falta é uma seleção urgente de serviços e comércios que dialoguem com o público jovem que frequenta a Augusta. O incorporador nova-iorquino Harry Macklowe me disse que se encarregava pessoalmente de escolher as marcas que alugam os espaços comerciais de suas torres residenciais. “O térreo dá o tom do empreendimento.” Não deixem o Conjunto descalço.
Publicado em VEJA São Paulo de 28 de outubro de 2020, edição nº 2710.
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