O risco de apagão estatístico e a reação de ex-presidentes do IBGE

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A confusão dos dados dentro do governo brasileiro é grave e corre o risco de sofrer um sério apagão. Com o Censo deste ano adiado para 2021 por causa do coronavírus e sem dados de emprego formal do Caged, cenário mostrado por VEJA em reportagem do começo de abril, até mesmo a Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios, a Pnad, corre o risco de parar de acontecer. Por causa da pandemia, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) passou a fazer o levantamento por telefone. Para garantir acesso aos números de cidadãos e empresas e continuar realizando o trabalho, o governo editou uma medida provisória permitindo o repasse desses dados pela Anatel ao IBGE. Porém, entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e partidos políticos (PSDB, PSB e PSOL) pediram ao Supremo Tribunal Federal a suspensão da eficácia do texto. Por isso, ex-presidentes do IBGE assinaram uma carta conjunta apelando para o Congresso e o Judiciário que apoiem a medida provisória. De acordo com os presidentes, os dados são usados meramente para fins estatísticos e não há invasão de privacidade. Caso o acesso aos números telefônicos repassados seja suspenso, o Brasil perde sua última luz aos números, tornando ainda mais difícil engendrar medidas para o combate econômico e social à Covid-19.  

Assinada por Edmar Bacha, Sérgio Besserman, Eurico de Andrade Neves Borba, Eduardo Augusto Guimarães, Silvio Minciotti, Charles Mueller, Edson Nunes, Eduardo Nunes e Simon Schwartzman, o texto diz que, caso a MP seja suspensa, “o apagão estatístico que tornaria muito mais difícil o controle da epidemia, a volta à normalidade e a recuperação das políticas sociais de que tanto necessitamos”.  De acordo com o manifesto, as informações que o IBGE consegue acessar são “as mesmas que eram antes publicadas nas ‘páginas amarelas’ ou catálogos de telefones, não incluem nenhuma informação adicional,”.  De acordo com o manifesto, as preocupações de instituições com contra a invasão abusiva de privacidade, não se justificam. “Os dados não incluem informações pessoais, serão usados unicamente para fins estatísticos, não podem ser passados a terceiros para qualquer outro uso, e o IBGE tem uma prática estabelecida de garantir a confidencialidade dos dados individuais que coleta em suas pesquisas, estabelecida por lei”, explicam.

O grupo argumenta ainda que, para além das pesquisas regulares, o IBGE fez um convênio com o Ministério da Saúde para realiza uma pesquisa domiciliar sobre a Covid-19, “um instrumento fundamental para a saída da situação de confinamento que deve ocorrer no futuro próximo”. 

Em nota, o IBGE reforça que o uso dos dados permitidos pela MP 954 são meramente estatísticos. I”mportante acrescentar, por fim, que o fornecimento desses dados ao IBGE não permite monitoramento ou rastreamento de usuários das operadoras, prestando-se ao único fim de permitir a realização de pesquisa via telefone através de uma complementação da amostra da PNAD Contínua”.

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A medida é primordial. O Caged, por exemplo, que reúne dados sobre contratações, demissões e salários, não tem nenhum número oficial registrado no ano de 2020. As divulgações de janeiro e fevereiro não ocorreram. Com isso, se sabe o número de empregados que podem perder emprego pela crise pelos dados da Pnad. Segundo a pesquisa, há 33 milhões de pessoas com carteira assinada. Para evitar demissões em massa, o Executivo liberou 51 bilhões de reais para bancar auxílios para trabalhadores com salários reduzidos ou cortados pelas empresas. Hoje não há detalhamento sobre o mercado formal, porque é feito pelo Caged, mas se não houver nenhum retrato do mercado de trabalho no Brasil, não há como estimar a eficácia de nenhum programa. 

Um apagão nos dados é extremamente preocupante. Instituições correlatas ao IBGE na Venezuela e Argentina passaram por situação parecida e atualmente têm a qualidade de suas informações posta em dúvida por órgãos internacionais. O governo venezuelano passou quatro anos sem publicar dados oficiais sobre a economia do país. Na Argentina, durante o governo de Cristina Kirchner, a inflação oficial era uma incógnita. No Brasil, a situação ainda está longe disso. Mas é preciso um maior compromisso com a produção de dados de qualidade, em nome da credibilidade. Se em momentos de calmaria um apagão estatístico já provoca graves consequências, quem dirá em meio à mais grave crise de saúde da história recente do país.



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