O que o Relatório Mueller tem a dizer sobre o Mundo

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Essa semana foi publicado o aguardado relatório com as conclusões das investigações de Robert Mueller, o procurador especial designado pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos para averiguar as alegações de que a campanha de Trump teria se engajado em conluio e outras práticas consideradas criminosas com a Rússia. Apesar de detalhar inúmeros contatos entre assessores de Trump, um de seus filhos, e seu cunhado com os russos, o relatório afirma que não foram encontradas evidências de conluio. Contudo, o documento detalha como Trump, em diversas ocasiões, tentou obstruir as investigações, traçando um retrato bastante desfavorável do presidente norte-americano e de suas atividades na Casa Branca. Apesar de não haver provas suficientes para acusar Trump por obstrução de justiça, dizem claramente os advogados que trabalharam no caso que não é possível exonerar o presidente, deixando a tarefa agora possivelmente para o Congresso.

O partido Democrata que hoje tem maioria na Câmara já anunciou que pretende chamar Robert Mueller para depor, inclusive porque o relatório divulgado contém várias seções e trechos que foram excluídos. Os Democratas querem que o Departamento de Justiça divulgue o relatório na íntegra e querem também ouvir o que Mueller tem a dizer sobre as investigações, em especial sobre os episódios em que pode ter havido interferência indevida de Trump ao longo do processo iniciado há dois anos. Alguns Democratas já clamam pelo impeachment do presidente, muito embora a próxima etapa seja arguir Mueller – a líder da Câmara, Nancy Pelosi, já se manifestou contrariamente ao impeachment nesse momento por julgá-lo prematuro. Com ou sem impeachment, o fato é que a sombra das revelações do relatório haverá de pairar sobre a corrida presidencial até as eleições de novembro de 2020.

E, o que revelou o relatório? Na essência, um presidente que tentou de todas as maneiras impedir que as investigações avançassem e foi sucessivamente frustrado nessas tentativas pelas ações de seus próprios funcionários, entre advogados e assessores. Ao ler o relatório de Mueller resolvi escutar novamente os episódios de “Against the Rules”, podcast do jornalista Michael Lewis, autor de “The Big Short”, livro que virou filme sobre a crise de 2008, entre outras obras. Logo no primeiro episódio, ele afirma: “vivemos em um mundo onde todos odeiam os árbitros”. Falava ele de árbitros esportivos, mas na realidade a palavra se aplica a todas as instituições responsáveis por monitorar e assegurar que as regras sejam seguidas por todos. Regras de convivência civil. Regras democráticas. Regras que garantam tratamento justo a todos. “Como a sociedade enxerga hoje a palavra justiça?”, pergunta Lewis. A resposta de alguns de seus entrevistados pode ser resumida assim: não escolha lados, a menos que você decida escolher o meu lado.

““Vivemos em um mundo onde todos odeiam os árbitros””

Michael Lewis, jornalista

em seu podcast “Against the Rules”

As tentativas de Trump de dobrar as instituições para servir aos seus próprios interesses desvelada no relatório Mueller não são particulares ao presidente norte-americano. Atualmente, a descrença nas funções de arbítrio das instituições responsáveis por executá-las é generalizada. Do descaso em relação à imprensa aos xingamentos dirigidos ao parlamento, do desprezo por especialistas à desconfiança em relação ao poder judiciário, vivemos um momento em que árbitros estão sob intensa pressão. Muitas vezes essa pressão resulta das manifestações dos próprios árbitros: árbitros deveriam sempre ser imparciais. Contudo, o que se vê é a parcialidade deslavada em muitos casos mundo afora. O Brasil nos forneceu mais um exemplo disso essa semana quando o STF censurou o site O Antagonista em razão de matérias desfavoráveis a um de seus ministros.

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Quando os árbitros cedem à tentação da parcialidade, de agir em seu próprio benefício ignorando sua função maior, abrem espaço para que líderes sem escrúpulos tripudiem sobre a democracia. A sociedade descrente e indignada reage com fúria nas redes sociais, que hoje se transformaram em veículos para a disseminação da raiva e da frustração.

No caso dos Estados Unidos, o freio presidencial veio de assessores e funcionários, que impediram que Trump agisse em resposta aos seus piores instintos. No que isso tudo ainda vai dar é difícil de prever. No caso do Brasil, onde já não temos árbitros confiáveis há tempos, o relatório Mueller e as implicações listadas aqui deveriam servir de sinal de alerta para uma democracia para lá de combalida. Eis as lições para nós e para o mundo.



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