São Paulo — Por seis votos a cinco, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quinta-feira (14) que a Justiça Eleitoral tem competência técnica para julgar os casos de crimes como corrupção e lavagem de dinheiro, quando há conexão com delitos eleitorais, como o caixa dois.
Anteriormente, esse já era o entendimento. No entanto, esse tipo de processo vinha sendo dividido e ficando parte com a Justiça Eleitoral (caixa dois) e parte com a Justiça Federal (corrupção e lavagem de dinheiro).
Esses casos valem apenas para acusações que envolvam fraudes eleitorais. Crimes comuns seguem na Justiça Federal.
Em tese, agora, o processo ficará com apenas um juiz, em uma só corte, a Eleitoral. O juiz eleitoral, contudo, pode entender que a atribuição deveria ser da Justiça Federal e devolver o processo.
O resultado é considerado pelos procuradores da Operação Lava Jato, em Curitiba, e pela procuradora-geral, Raquel Dodge, como um divisor de águas para o andamentos das investigações.
Eles acreditam que a Justiça Eleitoral não é estruturada para julgar crimes complexos e que isso traria impunidade aos acusados de corrupção e lavagem de dinheiro, quando os crimes foram cometidos para fins eleitorais.
A natureza da Justiça Eleitoral, também, tem como prioridade processos relacionados à cassação de mandatos, o que traz preocupações sobre a rapidez em que os processos serão julgados.
Para a advogada constitucionalista Vera Chemim, a visão da PGR e dos procuradores têm sustentação. “No curto prazo a Justiça Eleitoral não teria estrutura para enfrentar esse tipo de crime, que são extremamente complexos. É possível que, em alguns casos, haja prescrição dos julgamentos”, diz.
A tese, no entanto, não é unanimidade. “No Brasil, você tem regras de competência que confirmam que a Justiça Eleitoral pode julgar todos os crimes conexos”, explica Fernando Neisser, Coordenador Adjunto da ABRADEP (Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político).
O especialista defende que, assim como a Justiça Federal precisou se adaptar às investigações da Lava Jato, o Ministério Público, a Polícia Federal e a Justiça Eleitoral terão que se reestruturar para as mudanças.
Nesta semana, o principal procurador da Lava Jato, Deltan Dallagnol, afirmou que a decisão poderia levar à anulação de casos já julgados na Justiça Federal.
Raquel Dodge rebateu e disse não ver risco de anulação. “Eu não vejo esse risco neste momento, mas é preciso avaliar tudo isso com muito cuidado e não perder o foco”, declarou. Na sessão desta quinta-feira, os ministros não entraram no mérito das anulações.
Para a advogada Marilda Silveira, especialista em direito administrativo e eleitoral da Escola de Direito do Brasil (EDB), o entendimento da Lava Jato faz parte do desconhecimento de como funciona a Justiça Eleitoral.
A Justiça Eleitoral é considerada pelos advogados dos acusados como uma corte mais branda. Até hoje, pelo menos 21 políticos já tiveram inquéritos ou citações em delações envolvendo corrupção enviados para a Justiça Eleitoral.
Os ex-presidentes Michel Temer e Dilma Rousseff, os ex-governadores Aécio Neves (PSDB) e Antonio Anastasia e ex-ministros como Antonio Palocci, Guido Mantega e Eliseu Padilha são outros nomes.
Ministros criticaram procuradores
A postura dos procuradores da Operação Lava Jato foi criticada pelos ministros durante a sessão. Celso de Mello ressaltou que a Polícia Federal faz papel de polícia judiciária em casos que envolvem temas eleitorais e que os procuradores também continuarão os do Ministério Público.
“Os personagens são os mesmos. Menciono que a composição dos tribunais regionais eleitorais possuem em sua composição a participação de juízes de direito, de desembargadores”, afirmou.
Alexandre de Moraes também criticou a postura dos procuradores. “Um determinado grupo de procuradores acha que, se não forem eles a produzir a investigação, o mundo vai acabar. O que se pretende é a criação de uma vara única [em Curitiba]”, disse.
Já o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, disse que respeita a decisão do STF, mas “que o entendimento é de que a Justiça Eleitoral, apesar de seus méritos, não está adequadamente estruturada para julgar casos criminais mais complexos, como de corrupção ou lavagem de dinheiro”.