BRASÍLIA — No primeiro dia como ministro da Educação, Abraham Weintraub
falou sobre evitar “sabotagem” no órgão e disse que não vai mais tolerar vazamentos de informações. As declarações foram feitas na manhã desta quarta-feira durante reunião reservada com Carlos Nadalim, secretário nacional de Alfabetização. Na conversa, o ministro aproveitou para levantar o perfil de colaboradores atuais e de demitidos da pasta ligados ao ideólogo de direita Olavo de Carvalho.
Nos três primeiros meses de governo, o MEC foi um foco de polêmicas, que culminaram com a demissão, nesta semana, de Ricardo Vélez Rodríguez do comando do ministério.
Bolsonaro demite Ricardo Vélez Rodríguez do cargo de ministro nesta segunda-feira, que ficou conhecida como “o dia do fico ou não fico” após o presidente ter admitido que Vélez não estava “dando certo”. Da onda de demissões à determinação para que diretores filmassem alunos, os três meses de gestão foram repletos de polêmicas. Relembre.
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Vélez pediu que diretores de escolas lessem para alunos uma carta que terminava com o slogan da campanha de Bolsonaro nas eleições. O texto orientava os diretores a filmarem alunos durante a execução do hino nacional e da leitura da carta e a enviarem para o MEC os vídeos. Após uma onda de críticas, o ministro admitiu o ‘equívoco’.
O escritor Olavo de Carvalho disse, em publicação numa rede social, que “Recomendei o ministro Vélez, mas se ele cometer erro ponham-no para fora”. A postagem foi feita após a exoneração de seis servidores do Ministério. Leia mais
Pelo menos 14 pessoas do alto escalão foram demitidas por Vélez em menos de três meses de gestão. E essa crise emperrou programas importantes da pasta, prejudicando o sistema educacional brasileiro. Ganharam destaque o vai e vem no cargo de secretário-executivo e a demissão do responsável pelo Inep. Entenda a crise
Após ser demitido da presidência do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Texeira (Inep) por Vélez, Marcus Vinicius Rodrigues afirmou que o ex-chefe é “gerencialmente incompetente” e “não tem controle emocional” para comandar a educação brasileira. Leia mais
A deputada federal Tabata Amaral (PDT-SP) fez diversos questionamentos e críticas ao ministro da Educação durante audiência pública na Câmara. A parlamentar disse a Velez que “A sua incapacidade de apresentar uma proposta é um desrespeito” e também pediu que ele “Mude de atitude ou saia do cargo”.
Ao anunciar que os livros didáticos de História iam passar por uma revisão para que as crianças “possam ter a ideia verídica, real, do que foi a sua história”, Vélez classificou o golpe de 1964 como constitucional e disse que a ditadura foi “um regime democrático de força”. Leia mais
No encontro com Nadalim, também ex-aluno de Carvalho, Weintraub demonstrou preocupação com as brigas internas entre as alas ideológica e militar. A conversa ocorreu por volta das 11h10 e foi ouvida pelo GLOBO após um telefonema feito para o ministro. Weintraub atendeu a chamada e deixou o celular ligado.
No diálogo de 14 minutos, Weintraub pediu informações de colaboradores da chamada ala ideológica que atuam ou atuaram no MEC.
O novo chefe da Educação perguntou sobre o perfil de Bruna Luiza Becker e Eduardo Sallenave, assessores especiais da pasta. Outro sondado foi Eduardo Melo, que era secretário-adjunto da Secretaria Executiva do MEC e foi um dos primeiros a serem demitidos no início da crise na pasta, no dia 11 de março.
O grupo ligado ao ideólogo de direita defende o retorno de Melo, atualmente na TV Escola, ao cargo. O ministro pergunta ao secretário Nacional de Alfabetização se ele é “avalista” do servidor demitido por Vélez. Diante da resposta afirmativa, Weintraub insiste: “Você garante que não está fazendo bagunça?” pergunta a Nadelim, que assegura a confiança em Melo.
Nas conversas, o ministro discorreu sobre posturas inadequadas na pasta e disse que se alguém “toma uma posição sem autorização da chefia” será “mandado embora”.
Weintraub destacou que o ministério não vai mais se pautar pelo que é noticiado pela imprensa, e que não quer ninguém fazendo “barulho” no ministério.
“Não pode sair falando (inaudível). Se ele toma uma posição sem autorização minha, é mandado embora no mesmo instante”, disse o ministro, que continua a discorrer sobre o vazamento de informações. “Quem deu autorização? Sabotagem.”
Em outro trecho da conversa, o novo ministro afirmou que havia integrantes do MEC “totalmente conectados” com a imprensa.
Polêmicas em torno da Alfabetização
Durante a reunião, Weintraub conversou sobre o decreto da Política Nacional de Alfabetização, única entrega do Ministério da Educação (MEC) para os cem primeiros dias de governo Bolsonaro, completados nesta quarta-feira.
A política está no centro de uma disputa entre o grupo ligado a Olavo de Carvalho, que redigiu uma versão do decreto sobre a iniciativa, e a ala de militares, que mandou à Casa Civil outro texto, retirando, por exemplo, o foco no método fônico.
Weintraub ouviu um relato do imbróglio diretamente de Carlos Nadalim. O ministro foi informado de que a Política Nacional de Alfabetização é uma imposição da Casa Civil para os cem primeiros dias. O MEC havia tentado focar no projeto das escolas cívico-militares, mas o Planalto determinou que se fizesse algo sobre alfabetização.
Nadalim idealizou, então, uma conferência com grandes especialistas para chegar a um relatório final a ser apresentado. Mas a Casa Civil achou que a iniciativa seria uma entrega muito “tímida” e exigiu um decreto, mandando inclusive modelos a serem seguidos.
Os trabalhos prosseguiram, mas, segundo os relatos repassados a Weintraub, a ala militar desconsiderou o texto formulado pela equipe de Nadalim, e pessoas da Secretaria de Alfabetização chegaram a ser impedidas de participar de reuniões sobre o tema.
Por fim, um documento modificado foi encaminhado ao governo nos últimos dias. A versão alterada é atribuída ao então secretário-executivo da pasta, brigadeiro Ricardo Machado Vieira, hoje demitido por Weintraub, que já indicou o economista Antonio Paulo Vogel de Medeiros no lugar.