A startup de viagens interurbanas Buser entrou na mira da Justiça. Na última semana, os estados do Rio de Janeiro e de Santa Catarina anunciaram decisões contrárias à operação da empresa. Na terça-feira, 18, o juiz Alberto Nogueira Junior, da 10ª Vara Federal do Rio de Janeiro, restringiu as viagens da companhia no território fluminense. A decisão liminar considera que empresas que oferecem transportes irregulares estão utilizando a ferramenta para vender suas passagens. No mesmo dia, a Justiça do estado catarinense suspendeu o transporte interestadual pelo app. A empresa é ré numa ação que questiona a legalidade da ferramenta. Pressionada, a Buser alega que está sendo atacada por empresas do setor rodoviário incomodadas com sua presença e diz, ainda, que vai seguir operando nessas regiões.
O mundo vivencia um momento de boom de inovação tecnológica, que, ao trazer inovações de modelos de negócios, deve ser protegida e regulada pelo poder público. Com uma legislação que não acompanhou as revoluções recentes, o Brasil não consegue dar suporte à profusão de startups, capazes de promover a competitividade e a melhoria dos serviços para os consumidores. Não é de hoje que uma empresa com proposta ‘disruptiva’ acaba sofrendo ataques de companhias (ou entidades) anteriormente dominantes em seus setores. Foi assim com Uber e 99 no segmento de mobilidade urbana, com a XP Investimentos no mercado financeiro, e com os aplicativos de entrega. Chegou a vez da Buser, que caminha numa rodovia pavimentada por poucos e tradicionais grupos, que se esforçam pela paralisação dos serviços ofertados pela startup com a alegação de que fomentaria o transporte clandestino. “Isso é um contrassenso. Na verdade, nós somos a solução para o transporte clandestino”, refuta Marcelo Abritta, CEO e cofundador da Buser.
Fundada em 2017, a plataforma de compartilhamento de viagens de ônibus concorda que toda inovação deve ser discutida, a fim de se encontrar um meio-termo para o mercado, sem que o consumidor seja lesado com isso. “Nunca nos opusemos ao debate”, afirma Abritta. “O problema é que existe um oligopólio no setor de transporte rodoviário. É um grupo pequeno de empresários que querem evitar que o mercado mude. São os únicos interessados em que o nosso projeto não avance”.
O sistema do Buser conecta grupos de pessoas que querem fazer uma mesma viagem com as empresas de fretamento de veículos, por preços menores do que os oferecidos por companhias tradicionais. Como regra, os ônibus que prestam esse tipo de serviço precisam obrigatoriamente ter seguro, passar por vistoria, inspeção e receber autorização da Agência Nacional dos Transportes Terrestres (ANTT). A empresa diz cumprir com todos os protocolos. “Nós cumprimos as regras. Quando a fiscalização para o nosso ônibus, vê toda a documentação e as viagens prosseguem. Antigamente, eles impediam as nossas viagens sem sequer pedir os documentos. Essa fase ficou para trás”, diz Abritta.
A decisão do magistrado fluminense proíbe que a empresa oferte apenas bilhetes de ida, obrigando-a a oferecer viagens de ida e de volta em rotas que passem pelo estado, o que violaria o modelo de circuito fechado exigido no Decreto 2.521/1998 e na Lei 12.965/2014. Ainda cabe recurso. “Não pararemos de atender o Rio de Janeiro. É um mercado importante para nós”, afirma Abritta. Para resolver um problema semelhante no Sul do país, a empresa começará a emitir passagens de ida e de volta aos clientes sem cobranças adicionais para isso — ainda que não concorde com a Justiça. “Seria análogo a você dizer que um táxi tem de esperar o cliente para trazê-lo de volta. Isso, no nosso entendimento, é inconstitucional. Mas, para atender a decisão sem prejudicar o nosso cliente, nós iremos dar a passagem de volta gratuitamente. Se necessário for, o ônibus voltará vazio”, diz ele.
O imbróglio no estado catarinense começou em agosto de 2019, quando o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros no Estado de Santa Catarina, o Setpesc, entrou com uma ação contra a Buser. A entidade argumentou que o aplicativo oferece viagens interestaduais de passageiros de modo irregular e clandestino, realizadas por empresas que possuem apenas autorização para serviços de fretamento, com preço até 60% inferior às passagens vendidas nas rodoviárias. A prática, na visão do sindicato, caracteriza concorrência desleal e ilegal com as empresas que prestam o serviço regular de transporte interestadual de passageiros. A decisão efetuada na última semana impugna a oferta de serviços por meio da Buser das empresas Lucretur Agência de Viagens e Turismo, Pamela Andressa de Freitas, Seriema Turismo e Spazzini Turismo.
Longe dos tribunais, a empresa teve de rever sua rota de expansão para o ano. Em 2020, seriam investidos 300 milhões de reais para levar o aplicativo a diversas cidades no Norte e no Nordeste do país. Com a pandemia, o projeto arrefeceu. Após três meses de interrupção das atividades, cerca de 100 veículos que prestam serviços pela ferramenta tiveram de adaptar a frota às recomendações das autoridades sanitárias para se evitar o contágio pelo novo coronavírus. Por enquanto, somente as passagens próximas às janelas dos carros estão sendo ofertadas. A Buser instalou também um serviço de telemetria para rastrear a velocidade dos motoristas e equipou os ônibus com cintos de segurança com sensores para monitorar a fadiga dos condutores e com câmeras para inibir furtos e assédios no compartimento de passageiros.
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