A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu a ação popular na qual o juiz federal Waldemar Cláudio de Carvalho, da 14ª Vara do Distrito Federal, concedeu liminar que abriu brecha para que psicólogos oferecessem terapia de reversão sexual, conhecida como “cura gay”, tratamento proibido pelo Conselho Federal de Psicologia desde 1999. A decisão de Cármen foi tomada no dia 9 de abril e publicada no Diário de Justiça nesta quarta-feira, 24.
Em setembro de 2017, o juiz acolheu um pedido da psicóloga Rozangela Alves Justino. Segundo ela e outros psicólogos que apoiam a prática, a Resolução do Conselho Federal de Psicologia restringia a liberdade científica.
A Resolução 001/1999, do Conselho Federal de Psicologia, estabelece que “os psicólogos não exercerão qualquer ação que favoreça a patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas, nem adotarão ação coercitiva tendente a orientar homossexuais para tratamentos não solicitados”. A norma aponta que “os psicólogos não exercerão com eventos e serviços que proponham tratamento e cura das homossexualidades”.
Em sua decisão, Cármen afirmou que “parece haver usurpação da competência deste Supremo Tribunal prevista na al. a do inciso I do artigo 102 da Constituição da República a justificar a suspensão da tramitação da Ação Popular n. 1011189-79.2017.4.01.3400”.
A legislação estabelece que cabe à Corte máxima processar e julgar “a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal”.
“Sem prejuízo da reapreciação da matéria no julgamento do mérito defiro a medida liminar requerida para suspender a tramitação da Ação Popular n. 1011189-79.2017.4.01.3400 e todos os efeitos de atos judiciais nela praticados, mantendo-se íntegra e eficaz a Resolução n. 1 do Conselho Federal de Psicologia”, afirmou a ministra.
Relembre o caso
Em ata de audiência no dia 15 de setembro de 2017, o juiz federal Waldemar Cláudio de Carvalho não considerou como inconstitucional a norma do Conselho que proíbe a cura gay, mas disse entender que os profissionais não poderiam se ser censurados por fornecer o atendimento.
Segundo o magistrado, “apenas alguns de seus dispositivos, quando e se mal interpretados, podem levar à equivocada hermenêutica no sentido de se considerar vedado ao psicólogo realizar qualquer estudo ou atendimento relacionados à orientação ou reorientação sexual”.
“Digo isso porque a Constituição, por meio dos já citados princípios constitucionais, garante a liberdade científica bem como a plena realização da dignidade da pessoa humana, inclusive sob o aspecto de sua sexualidade, valores esses que não podem ser desrespeitados por um ato normativo infraconstitucional, no caso, uma resolução editada pelo C.F.P.”, justificou o juiz.
“A fim de interpretar a citada regra em conformidade com a Constituição, a melhor hermenêutica a ser conferida àquela resolução deve ser aquela no sentido de não provar o psicólogo de estudar ou atender àqueles que, voluntariamente, venham em busca de orientação acerca de sua sexualidade, sem qualquer forma de censura preconceito ou discriminação. Até porque o tema é complexo e exige aprofundamento científico necessário.”
Ao conceder a liminar o magistrado permitiu que os psicólogos autores da ação voltassem a oferecer a terapia de (re) orientação sexual. “O perigo da demora também se faz presente, uma vez que, não obstante o ato impugnado datar da década de 90, os autores encontram-se impedidos de clinicar ou promover estudos científicos acerca da (re) orientação sexual, o que afeta sobremaneira os eventuais interessados nesse tipo de assistência psicológica”.
Censura pública
Em 2009, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) havia punido com censura pública a psicóloga carioca Rozangela Alves Justino. Ela oferecia terapia para “curar” a homossexualidade masculina e feminina.
De acordo com o colegiado, ela infringiu resolução do Conselho Federal de Psicologia, de 22 de março de 1999, na qual a entidade afirma que a homossexualidade “não constitui doença, nem distúrbio e nem perversão”.
O Conselho manteve, naquele ano, a punição que tinha sido aplicada à psicóloga pelo Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro. Com a liminar da Justiça, a psicóloga havia obtido parecer favorável para oferecer sua prática.