Brasília – Em parecer enviado ao presidente Jair Bolsonaro, o Ministério da Justiça (MJ) recomendou o veto à criação do “juiz de garantias”, alegando cinco argumentos, entre eles o de que isso poderia prejudicar investigações de crimes complexos, como corrupção e lavagem de dinheiro. Ao sancionar o texto do pacote anticrime aprovado pelo Congresso, Bolsonaro preferiu não vetar esse ponto, ignorando apelos do ministro da Justiça, Sergio Moro.
Até agora, um mesmo juiz tocava todo o processo e dava a sentença. Mas o pacote anticrime aprovado pelo Congresso e sancionado por Bolsonaro prevê uma divisão de tarefas. O juiz de garantias ficará responsável por decisões tomadas ao longo do processo, como a requisição de documentos, a quebra de sigilos, a autorização de produção de provas e a prorrogação da investigação, enquanto outro magistrado será responsável pela sentença, ou seja, por condenar ou absolver o réu.
O mesmo parecer apresentado pelo Ministério da Justiça apontou que, por alterar a estrutura do Poder Judiciário, caberia ao Supremo Tribunal Federal (STF) propor essa mudança ao Congresso. Outro ponto é que a instituição do novo tipo e juiz traz aumento de despesas, mas sem indicação de onde viriam os recursos. Alegou ainda que o objetivo da proposta, que é garantir a imparcialidade dos juízes, já é alcançada por outros meios. Por fim, destacou que a União acaba por interferir nos estados, pois a medida vale não apenas para a Justiça Federal, mas também para a Justiça Estadual.
O parecer foi elaborado pela Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, órgão que também é vinculado à Advocacia-Geral da União (AGU). O texto foi assinado na terça-feira da semana passada pela advogada da União e coordenadora de Elaboração Normativa, Priscila Helena Soares Piau. O pacote anticrime aprovado pelo Congresso reuniu trechos de um projeto apresentado por Moro, de outro elaborado por uma comissão de juristas que contava com o ministro do STF Alexandre de Moraes, além de sugestões feitas pelos próprios parlamentares. O trecho do juiz de garantias foi sugerido pelo Congresso.
Segundo o parecer apresentado pelo Ministério da Justiça, a investigação de crimes complexos, como corrupção e lavagem de dinheiro, “perpetua-se durante anos e anos, e se subdivide, por vezes, em diversas fases ou operações”. Assim, ao cindir as atribuições entre dois juízes. “todo este trabalho árduo de anos seria ‘perdido’, e, com ele, a experiência e o conhecimento do magistrado, o que, certamente, dificultaria ou, até mesmo, inviabilizaria a elucidação de casos complexos, além de ir de encontro aos princípios constitucionais de acesso à justiça, da economia e celeridade processual e da razoável duração do processo”.
O parecer também destacou que hoje já há meios para garantir a imparcialidade do juiz, como o fato de a titularidade da ação penal ser do Ministério Público, responsável pela acusação. Ressaltou também a existência do “juiz natural”. Isso significa que, por suas características, um delito será analisado por um determinado juiz, e não para um designado especialmente para aquele caso. Alegou ainda que hoje as partes do processo já podem pedir a suspeição ou impedimento do magistrado em uma causa.
“Parte-se, aqui, de premissa equivocada, já que desprovida de estudo científico, de que o mero contato prévio do juiz, em todo e qualquer caso, com qualquer dos elementos de convicção colhidos durante a investigação faz com que esta autoridade desde já forme sua opinião sobre o mérito da causa, mitigando assim a imparcialidade, e que a criação de um ‘juiz das garantias’ dedicado à análise, em síntese, de medidas cautelares no curso da investigação, em tese, resolveria todos os supostos problemas existentes nesse viés”, diz trecho do parecer.
O documento questionou ainda o custo-benefício da nova regra, lembrando que “existem comarcas pequenas compostas por um único juiz, de forma que seria necessário o incremento amplo da força de trabalho dos tribunais”.
Em nota divulgada na quarta-feira, Moro disse que “se posicionou pelo veto ao juiz de garantias, principalmente, porque não foi esclarecido como o instituto vai funcionar nas comarcas com apenas um juiz (40 por cento do total); e também se valeria para processos pendentes e para os tribunais superiores, além de outros problemas”. Mas destacou que o texto final sancionado por Bolsonaro “contém avanços para a legislação anticrime no país”. Nas redes sociais, ao justificar não ter vetado tudo, o presidente disse: “Não pode sempre dizer não ao Parlamento.”
Bolsonaro seguiu algumas recomendações, ignorou outras, e também vetou trechos em que a sugestão não partiu do Ministério da Justiça. Um dos pontos retirados do texto pelo presidente foi pedido pela Casa Civil, que era contra transformar em homicídios qualificados — que têm pena maior do que os homicídios simples — aqueles cometidos “com emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido”.
Na mensagem apresentando as razões dos vetos, Bolsonaro explicou que esse ponto “viola o princípio da proporcionalidade entre o tipo penal descrito e a pena cominada, além de gerar insegurança jurídica, notadamente aos agentes de segurança pública, tendo em vista que esses servidores poderão ser severamente processados ou condenados criminalmente por utilizarem suas armas, que são de uso restrito, no exercício de suas funções para defesa pessoal ou de terceiros ou, ainda, em situações extremas para a garantia da ordem pública, a exemplo de conflito armado contra facções criminosas.”
Um ponto em que Bolsonaro seguiu a recomendação de veto do Ministério da Justiça foi o que triplicava a pena de crimes contra a honra — calúnia, difamação e injúria — quando cometidos ou divulgados nas redes sociais. Segundo o parecer, a legislação atual “já tutela suficientemente os interesses protegidos pelo projeto, ao permitir o agravamento da pena em um terço na hipótese de qualquer dos crimes contra a honra ser cometido por meio que facilite a sua divulgação”. Bolsonaro concordou.
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