São Paulo — Ao longo da trajetória política de Jair Bolsonaro, não foram poucas suas declarações positivas sobre a ditadura militar. Definido pelo presidente como “o melhor período do país”, o regime instaurado pelas Forças Armadas de fato foi responsável pela criação de empregos e pelo maior ritmo de crescimento econômico da nossa história. Contudo, é verdade também que a desigualdade entre ricos e pobres cresceu, houve a desvalorização dos salários e o aumento da dívida externa.
Um dos argumentos utilizados por Bolsonaro para elogiar o regime militar é o “milagre econômico”, período conhecido pelo grande avanço da economia do Brasil que, entre 1968 e 1973, cresceu, em média, mais de 10% ao ano. Só em 1973, o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil avançou 14%, o maior ritmo já alçando.
Entretanto, o que o PIB não é capaz de mostrar é que a distribuição de renda ao longo desses seis anos ocorreu de forma desigual.
Os primeiros anos do regime militar foram marcados por reformas e ajustes econômicos. Uma das primeiras medidas adotadas para garantir o crescimento acelerado foi a alteração do reajuste do salário mínimo. Com o objetivo de conter o crescimento dos salários, a nova lei salarial não garantia que a correção dos salários fosse feita de acordo com a inflação.
“Para que o reajuste do salário mínimo fosse alterado, os militares limitaram o direito à greve e lideranças sindicais passaram a ser perseguidas”, explicou Pedro Paulo Bastos, professor e pesquisador da Unicamp. “Entre 1964 e 1978, o salário mínimo caiu em torno de 35%”.
Classe média
A ditadura militar também foi responsável por políticas de desenvolvimento das cidades. Em 1966, durante o governo do marechal Castelo Branco, foi criado o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), que recolhe parte do salário dos trabalhadores com carteira assinada. O recurso era encaminhado ao sistema financeiro da habitação. Uma parte era transferida aos bancos privados, responsáveis por empréstimos imobiliários. O crédito porém, não era acessível a toda população.“Os bancos privados destinaram os recursos aos setores mais ricos da sociedade, que passaram a ter acesso ao crédito subsidiado pelo Estado para o financiamento de moradia”, afirmou Pedro Paulo Bastos.
A outra parte da verba arrecadada com o FGTS era destinada a construção de moradias no subúrbio das grandes cidades. Com os investimentos em infraestrutura, essas regiões foram valorizadas e muitas construtoras e empreiteiras enriqueceram. “O investimento público e o consumo das famílias de alta renda foram responsáveis pelo início do crescimento econômico e nos anos 1970 atraíram o investimento privado para o Brasil”, explicou o pesquisador.
A melhora da atividade econômica também se deu em boa parte por conta do mercado externo favorável. Além dos investimentos estatais, o regime militar contou com o crédito estrangeiro para desenvolver o parque industrial e realizar obras de infraestrutura. O resultado foi a abertura de novos vagas de emprego no mercado formal e a expansão do mercado interno. Em 1973, com o choque do petróleo, o modelo baseado em exportação e crédito estrangeiro quebra, o que reduz o ritmo de crescimento do Brasil.
Educação
No campo, o período da ditadura é marcado por um grande êxodo rural. Ao longo dos 21 anos de regime militar, cerca de 10 milhões de pessoas migraram para as cidades. Sem qualificação, a mão de obra barata se concentrou na construção civil e na prestação de serviços. “O ‘apartheid urbano’ brasileiro acontece nesse período. A população pobre cresce nas periferias sem acesso aos serviços público e aos melhores empregos”, afirmou Pedro Paulo Bastos.
Em termos econômicos, houve uma melhora na renda da população inteira. De acordo com Marcelo Neri, diretor da FGV Social, o bem estar econômico da população cresceu, mas a falta de investimento na qualificação para o mercado de trabalho foi responsável pelo aumento da desigualdade. “Com o crescimento econômico foi necessária mão de obra qualificada, mas com o baixo investimento em capital humano, ela não estava disponível. Na ditadura, cresceu a distância entre a renda dos mais escolarizados e os mais pobres”.
Diferente de outros países que viveram um regime de fechamento político, como a Coreia do Sul, não ouve por parte dos militares uma preocupação em investir em educação. A alta da desigualdade social criada durante a ditadura só foi revertida no século XXI. “O Brasil continua com uma desigualdade muito grande, mas foi apenas nos anos 2000 que o país conseguiu zerar o alto índice de desigualdade social econômica criado durante a ditadura militar, retomando o índice do início da década de 1960”, explicou Neri.