Mesmo com volta gradual do turismo, setor deve perder 3 mil hotéis no país

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As férias dos sonhos, o descanso merecido ou até mesmo aquela viagem de fim de semana com a família tiveram que ser adiadas por causa da pandemia do novo coronavírus. Enquanto o relaxamento das medidas de distanciamento social em diversas partes do país trouxe reação a diversos setores da economia, com varejo e indústria, o turismo ainda vive na incerteza. O fechamento dos estabelecimentos e das fronteiras zeraram as receitas dos hotéis por pelo menos três meses, e, mesmo com as portas fechadas, as contas não pararam de chegar. Estima-se que o cenário pré-pandemia só será vivido novamente daqui 18 meses. Como se não bastasse o longo período de paralisação, o retorno das atividades e da procura de hóspedes nos próximos meses é altamente incerta para o setor. “Todos, sem exceção, estão com dificuldades. Quem tinha mais caixa vai superar de maneira menos traumática, mas creio que hostels, motéis e pequenas pousadas são os mais prejudicados”, diz Alexandre Sampaio, presidente da Federação Brasileira de Hospedagem e Alimentação (FBHA).  A estimativa da associação é que ao menos três mil estabelecimentos no país não voltem a abrir.

A avaliação é que hoteis independentes em regiões de lazer ou cidades voltadas para o turismo, além de hospedagem urbanas terão muitas dificuldades.  Dados da Confederação Nacional do Comércio de Bens Serviços e Turismo (CNC) calculam que desde o início da pandemia turismo já acumula perdas da ordem de 121,97 bilhões de reais e que, neste mesmo período, 275 mil postos formais de trabalho foram extintos. 

Segundo especialistas no setor, o maior empecilho para os hotéis nos próximos meses é a necessidade de repor estoques e pagar funcionários sem capital de giro diante da incerteza de que o índice de procura será capaz de compensar os custos da reabertura. Por mais que alguns estabelecimentos estejam recebendo clientes dentro de uma capacidade reduzida, ela é limitada e baixa quando comparadas com os custos das operações. Uma pesquisa realizada pelo Fórum das Operadoras Hoteleiras (Fohb), que representa aproximadamente 700 hotéis, mostra que a taxa de ocupação média dos estabelecimentos ficou em 8,9% em junho. As estimativas para julho, ainda que seja um mês de férias escolares, é de que ela cresça um pouco, mas ainda permaneça fraca, entre 10% e 11,2%. “Isso não paga nem a conta de luz. Vamos ter uma situação dramática a partir de agosto, setembro e outubro, e pode haver uma quebradeira geral de hotéis”, diz Orlando Souza, presidente do Fohb.

Medidas que auxiliaram os hotéis durante os meses em que se mantiveram fechados, bem como outros setores da economia, foram a Medida Provisória 936, que permitiu a redução proporcional de jornada de trabalho e salários por 90 dias e a suspensão temporária do contrato de trabalho por 60 dias com auxílio governamental. Depois de ser convertida na lei 14.020, houve um decreto que prorrogou o prazo total dessas medidas para 120 dias, mas o setor busca mais um prolongamento da medida com o governo. A situação para o Ministério da Economia, porém, é extremamente delicada. Enquanto setores como o turismo agonizam, o déficit público para 2020 já está estimado em 800 bilhões de reais. Mais auxílios governamentais significa mais dívidas para o País, mais risco e menos investidores internacionais.

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Além disso, os hotéis alegam que enfrentam dificuldade de conseguir crédito por meio de programas criados com o amparo de recursos do BNDES, como o Fundo Garantidor de Investimentos (FGI) e o Fundo Geral de Turismo (Fungetur). De 50 hotéis que fazem parte da rede hoteleira de uma operadora que não quis se identificar, nenhum conseguiu crédito nas agências bancárias. Apesar de o BNDES garantir parte do pagamento da dívida, a maior dificuldade está na comprovação de que o devedor conseguirá pagar a outra parte do empréstimo, uma vez que o futuro na área hoteleira é incerto e nada promissor. Para algumas operadoras de hotéis, a situação é ainda mais complicada, uma vez que elas não possuem imóveis para dar como garantia, mas apenas os administram.

Investimentos

Apesar das dificuldades dos hotéis de menor porte, grandes redes possuem mais fôlego financeiro para atravessar a crise. A rede Accor, por exemplo, que tem 5 mil hotéis no mundo e nos últimos anos investiu bastante no Brasil, diversificou os negócios e transformou em quartos de home office. A queda drástica no índice de ocupação e o grande número de contagiados no país não foram mais problemáticas devido a possibilidade de suspensão de contratos e redução de jornada. Após 70% dos hotéis da rede ficarem fechados em todo o mundo, a expectativa é que mais de 80% sejam reabertos até o final deste mês. O desafio agora é voltar a ter uma ocupação de pelo menos 25%, o mínimo necessário para conseguir rentabilizar um empreendimento. No segmento luxo, esse porcentual é maior, de 35%.

A visão sobre o futuro é realista: a rede estima que não conseguirá uma ocupação acima de 70% nos próximos oito meses. Apesar das dificuldades, a companhia não pensa em frear os seus investimentos por um bom tempo. “O Brasil tem muito potencial para crescer. Tivemos muitas crises no passado com o turismo mundial, terrorismo, pandemia, essa é a mais pesada de todas, mas acreditamos que o turismo vai voltar com força e vai demorar de 15 a 18 meses”, diz Patrick Mendes, CEO da Accor da América Latina. “Não houve atraso nem cancelamento de contrato no mundo inteiro porque o investidor espera um resultado a longo prazo, de cinco a 30 anos”, diz ele.

A Blue Tree Hotels, que opera 22 hotéis no Brasil, também teve de repensar seus gastos durante a reabertura gradual da rede. Enquanto muitos hotéis permaneceram fechados, os custos continuaram e alguns até aumentaram. “Um hotel com 400 apartamentos não fica fechado, tem de ser arejado e conservado para a qualquer momento ser utilizado. Fizemos rodízio de funcionários, usamos mais produtos de limpeza, hospitalares, e adotamos protocolos e procedimentos de segurança sanitária com toda a equipe”, diz Chieko Aoki, presidente do Blue Tree Hotels. Enquanto aguarda a aprovação de um imunizante, a empresa investe em tecnologia e torce para a procura aumentar.

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O “novo normal”

Além dos protocolos de limpeza e do limite no número de hóspedes pelos hotéis, a maneira de viajar levará um bom tempo para voltar a ser o que era antes da pandemia causada pelo coronavírus. Durante a reabertura gradual, muitos empreendimentos mantém seus restaurantes fechados, apenas com serviço de quarto, bem como piscinas, saunas e áreas de lazer fechadas. Além disso, os poucos turistas dispostos a se aventurar estão procurando destinos mais próximos de suas cidades para não terem de pegar avião. Viagens de apenas um dia diminuíram bastante e, com a possibilidade de trabalhar à distância, a tendência é de que a duração das estadias variem de uma semana até um mês.

João Annibale, diretor regional da The Leading Hotels of the World, também percebeu essa mudança. Segundo ele, há uma procura maior por vilas ou bangalôs ao invés de quartos, o que permite à família ou grupo circular em seu próprio espaço, sem compartilhá-lo com pessoas de outros núcleos. “Está todo mundo doido para viajar. O nosso público vê a viagem como parte da vida deles e, historicamente, dentro do mercado hoteleiro, o segmento de luxo é o primeiro a reagir”, diz Annibale.  Apesar da demanda reprimida e da vontade de viajar, o sentimento agora é de cautela. De um lado os hotéis torcem pelo retorno dos clientes, mas de outro têm de seguir limites de ocupação devido aos riscos de novas ondas de infecção. Ainda que haja o desejo reprimido por lazer e viagens, a prudência ainda fala mais alto.



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