Marcelo Jeneci volta ao álbum com ‘Guaia’: ‘sou apaixonado pela pulsão de morte que a arte me traz’

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RIO — Marcelo Jeneci e o pequeno Arlo brincam na paisagem desértica de Palm Springs, na Califórnia, pulando em poças d’água, dançando e usando máscaras criadas pela artista plástica Mana Bernardes (companheira de Jeneci e madrinha do menino), enquanto os produtores americanos Chloë de Carvalho e Tobia Sempi, pais de Arlo, registram tudo.

O videoclipe afetivo acompanha os versos de Arnaldo Antunes musicados por Jeneci — “Sigo assim escolhendo o que é melhor pra mim/ Pode ser que eu me arrebente, mas levo a minha vida em frente”. Assim, com a leveza de uma brincadeira infantil e mirando novas direções sônicas, Marcelo Jeneci trouxe ao mundo “Aí sim”, canção que marca um aguardado retorno.


Seis anos se passaram desde “De graça”, disco que tarimbou Jeneci como destaque de sua geração neo-MPBzística. De lá para cá, o compositor e músico paulistano gravou em trabalhos de colegas (
como “Amar é para os fortes”, o mais recente de Marcelo D2
), fez uma turnê bem-sucedida com a amiga Tulipa Ruiz (que rendeu o single “Dia a dia, lado a lado”), shows solo e outros com o Quinteto da Paraíba. Mas, principalmente, pesquisou sonoridades, elementos e inspirações que desembocaram em “Guaia” (Slap), seu terceiro álbum, previsto para junho.

— Sinto uma alegria imensa em voltar a lançar um trabalho meu. “Aí sim” não é somente um single. Há nele uma antecipação de um artista em movimento. O que vai estar impresso nesse disco é uma atualização de tudo o que vibra em mim — revela Jeneci, em papo com o GLOBO de Los Angeles, onde termina de masterizar “Guaia” com o superprodutor Mario Caldato Jr., de trabalhos com Beastie Boys, Jack Johnson, D2, entre tantos outros.

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O disco entrou no processo de gravação em setembro passado, mas sua gestação começou muito antes. Isolado do turbilhão carioca em uma casa no meio da Floresta da Tijuca, onde vive com Mana desde 2016, Jeneci ficou testando composições no piano.

— Passei por uns dois anos de mais contato com a densidade da floresta e da minha natureza crua do que com a expressão natural do mundo — filosofa o músico de 37 anos completados no último domingo. — Isso me trouxe uma escuta mais profunda das minhas próprias perguntas. O mundo exige que a gente responda tanta coisa que às vezes você pode perder a busca de ser quem quer ser, de saber que é possível a mutação e a transformação numa mesma vida.

“Guaia” tem seu título originado de Guaianases, Zona Leste de São Paulo, periferia onde Jeneci nasceu em 1982. É uma forma do músico resumir o que chama de universo sônico do disco. Com muitos sons programados, um perfil mais urbano do que de banda tradicional, Jeneci conseguiu sintetizar no novo álbum os arquétipos e signos que o formaram: a periferia em que cresceu, o agreste de Pernambuco em que criou raízes, e o encontro com outros artistas, poetas e filósofos.

Para trazer esse som mais urbano, sintetizado e programado, Jeneci contou com a produção preciosa de Wladimir Gasper, codinome artístico do produtor, DJ e artista visual Pedro Bernardes, irmão de Mana e ex-marido de Marisa Monte.

— Pedro é um artista de um pensamento muito livre, que me encanta muito. Montamos estúdios na casa dele e na minha, juntando equipamentos, deixando a música se manifestar, sem se colocar à frente da ideia. Foi um processo lento, fazendo samples com meu próprio corpo, elementos da natureza, beatbox. Aí vem Lux (
Ferreira, de trabalhos com Mahmundi
), o co-produtor, processando todos os sons que fomos botando para dentro — narra Jeneci sobre “Guaia”, disco gravado basicamente pelo trio, com algumas contribuições pontuais, como a de Iká Sharhu, integrante da tribo indígena Yawanawá, que trará seu canto melodioso para a faixa “Emergencial”, simbolizando os guardiões do mundo.

“Guaia” será o primeiro disco de Marcelo Jeneci em uma indústria quase 100% digital — o que, garante (após pedir um tempo para refletir), não o assusta:

— Nunca achei que tive sorte. Tenho certeza na minha missão, preciso cantar e colocar no mundo algum ponto de encontro imaterial, trazendo todos os valores que minha família me entregou, e para onde meu coração e minha espiritualidade apontam. Não tem muito “será que?”, isso vai vir depois, não tenho essa perturbação de ser esquecido. Eu sou apaixonado por essa pulsão de morte que a arte me traz, se eu não fizer, eu morro.



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