Kataguiri admite pressão ruralista e de governo contra controle ambiental

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Se já estavam em risco por conta das posições radicais do presidente Jair Bolsonaro, os controles ambientais sofreram um duro golpe com o texto apresentado pelo deputado Kim Kataguiri (DEM-SP) para definir a nova Lei Geral de Licenciamento Ambiental.

A subemenda substitutiva de autoria do deputado flexibiliza os controles em 87% das áreas de quilombolas, 22% dos territórios indígenas e 543 unidades de conservação em todo o país, sobretudo nas áreas mais afetadas pelo desmatamento ilegal na Amazônia Legal, para que empreendimentos de infraestrutura e agropecuários avancem sobre elas.

Kataguiri afastou-se da recomendação principal do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que, ao indicá-lo como relator do substitutivo que será levado diretamente ao plenário, pediu que produzisse um texto de consenso.

Maia imaginou que, por ser neófito em questões ambientais, o deputado que emergiu das manifestações urbanas coordenadas em 2013 pelo MBL (Movimento Brasil Livre), que ajudou a fundar, seria um indicativo de isenção. O relatório final é, no entanto, a quarta versão do substitutivo e foi desfigurado do texto consensual que resultou dos acordos.

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Os 63 artigos do texto afetam profundamente o sistema de proteção ambiental, com a nítida determinação de flexibilizar e extinguir exigências de controle.

As mudanças com maior retrocesso desconsideram como áreas protegidas 163 terras indígenas sobre as quais não há ainda portarias declaratórias assinadas pelo presidente da Funai (Fundação Nacional do Índio).

Permite também empreendimentos em 1.514 quilombos, deixando de fora apenas 241 territórios titulados pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), de um total de 1.755 áreas consideradas quilombolas remanescentes, conforme levantamento da Frente Parlamentar Ambientalista da Câmara e ONGs como o ISA (Instituto Socioambiental).

O texto libera para empreendimentos 543 unidades de conservação ambiental de uso sustentável, das quais, conforme levantamento das entidades ambientais, 358 pertencem aos estados e outras 185 ao governo federal. Nesse trecho, segundo o ISA, o relatório de Kataguiri só deixa de fora 151 unidades consideradas como de proteção ambiental integral.

Um dos pontos mais polêmicos do relatório é a permissão para o licenciamento autodeclaratório. Por ele, o empreendedor faz uma declaração de adesão e compromisso e, com isso, pode tocar uma obra que não tenha impactos diretos ao meio ambiente.

A preocupação dos ambientalistas é que, no conceito de impacto indireto, estão os riscos de desmatamento ilegal na Amazônia e, no caso de mineração, tragédias como as de Mariana e Brumadinho.

O texto excluiu condicionantes a impactos “indiretos” em rodovias, o que poderia produzir resultados desastrosos em regiões como a Amazônia Legal, onde ao longo de uma estrada são construídas vicinais, formando ramais que os técnicos chamam de “espinha de peixe”.

As vicinais servem para o desmatamento, extração ilegal de madeira, grilagem de terras ou garimpos. Essas atividades ilegais ocorrem normalmente em pontos distantes até 4,5 quilômetros das margens da rodovia, formando uma malha de difícil controle.

Guerra fiscal ambiental

O substitutivo institui uma espécie de guerra fiscal ambiental ao definir que estados e municípios podem dispensar a exigência de licenciamento para atrair investimentos, o que desencadeará, segundo avaliação das entidades, uma disputa ferrenha entre entes federativos.

O relator incluiu no artigo que trata do papel dos bancos um parágrafo em que as instituições simplesmente se livram de responsabilidade por danos ambientais mediante a apresentação de uma licença válida do empreendimento financiado.

Em nome de uma suposta desburocratização de normas que impedem o desenvolvimento, o texto de Kim Kataguiri é tão flexível que considera uma simples inscrição no Cadastro Ambiental Rural, o CAR, que é autodeclaratório, como documento de dispensa de licenciamento para atividades agropecuárias. Extingue também a obrigatoriedade de o empresário rural definir, no projeto, o local do empreendimento, uma grande ameaça às áreas ambientalmente frágeis.

“O substitutivo torna o licenciamento exceção, em vez de regra, comprometendo a qualidade socioambiental e a segurança jurídica das obras e atividades econômicas com potencial de impactos e danos para a sociedade”, diz nota assinada por 85 entidades que indicaram juristas e técnicos especializados em licenciamento que participaram dos debates e acabaram surpreendidos com a decisão de Kataguiri.

As entidades temem um profundo retrocesso na proteção do meio ambiente e nos direitos das comunidades tradicionais. Elas alertam que, se o texto for aprovado como quer o deputado, governo e investidores, são grandes os riscos de erupção de conflitos em áreas indígenas e de quilombolas, além de gerar instabilidade jurídica com a inevitável judicialização das medidas previstas no substitutivo.

“A lambança final do relator deixa mal o presidente da Câmara, que, ao designá-lo, orientou o contrário: que todos os esforços mirassem o consenso. Mas a opção pelo confronto e desmonte generalizado do licenciamento ambiental – principal instrumento da política nacional do meio ambiente –, se não for imediatamente corrigida, rebaixará a agenda própria do Legislativo à condição de correia de transmissão das políticas predatórias do Executivo, que já comprometem a imagem do Brasil e colocam em risco a recuperação da economia”, afirmam as entidades.

O deputado Nilto Tatto (PT-SP), presidente da frente ambientalista, diz que o texto de Kim Kataguiri atende à infraestrutura, aos investidores e à ala mais radical do agronegócio. “Para o meio ambiente é um ataque seguindo a prática de desmonte aplicada pelo governo Bolsonaro”, disse o deputado.

O ambientalista Mário Mantovani, da SOS Mata Atlântica, que também participou das discussões e se surpreendeu com a atitude do relator, acha que o substitutivo está longe de representar uma “lei geral” por atender unilateralmente o investidor. “Ninguém conseguiu entender onde ele (Kataguiri) foi buscar as mudanças que nem chegaram a ser discutidas no grupo de trabalho”, disse.

Uma delas, segundo ele, a que isenta instituições financeiras em casos de crime ambiental, é tão inusitada quanto inócua. “Quem financia crime também é criminoso, não tem jeito”, cutucou.

“As propostas vinham sendo bem debatidas, mas Kim Kataguiri rompeu todos os acordos e apresentou um texto alternativo que é o pior dos últimos cinco anos. Pior até do que já havia sido apresentado pela bancada ruralista”, afirmou o advogado Maurício Guetta, consultor jurídico do ISA.

Segundo ele, alguns artigos, como o que substitui o licenciamento pela autodeclaração de adesão e compromisso a empreendimentos sem impactos significativos, nem sequer foram discutidos nas 15 audiências públicas realizadas nos dois meses de atividades do grupo de trabalho.

Ao retirar as condicionantes em áreas protegidas, segundo o consultor, o texto desequilibra a correlação de forças e atenta contra o próprio desenvolvimento econômico. “É um comportamento estranho, uma iniciativa que se filia à postura do governo Bolsonaro para a área ambiental”, diz Guetta.

Pressões do governo e de ruralistas

O relatório de Kim Kataguiri seria levado ao plenário da Câmara até quinta, 16. O deputado passou a semana afirmando que defenderia a íntegra de seu texto com veemência, mas acabou sucumbindo às críticas.

Numa reunião com parlamentares e entidades ambientalistas, segundo contou à Agência Pública uma fonte que participou do encontro, Kataguiri admitiu que havia recebido pressões do governo e da bancada ruralista.

Ele teria incorporado ideias do ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, e do deputado Alceu Moreira (PMDB-RS), um dos ruralistas mais radicais, intransigente e alinhado às posições de Bolsonaro no conflito com ambientalistas.

O que mais pesou para que o deputado aceitasse rever o seu substitutivo, no entanto, foi o puxão de orelha do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que, ao ler o relatório, abriu a agenda para discutir o licenciamento com deputados e entidades ambientalistas e, logo em seguida, disse a Kataguiri que, do jeito que estava, o texto nem seria levado a plenário.

“Nós não queremos tratar de nada que flexibilize o meio ambiente. Queremos é regra clara de licenciamento no Brasil, apenas isso. Se o texto tiver dizendo isso, ok. Se não, nós vamos ajustar”, avisou Maia.

Em conversas reservadas, Maia observou que o relatório não só pendeu para o lado mais forte, que são os grandes investimentos, como também atendia às pretensões do governo Bolsonaro, que ataca ONGs e, ao mesmo tempo, investe pesado no desmantelamento das estruturas de controle ambiental, o que para o presidente da Câmara é um risco ao agronegócio de exportação.

Na semana passada, por conta do rompimento do governo Jair Bolsonaro com o acordo de desmatamento, a Noruega bloqueou repasses da ordem de R$ 133 milhões para o Fundo Amazônia, seguindo posição que já havia sido adotada em junho pela Alemanha, que bloqueou R$ 155 milhões pela mesma razão.

Na quinta, 16, o relator, que havia sido chamado de “jovem deputado ansioso” pelo presidente da Câmara, jogou a toalha, admitindo que produziria uma quinta versão do texto, que só será levado a plenário dentro de “algumas semanas” e com “consenso no que for possível”.

Kataguiri reconheceu que, tal como está, o substitutivo tem 19 pontos conflitantes levantados pelos ambientalistas e garante agora que fará mudanças “parciais ou totais” em pelo menos dez, entre eles o que libera para empreendimentos 87% dos territórios quilombolas não titulados. Ele passará a considerar como quilombo remanescente as terras com RTID (Relatório Técnico de Identificação e Delimitação) formalizado.

Terras indígenas

O ponto mais polêmico nas novas discussões, que agora terão participação também pela população afetada indiretamente pelos empreendimentos, será a definição de áreas indígenas. Kataguiri garante que não abrirá mão do artigo que considera terra indígena apenas áreas reconhecidas por portarias assinadas pelo presidente da Funai.

“Não vai haver modificação. Se 22% não forem reconhecidas, o problema não é do licenciamento, é da Funai. A pressão deve se dar em cima da Funai”, afirma o deputado.

Sobre a falta de avaliação estratégica ambiental para definir locais aptos a abrigar empreendimentos, outra grande reclamação dos especialistas por levar riscos de degradação de áreas frágeis, o relator promete incluir um item para “incentivar” os órgãos licenciadores a produzir esse tipo de estudo, mas não como obrigação. “Os órgãos técnicos não têm capacidade para fazer essa avaliação no país inteiro”, justifica.

O relator diz que o texto não incentiva guerra fiscal ambiental porque estados e municípios já têm autonomia para aplicar legislações próprias. E afirma que “é mentira” que se abrirá mão do licenciamento na construção de estradas na Amazônia.

Seu argumento é frágil: o texto não inclui condicionante para impactos indiretos porque a abertura de vicinais para desmatamento e retirada de madeira é uma atividade criminosa cujo combate deve ser feito por políticas públicas.

“Concordo que o executivo precisa trabalhar mais para combater desmatamento ilegal. É consenso que licenciadores estão sucateados”, diz Kataguiri, que vai recomendar no relatório que o presidente da República, o ministro do Meio Ambiente e os governadores sejam informados das deficiências e responsabilizados em casos de desastre ambiental, uma hipótese sem nexo com a era marcada pela ostensiva política de desmonte das estruturas de controles ambientais.

*Reportagem publicada originalmente no site da Agência Pública



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