Brasília – O uso do conteúdo de mensagens obtidas pelos presos na Operação Spoofing, da Polícia Federal, em outros processos, ainda dependerá de uma longa discussão na Justiça, segundo o entendimento de pessoas envolvidas no caso. Mesmo que tenham sido obtidas de forma ilícita, por meio de ataques virtuais, juristas consultados pelo Estado afirmaram que a lei permite aproveitar provas quando o objetivo é a busca pela absolvição ou para permitir que algum preso ganhe liberdade. A utilização de material obtido por meio de “hackeamento“, no entanto, seria inédita.
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) solicitou nesta sexta-feira, 26, à 10.ª Vara Criminal Federal que o material capturado em contas no Telegram de autoridades não seja destruído, contrariando a sugestão do ministro da Justiça, Sérgio Moro. A entidade afirma que a integridade do material é importante como garantia do exercício de defesa.
Um ministro do Supremo Tribunal Federal, ouvido reservadamente pela reportagem, afirmou que mesmo réus em outros processos podem solicitar – e até utilizar em sua defesa – as mensagens trocadas por pessoas que foram vítimas de ataque virtual. Ele reconheceu, porém, que a questão é controversa na Corte.
Em recurso apresentado à Segunda Turma do STF, a defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva cita as supostas mensagens trocadas entre Moro e integrantes da Lava Jato no pedido de suspeição do ex-juiz. A análise do habeas corpus foi interrompida no mês passado e os ministros não chegaram a discutir se vão considerar o material obtido pelos hackers. A Procuradoria-Geral da República já se manifestou contra.
O pedido da OAB para que as mensagens não sejam destruídas será analisado pelo juiz Vallisney de Oliveira, que autorizou a prisão dos quatro suspeitos pelos ataques virtuais. Segundo interlocutores, o entendimento do magistrado, em termos gerais, é de que provas ilícitas devem ser descartadas, mas ele ainda deve analisar o caso concreto relacionado às mensagens apreendidas pela PF.
Para o ex-ministro da Justiça Torquato Jardim, o juiz deve permitir que a defesa de um réu tenha acesso caso um fato de conhecimento público possa favorecê-la. “Tornada pública a notícia de algo que seja relevante à defesa, o juiz é obrigado a abrir vista aos réus para que se complete o rito do devido processo legal e da ampla defesa com todos os recursos pertinentes”, afirmou Jardim.
A opinião é compartilhada pelo criminalista Alberto Toron, que entende ser possível utilizar a prova emprestada no caso dos hackers. “A defesa no processo penal não sofre as mesmas limitações que a acusação”, disse ele, que tem entre seus clientes políticos como o deputado Aécio Neves (PSDB-MG) e a presidente cassada Dilma Rousseff (PT).
Critério
Mesmo quem defende essa possibilidade aponta ser preciso limitar o acesso a pontos determinados das mensagens capturadas pelos hackers, sem o chamado “fishing”, que, no jargão de advogados, significa analisar todo o conteúdo para só então “pescar” o que poderia ser útil.
Moro argumentou, no entanto, que materiais obtidos por crimes de hackeamento não teriam utilidade jurídica e, além disso, o mero exame dos conteúdos significaria uma nova violação da privacidade das vítimas. Nesta quinta-feira, ao comunicar autoridades de que haviam sido alvo dos ataques, ele disse que o material seria descartado.
A Polícia Federal afirmou, em nota, que cabe à Justiça, “em momento oportuno, definir o destino do material, sendo a destruição uma das opções”. O Estado apurou que a nota foi divulgada a pedido de Moro, a quem a PF é subordinada, como forma de esclarecer o assunto.
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