Inflação: resgatando a história | VEJA

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Durante o recente Fórum Econômico Mundial, o ministro Paulo Guedes declarou que no Brasil se enfrentou a inflação “combatendo os sintomas em vez de combater os fenômenos” — isto é, a causa. Citou o congelamento de preços. O problema estaria, assim, no excesso de demanda, que exigiria ortodoxia fiscal e monetária. Ressalte-se que, em 1986, ele vaticinou — e acertou — o fracasso do Plano Cruzado.

Ocorre que não foi o congelamento que acarretou a falência do plano. Houve dificuldades não antecipadas por seus autores, o que exacerbou o papel do fechamento da economia. O fim súbito da inflação interrompia a corrosão dos salários reais, dando a sensação de ganhos de renda. A demanda de bens e serviços se expandia intensamente.

A oferta, enquanto isso, não seguia o mesmo ritmo nem podia ser complementada por importações, por causa de burocracia e proibições. Pior, diminuía, pois quem ficava com defasagem de preços contraía a produção. As mercadorias sumiam do mercado, forçando o descongelamento. Ressurgia a inflação.

Antes, a ortodoxia também fracassara. A inflação resistia aos remédios clássicos. Subia impulsionada pela indexação de preços, salários, aluguéis e outros à inflação passada. Na origem, estava a correção monetária, instituída no regime militar para títulos públicos e cadernetas de poupança. Depois, generalizou-se para quase tudo. A inflação de ontem influenciava a de hoje, que influenciava a de amanhã, e assim sucessivamente. Era a chamada “inércia inflacionária”.

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O congelamento de preços, em 1986, parou a corrosão dos salários, dando a sensação de ganhos de renda

Nos anos 1980, o Banco Central enfrentava a inflação via controle da expansão da base monetária, o que se tornou inútil. Criou-se um teto para a expansão do crédito. Não adiantou. A inflação teimava em subir. Em 1983, no acordo que o governo selou com o Fundo Monetário Internacional (FMI), acirrou-se a ortodoxia. Mesmo cumprido na maior parte, o acordo não abalou a inflação.

O fracasso das recomendações do FMI reforçou a necessidade de uma estratégia para quebrar a inércia, a causa maior da inflação crescente. Havia duas opções: o congelamento ou a ideia genial de André Lara Resende e Persio Arida, conhecida como Larida. Eles propunham uma unidade de conta para referenciar os preços, a qual, depois de disseminada, se tornaria a nova moeda. Curiosamente, o congelamento fazia sentido. Tinha dado certo em Israel e, até então, na Argentina. Era de fácil entendimento e gerava efeitos instantâneos. A Larida era uma tese acadêmica, inédita, talvez difícil de entender, e levaria tempo para funcionar.

Essa nova ideia amadureceu. Em 1994, nasceu com a unidade real de valor (URV) a base do sucesso do Plano Real. Tal como o congelamento, o plano foi uma ação heterodoxa. Seu êxito muito se deveu à maior abertura da economia. A oferta interna foi complementada por importações, o que evitou as prateleiras vazias nos supermercados.

A causa básica da inflação brasileira era a inércia inflacionária, e não o excesso de demanda. O congelamento e o Plano Real não combateram sintomas. É o que dita a história.

Publicado em VEJA de 26 de fevereiro de 2020, edição nº 2675



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