No livro O Povo contra a Democracia, o cientista político Yascha Mounk diz que sistemas políticos não são eternos. A democracia ateniense durou cerca de dois séculos. Roma autogovernou-se por quase 500 anos e a República de Veneza funcionou de 697 a 1797, mais de um milênio. Todos esses regimes sucumbiram.
A nossa democracia chegou a ser posta em dúvida com atitudes autoritárias do presidente Jair Bolsonaro e do deputado Eduardo Bolsonaro, para quem a ruptura seria apenas uma questão de tempo. Militares em posições de relevo declararam que as Forças Armadas não aceitariam um julgamento político do presidente. Temeu-se o golpe.
“Como vou dar golpe se eu sou o presidente?”, questionou Bolsonaro. Na verdade, o receio era de um autogolpe como o do Peru, de 1992. O presidente Alberto Fujimori dissolveu o Congresso com apoio militar e “reorganizou” a Suprema Corte para formar maioria fujimorista.
De repente, Bolsonaro mudou, começando por abandonar as falas diárias no cercadinho do Alvorada e os ataques a ministros do STF. Entre outras razões, a mudança pode decorrer das investigações que envolvem seus filhos e parlamentares mais fiéis, bem como da prisão de Fabrício Queiroz. Ou ainda de ele ter percebido a força das instituições.
“Bolsonaro mudou, começando por abandonar as falas diárias no cercadinho do Alvorada”
Segundo o economista Douglass North, instituições são as regras do jogo que alinham incentivos para ações políticas, sociais e econômicas. Elas determinam a evolução das sociedades. As instituições podem ser formais e informais. Os partidos políticos são exemplos das primeiras; os grupos familiares, das segundas.
No Brasil, o conceito de instituições costuma se limitar à organização política dos três poderes, com o Judiciário, o Legislativo e o Executivo. Na verdade, abrange também as empresas, a Igreja, os grupos de amizade, as entidades de educação e ensino e, destacadamente, a imprensa, que é a espinha dorsal da democracia. A imprensa constitui, com efeito, instituição fundamental. A ela cumpre informar, criticar e, sobretudo, estimular o debate. A liberdade, garantida pela Constituição, lhe permite monitorar ações do governo. Não à toa, regimes autoritários censuram a imprensa, limitando ou silenciando sua voz.
Bolsonaro tem atacado sistematicamente a imprensa. Manda repórteres se calar em entrevistas. Determinou que um jornal fosse excluído de assinaturas do governo. Referiu-se desairosamente a uma jornalista. Mudou o horário de divulgação das estatísticas sobre a Covid-19, para que um noticiário de TV não pudesse comentá-las. O Judiciário o obrigou a recuar. A imprensa não se intimidou, ninguém a amordaçou.
Houve outras razões, mas o Judiciário e a imprensa explicam em grande parte a mudança de Bolsonaro. Caber-lhes-á manter-se vigilantes, ao lado de outras instituições de controle, para buscar contê-lo caso reassuma a postura agressiva e autoritária anterior.
Segundo o Datafolha, 75% dos brasileiros rejeitam um regime autoritário. Há riscos, mas a democracia resistirá.
Publicado em VEJA de 15 de julho de 2020, edição nº 2695
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