“Quando vejo dois meninos de mãos dadas na Rua Augusta, a cena me incomoda. Não queria me sentir dessa forma. Sei que carrego isso do meu passado”, disse Gregório Kramer, falecido aos 80 anos em 2019, em um dos raros momentos em que falou sobre a homossexualidade nas entrevistas para o livro Attílio e Gregório, que será lançado no dia 10 (Ed. Olhares, 149 reais). Ao lado do parceiro, Attílio Baschera, 87, o designer argentino revolucionou a decoração de interiores nas décadas de 70 e 80 por meio de estampas coloridas, artísticas e cheias de elementos bem brasileiros, como um abacaxi ou a paisagem do Pelourinho. (Odiavam as cópias malfeitas dos estilos estrangeiros consumidas na elite paulistana).
Sempre lembrados como o primeiro casal gay a ser bem recebido — e festejado — na alta-roda da cidade, eram fechados e idiossincráticos sobre o tema. “Tinham um lado conservador, não gostavam de ser vistos como um casal. Gregório não admitia quando um convite era enviado em nome dos dois, como se fossem ‘senhor e senhora’”, diz o arquiteto Rica de Oliveira Lima, 31, autor da obra. “Ao mesmo tempo, eram transgressores. Attílio chegava a ir a festas travestido de mulher”, conta.
Filho de judeus refugiados na Argentina, Gregório se apaixonou por Attílio — então um diretor de arte casado — após se encontrarem no restaurante do extinto Hotel Claridge, no Centro, em 1968. Em 1971, abriram juntos a Larmod, ainda um pequeno estúdio entocado em uma vila da Alameda Ministro Rocha Azevedo, nos Jardins. Attílio desenhava as estampas e Gregório as coloria.
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Três anos mais tarde, a parceria deu origem a uma icônica loja na Rua Bahia, em Higienópolis. O endereço se tornou point de artistas, fotógrafos e habitués das colunas sociais. A dupla, alçada ao hall da fama da decoração, teve unidades da marca no Rio, em Buenos Aires e outras praças. O negócio acabou vendido nos anos 90 e, nas décadas seguintes, pouco a pouco, baixou as portas. Em 2005, eles criaram a AGain, que durou até 2012.
Pesquisador de Attílio e Gregório desde quando fez um projeto de iniciação científica sobre a dupla na FAUUSP, Rica conseguiu ser convidado para um café no apartamento onde eles moravam, em Higienópolis, no início de 2016. Ao sair, comprou um buquê de lírios e deixou na portaria. Virou amigo do casal, e o café nas tardes de segunda-feira se tornou um ritual.
Nas conversas, o único tema tabu era a homossexualidade — pelo menos quando o gravador estava ligado. No mais, os dois velhinhos eram sinceros e contundentes até para falar de assuntos como a proximidade da morte e a maneira como andavam esquecidos pelo segmento. “O mercado nos aplaude, mas não nos chama para trabalhar. Logo nós vamos morrer e nossa história será esquecida”, queixavam-se. Bem, não mais.
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Publicado em VEJA São Paulo de 04 de novembro de 2020, edição nº 2711
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