A peste suína africana tem sido um desastre para a China, com a morte em massa de animais, mas para os frigoríficos brasileiros pode ser uma mina de ouro. A necessidade do país asiático de substituir a carne de porco deve trazer demanda adicional para o Brasil — desde que as relações políticas joguem a favor.
Em visita a Pequim nesta quinta-feira (23), o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, reforçou a necessidade de o Brasil ampliar a parceria comercial com a China, principalmente em produtos de maior valor agregado. “A China continuará a crescer acima da média mundial e em alimentos, por exemplo, deverá crescer de 11% a 13% até 2030”, disse. “Iremos trabalhar para ampliar e diversificar as exportações brasileiras com maior valor agregado.”
Nesta quarta-feira, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, afirmou na Câmara dos Deputados que se o Brasil “tiver juízo” e cumprir protocolos, terá “muito mercado” com os desdobramentos da peste suína. A representatividade da China no setor de proteína animal brasileiro passou de 8% do total dos embarques, em 2005, para 26% neste ano, atingindo 46% em segmentos como suínos.
E não só a aniquilação de 30% a 40% do rebanho suíno chinês traz bons ventos para empresas como JBS, BRF, Marfrig e Minerva. “A China ainda tem um problema grave com os Estados Unidos. Os chineses estão pisando em um terreno pantanoso”, afirma a diretora executiva da consultoria especializada Agrifatto, Lygia Pimentel.
Para o economista-chefe da Nova Futura Investimentos, Pedro Paulo Silveira, o desafio com o rebanho suíno na China veio para ficar. “O problema é tão grande que já está impactando os preços do milho e da soja, principais insumos para a criação de porcos.” Lygia acrescenta à guerra comercial fatores como câmbio e adversidades climáticas nos Estados Unidos, o que também contribui para a pressão sobre as cotações dessas commodities.
O sócio e co-gestor dos fundos da gestora Ujay Capital, Antônio Bueno, afirma que o choque de oferta de proteína com a gripe suína africana (ASF, na sigla em inglês) é muito significativo. Ele lembra que, em meados de 2006, a China enfrentou a doença da “orelha azul” e, à época, a quebra do rebanho foi de 8%, resultando em um aumento de preços dos porcos no país de 90% entre 2006 e 2008.
“A ASF é mais virulenta que a orelha azul e não tem cura. Em 2006, a criação de suínos na China era concentrada em pequenos produtores, cerca de 70% do total. Hoje, são as grandes unidades produtivas que têm mais de 65% da produção e, dessa forma, um animal contaminado com o vírus expõe um número muito maior de outros porcos, fazendo com que a doença se espalhe de forma ainda mais severa”, esclarece.
A estimativa da Agrifatto é que a liquidação do rebanho suíno chinês tenha atingido 35%. “A orelha azul acometeu aproximadamente meio milhão de cabeças. A ASF já levou a uma liquidação estimada de 155 milhões de cabeças.”
Neste cenário, analistas divergem sobre quais empresas brasileiras devem se beneficiar primeiro com a provável demanda adicional da China, mas o consenso é que os frigoríficos vão sair ganhando.
O analista da Mirae Asset Corretora, Pedro Galdi acredita que novas plantas brasileiras devem ser habilitadas em breve para exportar à China. “Enquanto isso não acontece, dependendo do corte, os preços dos suínos já sobem quase 20% e, do frango, 40%”, pondera. “Os frigoríficos estão exportando com bons preços”.
O preço da carne de frango sobe junto porque ela também é usada como substituta à carne suína chinesa. Sob essa ótica, até mesmo a Marfrig, focada em bovinos, pode se beneficiar.
Em relatório do banco de investimentos Itaú BBA, analistas afirmam que o recente surto de peste suína na China “irá impulsionar a geração de fluxo de caixa da JBS nos próximos trimestres, gerando potencial Ebitda de 21 bilhões de reais em 2020”.
O Bradesco BBI avalia em seu relatório a clientes que, no caso da Marfrig, devem ser incorporadas ao guidance “estimativas de maiores volumes e preços para proteínas devido à ASF, com alta de preços média de 10% para o ano”.
Um relatório da XP Investimentos destaca ainda que o acordo entre Estados Unidos e Japão, firmado nesta semana, para compra de carne bovina, impulsionou as ações da Marfrig e da JBS. “Apesar de a Marfrig já ser a maior exportadora de carne resfriada para o Japão, com o país asiático representando 5% da receita total da empresa em 2018, a notícia é positiva”, diz o relatório.
Unidades habilitadas a exportar
De acordo com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), 64 unidades estão habilitadas a exportar para a China, sendo 9 da BRF (entre aves e suínos); 21 da JBS (bovinos, suínos e aves); 3 da Marfrig (bovinos e outros tipos) e 1 unidade de bovinos do Minerva. Conforme estimativas de entidades ligadas aos segmentos de proteína animal, mais de 70 outras unidades estariam em processo de habilitação.
A analista da Agrifatto ressalta que, ao mesmo tempo que o Brasil depende das compras chinesas, o país asiático também precisa do produto brasileiro. “No setor alimentar, é difícil mudar de fornecedor de uma hora para outra. Dificilmente a China vai procurar outros mercados”, assinala.
Para o médio prazo, porém, há o risco de a China acelerar a busca por diversificação de países fornecedores para depender menos do Brasil — o Brasil responde por 22% das importações chinesas de carne bovina. Segundo um investidor próximo ao governo chinês, algumas ações de Jair Bolsonaro, como a visita a Taiwan durante a campanha, ainda caem mal em Pequim. “A China vai habilitar novos frigoríficos, mas vai querer ser bem tratada”, diz.
Na China, Mourão demonstrou interesse de incluir o Brasil na iniciativa global de investimentos Belt And Road (conhecida como a nova Rota da Seda), mas com foco em produtos de alto valor agregado. Se tudo der certo, lombinhos e sobre-coxas brasileiras serão cada vez mais comuns nos supermercados de Pequim e Xangai.