Cidade ecológica supostamente à prova de desastres desponta como ferramenta potencial contra extremos do clima. E há países que apoiam soluções semelhantes
access_time
14 abr 2019, 08h38
São Paulo – Na última quarta-feira (8), uma reunião da ONU-Habitat, braço das Nações Unidas para questões de assentamentos humanos, deu o que falar. No centro do encontro de alto nível, que reunia dezenas de especialistas, investidores e cientistas, estava um debate nada usual: cidades flutuantes e autossustentáveis.
Coisa de ficção científica? Não mesmo. Diante do aumento e intensificação de catástrofes climáticas, a ideia de construir áreas habitáveis em alto mar chama cada vez mais atenção — e já mobiliza propostas.
Exemplo disso é o projeto Oceanix City, concebido pela agência de arquitetura BIG em parceria com a empresa Oceanix. Apresentada na reunião da ONU, a cidade flutuante conceitual é constituída por várias plataformas hexagonais conectadas que, combinadas, poderiam abrigar até 10 mil habitantes de maneira autossustentável.
Os moradores produziriam seus próprios alimentos tanto em áreas de cultivo instaladas na superfície da cidade quanto em dispositivos submersos para cultivo de algas e frutos do mar. Energia para eletricidade e transporte viria de fontes renováveis, como solar e eólica. Vista de cima, a cidade se assemelha a uma flor, com os telhados das residências (imitando pétalas) revestidos de painéis fotovoltaicos.
Água potável seria obtida por processos de dessalinização da água salgada do mar, técnica atualmente empregada em mais de 100 países do mundo que carecem de fontes de água doce suficientes. Apesar do nome “flutuante”, a cidade não ficaria à deriva no oceano, mas ancorada no fundo do mar por “biorock” um material usado para construir recifes de corais artificiais.
Não há perspectiva de quando — e, muito menos, se — o projeto da Oceanix City será concretizado. Soluções de alta tecnologia e design de ponta como este nunca estiverem no centro das atenção da ONU-Habitat, e poderíamos até pensar que a ideia futurista seria vista como, bem, apenas isso…algo aquém demais em um mundo com cidades (em terra) que necessitam de bilhões em investimento para lidarem com problemas ambientais.
Mas não é bem assim. Segundo Victor Kisob, vice-diretor executivo da ONU-Habitat e coordenador do evento, dadas as intensas pressões, particularmente o lento progresso no combate ao aquecimento global, “as soluções não convencionais não podem mais ser desconsideradas”.
Essa possibilidade entrou no radar dos especialistas da ONU após eles analisarem possíveis soluções que poderiam ajudar nos esforços de recuperação de eventos de grande impacto que deslocam milhares de pessoas. Casos como o da super tempestade Sandy, nos EUA em 2012, e crises humanitárias como a que assola Moçambique após a passagem do ciclone Idai, que deixou mais de 80 mil pessoas desabrigadas.
Há ainda um outro motivo que torna atraente a ideia de cidades flutuantes: o elevado e crescente custo de vida em centro urbanos costeiros que, cada vez mais apinhados de pessoas, também sofrem com a falta de espaço para expansão imobiliária.
Não à toa, Singapura, considerada uma das cinco cidades mais caras e densas do mundo, vai sediar uma conferência mundial sobre soluções flutuantes no final de abril. O World Conference on Floating Solutions é o evento comercial mais expressivo para desenvolvimento de estruturas offshore para produzir, viver e trabalhar.
A cidade asiática precisa encontrar mais de 50 quilômetros quadrados de espaço extra para acomodar uma população crescente que deverá somar de 6,9 milhões de pessoas até 2030. Como ela, há dezenas de micronações oceânicas que podem deixar de existir com a aumento do nível do mar e, em última instância, precisariam encontrar novos territórios.
Ao que tudo indica, diante da urgência das mudanças climáticas e de pressões socioeconômicas associadas à expansão urbana, as cidades flutuantes podem em breve se tornar uma nova ferramenta disponível no arsenal dos governos.