FHC falou em “atraso”, mas mudou de ideia sobre Lula na transição

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São Paulo — No quarto e último volume da série Diários da Presidência, que chega às livrarias no dia 25, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso conta o processo de aproximação de Luiz Inácio Lula da Silva e de outras lideranças petistas de posições políticas defendidas pelo mercado na economia e revela bastidores dos dois últimos anos de seu mandato e no delicado período da transição, após a derrota em 2002 do tucano José Serra na eleição presidencial.

É possível acompanhar mês a mês a evolução do pensamento do então presidente em relação aos principais candidatos à sua sucessão. Pouco a pouco suas resistências a Lula vão se transformando na atitude que ele resume dessa forma: “Se Lula ganhar vou tentar ajudar o Brasil”.

É assim que FHC justifica sua atitude em relação ao petista durante a campanha eleitoral e a transição. Do primeiro encontro com Lula no Planalto logo após o assassinato do prefeito de Santo André, Celso Daniel, à posse, o então presidente vai modulando nos registros gravados e agora transformados em livro sua atitude em relação a Lula.

Fernando Henrique chega mesmo a dizer de José Dirceu: “Ele raciocina como nós, como um tucano”. E o presidente alerta em agosto de 2002 o dirigente petista sobre as resistências de grandes empresários espanhóis e italianos à eleição de Lula. “Vai ter dificuldades imensas para governar.” FHC começava a captar o processo de transformismo da elite petista. O PT recebia, naquele momento, adesões de todos os lados. E deixava de ser “um partido igualzinho a você”, como no slogan dos anos 1980, para se tornar um “partido igualzinho aos outros”.

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E ali o tucano afirma que não iria jogar do lado dos que querem uma crise institucional. Apesar disso, dizia que o PSDB devia apoiar apenas pautas pontuais do governo sem participar da administração petista, que era “um governo que pode não dar certo de forma pavorosa”.

No fim de 2001, FHC dizia que a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva seria um “imenso atraso” para o Brasil e que o petista passou 20 anos no Partido dos Trabalhadores sem que tivesse se preparado para o cargo – “ele não aprende”. A legenda dele representava então o pensamento regressivo da esquerda no País.

Mas, em outros momentos do fim do mandato, o tom era diametralmente oposto. “É melhor Lula e Serra do que Lula e Roseana (Sarney, no segundo turno) ou do que Serra e Roseana. Porque Lula e Serra significam forças de progresso. O Lula, mesmo que tenha aspectos atrasados, corporativos, tem aspectos positivos na questão da moralidade pública, na questão de certa responsabilidade fiscal.”

Desastre

Fernando Henrique parecia acreditar que um desastre como o que envolvera na Argentina o governo de Fernando de la Rúa podia atingir o petista. Ao saber do resultado das urnas, disse que não era uma “onda vermelha” ou o petismo que ganhava o pleito, mas o “lulismo”. “É a vontade de mudar.”

Mas qual era a alternativa? Serra é descrito como alguém sem muitas chances, um candidato que não empolgava e, por isso, cada vez mais tenso. Era alguém ainda em torno de quem havia discórdia. Não que o presidente corrobore as acusações de pefelistas e dos tucanos do Ceará contra Serra, de que ele estaria por trás de manobras e intrigas para pavimentar sua candidatura. O tucano “não cria clima de cumplicidade”.

O último biênio de FHC no Planalto é o da degringolada da parceria com o PFL. Era abril de 2002, quando Polícia Federal deflagrou uma operação na sede da empresa Lunus, da qual o marido de Roseana Sarney, Jorge Murad, era sócio. No local, foram apreendidos documentos e R$ 1,34 milhão em espécie, valor não declarado. A foto com os maços de dinheiro sobre a mesa do escritório foi publicada nos jornais e enterrou a candidatura presidencial de Roseana, que estava em crescimento. “Historicamente fica registrado que o Executivo não vazou nada.”

O livro traz ainda momentos importantes da política externa, como a reação aos atentados de 11 de Setembro. FHC descreve sua estadia em companhia do ex-presidente americano Bill Clinton na casa de campo do então primeiro-ministro inglês, Tony Blair, em outubro de 2001.

É quando surge uma cena memorável: Blair, Clinton e FHC sentados na biblioteca da residência discutindo os próximos lances da guerra contra o terror em torno de um mapa-múndi estendido pelo inglês no chão. “Blair fala que a duração da guerra será de pelo menos um ano.” FHC se lembrou então do amigo e sociólogo José Medina Echavarria que dizia que “quanto mais conhecia quem mandava no mundo, mais tinha medo de viver no mundo”. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.



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