O presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, disse que há risco de desabastecimento de GLP (usado na produção do gás de cozinha) caso haja elevação do imposto sobre a gasolina para salvar a indústria do etanol. O que fica pouco claro na afirmação do executivo são as dificuldades no segmento de GLP no Brasil e os problemas relacionados à oferta exclusiva do insumo pela estatal.
A União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica) divulgou, no final da semana passada, carta pedindo apoio ao governo para evitar um “colapso” do setor sucroenergético, diante da forte queda dos preços do petróleo no mercado internacional, o que torna a gasolina mais competitiva nos postos de combustíveis. Um dos pleitos da Unica é elevar a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) da gasolina, paga por litro.
Castello Branco afirmou que elevar a Cide sobre a gasolina levaria à diminuição da demanda, o que obrigaria a companhia a ajustar a oferta. O problema é que o GLP (gás liquefeito de petróleo) entra na mesma fase de produção da gasolina, por esse motivo, quando o volume de um é reduzido, o do outro também é.
Além disso, o executivo destacou que, em um cenário hipotético de aumento da importação, “não há infraestrutura de distribuição no país”, porque principalmente os portos não estariam preparados para esse incremento.
Como o segmento de GLP não é considerado core business (negócio natural) da Petrobras, não há interesse por parte da companhia de investir em ampliação da infraestrutura de abastecimento no país, pois seria muito custoso e com baixo retorno dentro de sua estratégia.
E no Brasil, a oferta de GLP é restrita à Petrobras, em um histórico de monopólio da companhia no segmento, que nunca foi quebrado. Neste sentido, o consumidor é completamente dependente não só da produção da estatal, como de suas políticas de oferta e de preços.
Pré-sal
O aumento exponencial da produção de gás associado ao petróleo na camada pré-sal é importante, porque eleva ainda mais a oferta local dos gases butano e propano, principais componentes do GLP. Em tese, esta é uma boa notícia para o consumidor, que dificilmente sofreria por falta de oferta local de gás de cozinha.
Essa dinâmica seria verdadeira se o mercado de gás no Brasil não apresentasse alguns gargalos significativos. O principal deles é a falta de capacidade de distribuição no país, uma vez que a Petrobras ainda tem quase que a totalidade do transporte do insumo localmente – embora a empresa tenha iniciado um movimento de venda das suas malhas de gasodutos.
Segundo apurou a reportagem da EXAME, muitas vezes as petroleiras que atuam no pré-sal precisam reinjetar o gás ou até queimá-lo por falta de capacidade de distribuição.
Essa situação só se mantém porque o negócio de transporte de gás também não é considerado core business da Petrobras e, por isso, não há interesse por parte da companhia de investir cifras vultosas para expandir o mercado.
“O GLP não é prioridade da Petrobras como o pré-sal, que tem muito mais retorno”, diz Rivaldo Moreira Neto, presidente da Gas Energy consultoria especializada.
Ele explica que, por muitos anos, o mercado de GLP enfrentou controle de preços por parte do governo – uma prática que vira e mexe volta às discussões políticas como forma de combater crises econômicas. Neste cenário, não houve interesse por parte das empresas de participar desse mercado, por receio de uma possível ingerência do governo nas políticas de preços.
“Num ambiente de preços controlados, é difícil que novos players queiram investir no segmento, mas isso seria importante para garantir a segurança da oferta”, diz Neto.
A solução para este problema, de acordo com o especialista, foi proposta pela Petrobras, que está tentando vender ativos non core, principalmente no refino e na sua distribuição.
“Com a expectativa de expansão acentuada da produção de gás associado ao pré-sal, há um caminho interessante para desenvolver a oferta interna de GLP. A Petrobras é muito competente, nunca deixou faltar o insumo, mas esse nível de concentração carrega riscos importantes”, afirma o presidente da Gas Energy.
Liquigás
A Petrobras concluiu, em novembro do ano passado, a venda da sua participação na Liquigás (braço de distribuição de gás de cozinha) para a Copagaz e a Nacional Gás Butano por 3,7 bilhões de reais. A transação ainda depende de aprovação pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
Segundo a estatal, a transação está “alinhada à otimização do portfólio e à melhora de alocação do capital da companhia, visando à geração de valor” para os acionistas.
O desinvestimento reforça a estratégia da petroleira de deixar de atuar no segmento, assim como outros negócios non core. “Este é um mercado que não tem tantos agentes, mas a Petrobras não tem interesse nele”, diz Neto.
Procurada, a Unica informou que não vai se posicionar sobre a afirmação do presidente da Petrobras.
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