Mercado comum? União aduaneira? Tarifas de importação? Estes termos podem parecer muito complexos e distantes do cotidiano da maioria das pessoas, mas têm uma enorme influência sobre as nossas vidas. No caso do Brasil, o Mercosul vem regendo os seus laços com importantes vizinhos latino-americanos há quase 30 anos. Entretanto, o bloco econômico passa por um momento difícil há algum tempo, enquanto existem algumas incertezas sobre o seu destino na situação atual. E um dos fatores mais importantes para definir quais serão os próximos passos é a vontade do governo do Brasil, a maior economia do bloco.
O que é o Mercosul e como ele surgiu?
Um marco na integração entre os países da América do Sul, o Mercosul (Mercado Comum do Sul) é um bloco econômico que estabelece uma zona de mercado comum entre os seus países-membros. Foi fundado quando Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai assinaram o Tratado de Assunção em 1991 na capital paraguaia.
O objetivo desta iniciativa era fortalecer os laços comerciais entre estes países; portanto, ficou primeiro definido que poderiam circular livremente bens, serviços e fatores produtivos (ou seja, os bens necessários para produzir bens materiais, como a terra e o capital, por exemplo), com tarifas alfandegárias reduzidas.
Mais tarde, em 1995, o bloco se tornou uma união aduaneira. Isso significa que os seus membros concordaram em adotar uma Tarifa Externa Comum (TEC), ou seja, as mesmas taxações para produtos importados de países que não pertencem ao Mercosul. O professor de Relações Internacionais Eduardo Mello, da FGV-SP, explica, entretanto, que se trata de uma “união aduaneira imperfeita”, porque frequentemente os países-membros negociam exceções para aplicar tarifas próprias a alguns mercados importantes das suas economias — como, por exemplo, as montadoras de automóveis no Brasil.
— Há muitas exceções às tarifas comuns negociadas, que entram dentro dos acordos do Mercosul. Isso se deve sobretudo às pressões de certos setores, principalmente os industriais, que demandam mais proteção tanto no Brasil quanto na Argentina. E estes são os dois grandes países do bloco, que são também de longe os mais fechados em termos de comércio internacional — diz Mello.
Na prática, é por causa do Mercosul que os brasileiros não precisam de visto nem de passaporte para entrar nos países que integram o bloco, por exemplo. Em 2018, o Brasil também começou a trocar as antigas placas dos carros por novas placas unificadas para todo o bloco. Este é um sistema que a União Europeia já utiliza e tem como objetivo facilitar a fiscalização nas fronteiras, uma vez que estes veículos podem cruzá-las quando quiserem.
É importante notar também que os países-membros têm economias muito diferentes entre si, incluindo nos seus tamanhos. Em 2017, por exemplo, o Produto Interno Bruto (PIB, a soma de todos os bens e serviços) do Brasil era de cerca de US$ 2 trilhões; da Argentina, de US$637 bilhões; do Uruguai, de US$56 bilhões; e do Paraguai, de US$39 bilhões.
Mas a Venezuela participa ou não do bloco?
Em 2012 a Venezuela foi aceita como membro, mas está suspensa desde dezembro de 2016 por não ter cumprido todas as obrigações previstas quando se incorporou ao bloco. À época, os governos brasileiro, argentino, uruguaio e paraguaio alegaram que estavam pendentes 238 de 1.224 normas que o país deveria ter adotado, entre elas cláusulas relacionadas à proteção dos direitos humanos e ao acordo sobre residência, que permite a um cidadão de qualquer país do bloco viver em outro.
Posteriormente, em agosto de 2017, o país ainda sofreu uma segunda medida de suspensão. Desta vez, a medida tinha caráter mais simbólico do que prático, uma vez que a Venezuela já estava suspensa, mas tornou ainda mais difícil o seu retorno ao bloco. Segundo os membros, a decisão era “um chamado para o imediato início de um processo de transição política e restauração da ordem democrática”.
A questão da Venezuela dividiu os membros do Mercosul e, inclusive, é um dos fatores que explicam a atual crise pela qual o bloco passa — você vai entendê-la mais para frente. Isso porque houve resistência inicial de Uruguai e Paraguai em adotar uma postura tão dura contra Maduro, enquanto os governos de Michel Temer, no Brasil, e de Maurício Macri, na Argentina, eram favoráveis à suspensão.
Embora não sejam membros de fato, um total de sete países são classificados como Estados associados; ou seja, participam de acordos econômicos especiais com o bloco. São eles: Bolívia, Chile, Colômbia Equador, Peru, Guiana e Suriname. Em particular, a Bolívia está formalmente no processo de adesão para se tornar membro efetivo do bloco.
Como está atualmente a situação do Mercosul?
Depois de 28 anos de existência, o bloco hoje enfrenta um momento de crise já há algum tempo. Além da questão venezuelana, o Mercosul nos últimos anos acabou ficando de fora de acordos bilaterais importantes firmados entre outros países. Hoje, por conta disso, o Brasil vem tentando retomar este tipo de acordos para favorecer a liberalização econômica e estimular o comércio internacional, explica o professor Eduardo Mello.
Outro ponto importante é que, conforme explica a professora Mercedes Botto num artigo para o Centro Internacional para o Comércio e Desenvolvimento Sustentável (ICTSD), a maioria dos analistas acredita que o Mercosul não alcançou todas as suas expectativas nas suas primeiras décadas. Por mais que a criação do bloco tenha intensificado as trocas comerciais na região, a sua opinião é a de que faltou “vontade dos governos da região de ceder parte de sua soberania em favor de um processo de integração econômica e política”, ela escreve no texto “Os 25 anos do Mercosul: ‘velha nova’ etapa à vista?”, de 2016.
Neste ano, a chegada do governo de Jair Bolsonaro ao Palácio do Planalto também gera certa incerteza sobre o futuro do Mercosul. Sendo a maior economia regional, o Brasil tem peso decisivo na importância que o bloco pode ter. No ano passado, Paulo Guedes, que hoje é ministro da Economia, disse que o Mercosul não seria mais prioridade em Brasília, enquanto o país focaria em ampliar suas relações comerciais com outros países independentemente. As declarações repercutiram na imprensa internacional e podem ter dado certo susto nos vizinhos.
— Existe muita apreensão hoje sobre isso em Buenos Aires, e os argentinos foram pegos de surpresa por esta nova posição do Brasil. Se, como Bolsonaro disse na campanha, o Brasil entrar numa maior onda de liberalização, o Mercosul poderia se tornar menos importante — explica Mello.
E o que é o Prosul? Também entra nesta história?
É importante saber que o Mercosul é diferente do Fórum para o Progresso da América do Sul (Prosul), um bloco sul-americano criado recentemente, em março de 2019. A nova iniciativa, liderada por Chile e Colômbia, também contou com a adesão de Brasil, Argentina, Equador, Paraguai, Peru e Guiana.
Dentre os membros do Mercosul, ficou de fora o Uruguai — que tem um governo de esquerda, ao contrário do predominante no Prosul, e não quis participar. E também a Venezuela, que não foi convidada para as negociações de fundação do novo bloco, por não respeitar os direitos humanos nem se comprometer com a democracia, segundo afirmou o presidente chileno, Sebastián Piñera.
O professor Mello destaca que, apesar de suas diferenças, o Prosul poderia, sim, ter influência sobre as dinâmicas do Mercosul, que já se vê num momento de desafios.
— O Mercosul é primordialmente um bloco econômico e político, mas pode perder a importância política com o Prosul, que tem uma forte agenda de coordenação política. A grande incógnita, por enquanto, é o Uruguai, que é do Mercosul, mas não participa do Prosul. O que acontece é que temos uma divisão entre esquerda e direita: o Prosul sendo majoritariamente de direita; e o Mercosul polarizado, no meio do caminho entre estas duas posições políticas.
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